As ferramentas de Inteligência Artificial já impactam o mercado de trabalho em todo o planetaDivulgação

Um relatório do banco Goldman Sachs, divulgado na semana passada, causou controvérsia. Segundo a instituição financeira, as ferramentas de Inteligência Artificial (IA) eliminarão nos próximos anos 300 milhões de empregos no mundo. As vagas que correm maior risco de desaparecer seriam aquelas relacionadas a tarefas de contabilidade, funções administrativas e de escritório.
O estudo aponta ainda que as atividades manuais têm maiores chances de manter as vagas de emprego. Funções como manutenção de máquinas ou limpeza de prédios sofreriam menos os impactos dos processos de automatização. Em países desenvolvidos, a eliminação de postos de trabalho se dará mais rapidamente. Já as economias emergentes demorariam mais para substituir a mão de obra humana pelos robôs. Para o Goldman Sachs, o corte de vagas em escala planetária será de 18%. No Brasil, o banco prevê que 23% dos empregos serão fulminados nos próximos anos.
Nas últimas semanas, o debate sobre a influência da AI no mercado de trabalho ganhou ainda mais destaque. A ampliação do uso do ChatGPT — ferramenta capaz de responder perguntas, elaborar textos, produzir imagens e criar traduções em formato de texto e voz — acendeu o alerta. A pergunta que mais se faz no momento é: “Será que vou perder meu emprego para uma máquina?”
Pessimistas x otimistas
Os especialistas na área se dividem em dois grupos antagônicos. Há os que veem a IA como uma “devoradora de empregos”, uma catástrofe. Outros acreditam que as ferramentas de inteligência artificial produzirão novas oportunidades de trabalho, compensando as eventuais perdas de vagas e permitindo um salto no desenvolvimento econômico e social. O debate está longe de terminar, porém os argumentos pró e contra a AI são coerentes.
Sophie Kinderlin, colunista de tecnologia do canal de tecnologia CNBC, acredita que dois terços dos empregos nos Estados Unidos e na Europa desaparecerão total ou parcialmente com o uso das ferramentas de IA. Ela destaca que já se tem uma ideia de quais atividades serão extintas em um futuro próximo. Quanto às novas profissões, Kinderlin ressalta que ainda são desconhecidas.
O economista Daron Acemoglu, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, engrossa o coro daqueles que defendem políticas públicas que se contraponham à destruição de empregos que a IA vai provocar. Acemoglu, inclusive, é um dos signatários da carta aberta que pediu a suspensão por seis meses das pesquisas sobre Inteligência Artificial. O documento é encabeçado pelo bilionário Elon Musk.
Os críticos da carta aberta de Musk argumentam que o documento é assinado por alguns dos principais concorrentes da OpenAI, criadora do ChatGPT. Eles dizem que o dono do Twitter e muitos signatários querem apenas evitar que a tecnologia afete seus ganhos financeiros, já que estão atrás nas pesquisas. O interesse, alegam, seria apenas comercial; não de ordem ética.
Kevin Kelly, fundador da revista Wired — publicação tida como referência na área de tecnologia da informação —, faz parte do grupo dos que não veem a Inteligência Artificial como ameaça aos empregos. Segundo ele, smartphones e aparelhos de GPS são exemplos de máquinas com inteligência maior que a humana. Kelly explica que, no entanto, o homem sabe utilizar a capacidade de raciocínio e reflexão de maneira muito superior à de qualquer dispositivo.
O especialista acredita que as ferramentas de IA atuarão como assistente do humano em algumas tarefas, não representando “uma ameaça real aos empregos”. Segundo ele, apenas atos repetitivos ficarão a cargo dos robôs. Kelly lembra que máquinas são incapazes de ter criatividade ou desenvolver soluções inovadoras.
Cenário brasileiro
No Brasil, as discussões sobre o efeito da IA no mercado de trabalho ganharam impulso desde a popularização do ChatGPT. O tema ocupou espaço nos meios de comunicação, nas redes sociais e em grupos de discussão. A Inteligência Artificial vai acabar com vagas em um país assolado pelas altas taxas de desemprego?
Pedro Albuquerque, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador dos efeitos da automatização no mercado de trabalho, acredita que haverá mudanças, mas não a eliminação maciça de vagas ou desaparecimento de profissões. Ele aposta em um cenário no qual as ferramentas de IA permitirão ao profissional se concentrar em funções de gerência, coordenação, planejamento e criação, deixando para os robôs as tarefas repetitivas e enfadonhas.
O pesquisador da Universidade de Oxford Carl Frey adiciona um elemento ao debate. Ele lembra que em alguns países a automatização, mesmo em tarefas repetitivas, torna-se inviável por questões econômicas. Frey explica que termina sendo mais barato manter a mão de obra humana, em vez de investir um volume considerável de recursos em ferramentas de IA.
Se a discussão entre os especialistas não chega a um denominador comum, no mundo real há exemplos de como a IA já impacta o mercado de trabalho. Karina*, coordenadora de equipe em uma empresa de call center, viu de perto como os robôs substituíram rapidamente os atendentes de carne e osso.
“Há quatro anos, tinha uma equipe com 200 atendentes. Com a chegada dos chatbots (robôs que iniciam o atendimento ao cliente), esse número caiu para 150. A ampliação do uso dos robôs foi gradativamente cortando vagas. Hoje, tenho apenas 35 atendentes trabalhando em três turnos. Só 20% das ligações chegam à etapa do atendimento feito por um funcionário. O resto fica com as máquinas”, conta.
Karina questiona o argumento de que a IA ampliará as oportunidades para quem desempenha funções de gerência ou coordenação. Ela explica que, em sua posição, também houve cortes.
“O robô não faz o que eu faço, pelo menos por enquanto. Mas, com equipes menores, também cai o número de coordenadores. Em 2019, éramos nove. Hoje, além de mim, tem apenas mais dois. Indiretamente, as máquinas também eliminaram essas vagas. Já estou me preparando para ser demitida daqui a uns anos ou meses. Tudo está muito rápido”, lamenta.
O processo vivenciado na empresa em que Karina trabalha já era previsto há alguns anos. O Fórum Econômico Mundial de 2020 previu que 85 milhões de empregos em companhias de médio e grande porte desapareceriam até 2025. Com o avanço das ferramentas de IA, esse número já pode estar defasado.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.