Sob o sol escaldante do Rio 40 graus, na tarde do dia mais quente do ano na cidade, Isaquias Queiroz cruza a Lagoa Rodrigo de Freitas. Os braços fortes conduzem o canoísta do Flamengo enquanto um sonho o motiva dia a dia rumo a um destino bem mais distante dali: Tóquio-2020. O que move o baiano é a missão de realizar o desejo do seu grande mentor, o espanhol Jesus Morlán, que revolucionou a canoagem brasileira e morreu no dia 11 de novembro de 2018, aos 52 anos, após travar uma batalha contra um tumor no cérebro.
"Jesus sabia que a gente iria para Tóquio brigar por mais duas medalhas, que seriam duas provas. Seria a 10ª medalha dele. Era o sonho dele", conta Isaquias. Em agosto, o baiano de Ubaitaba disputou o Mundial de Szeged, na Hungria, quando foi ouro no C1 1000m e bronze no C2 1000m ao lado de Erlon de Souza, garantindo as vagas brasileiras para Tóquio. "A gente não está sob pressão, mas a gente está treinando pesado para chegar lá e realizar o sonho dele. É uma promessa que a gente tem com a família dele, independentemente das cores", completa.
O espanhol deixou um planejamento de treino até Tóquio-2020 e o canoísta destaca o trabalho do atual técnico, Lauro Souza, dando continuidade ao legado de Jesus. Jesus Morlán chegou ao Brasil em 2013, contratado pelo Comitê Olímpico do Brasil. Comandando um projeto em Lagoa Santa (MG), o técnico ajudou a transformar Isaquias no maior medalhista do país numa edição dos Jogos, com duas pratas (uma em parceria com Erlon de Souza) e um bronze na Rio-2016."Ele sempre olhou para o lado do atleta. Quando ele chegou ao Brasil, ele pensou: 'Depois que você ganhar três medalhas no Rio, vai chover de patrocinador para você'. Depois que ganhamos três medalhas, ele falou: 'Ganhamos três medalhas e não mudou nada'. Eu falei: 'A gente está no Brasil, né?'. O objetivo dele sempre foi a gente, eu e Erlon, conquistar a nossas coisas", lembra.
Isaquias pensou em deixar o esporte porque via Jesus se dedicandoà canoagem durante a doença: "A gente via o sofrimento dele. Sempre que fazia o tratamento, chegava debilitado. Mesmo assim, não queria ir embora. E a gente se sentia meio culpado porque ele queria ajudar a gente. Por isso que chegou um certo ponto que eu pensei em parar para forçá-lo a ficar com a família dele. Mas a mulher dele falou que ele se sentia bem com a gente". E é pelo sonho de Jesus que Isaquias segue remando mundo afora.
O canoísta lembra, com bom humor, como foi o início da convivência com o espanhol: "Na primeira semana que ele veio, deu vontade lá para tomar caju (risos). Tudo que a gente falava ele dizia: 'Eu não lhe perguntei nada'. Era na lata, e a gente pensava: 'Será que ele não compaixão?'. Até que ele falou: 'Com o Isaquias, não dá. Eu brigo com ele, mas ele sempre está com um sorriso na cara'".