Uma relação que começou por um intercâmbio acabou em um jogo jamais imaginado na vida de Rafael Moraes. Mas para contar a história, é preciso voltar no tempo, mais precisamente para 2023. Torcedor do Botafogo, ele embarcou para uma experiência de três meses em Seattle. Dividido entre estudo e diversão, o tempo por lá foi curto, porém suficiente para criar uma relação com o clube de futebol da cidade, o Sounders, adversário deste domingo (15), no Mundial.
Desde moleque, influenciado pelo jogo 'Fifa', ele já curtia a equipe americana por causa do escudo e do patrocínio na camisa, o videogame Xbox. Na época em que esteve na cidade, dois ex-jogadores do Glorioso defendiam as cores do Seattle: João Paulo - este permanece até hoje -; e Nicolás Lodeiro. Rafael, que é criador de conteúdo na internet, identificou que seria uma ótima oportunidade de tentar produzir algo.
O início foi curioso. O torcedor contou ao DIA que entrou em contato com o Seattle Sounders por meio do LinkedIn - rede social profissional -, e conseguiu fazer uma aproximação com o clube americano.
"Fui para um jogo na torcida deles e, depois, entrei em contato com o social media (do Seattle) e consegui uma credencial para cobrir um jogo deles lá na MLS. Conheci o centro de treinamento, gravei com o Lodeiro e o João Paulo. Tive essa aproximação com eles e virou um clube distante que eu simpatizo, porque eu acabei criando uma relação muito grande. Fiz amigos lá, os jogadores, os caras que trabalham lá", disse o influenciador.
A conexão, inclusive, gerou frutos para suas redes sociais. Lá, já publicou vídeos em colaboração com o Sounders.
O sonho 'utópico' que virou realidade
A possibilidade de Botafogo e Seattle se enfrentarem nunca passou pela cabeça de Rafa Moraes. Porém, começou a ser construída a partir do início da era SAF no Alvinegro. John Textor planejava levar a pré-temporada de 2023 para os Estados Unidos, e a esperança de ver o clube carioca em Seattle surgiu.
A ideia do empresário era de jogar no estado da Flórida, mas não aconteceu por problemas com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). O desejo, então, passou a ser "muito utópico", como relatou o torcedor.
Entretanto, tudo mudou em novembro de 2024. No dia 4, a Fifa divulgou que o sorteio dos grupos do Mundial de Clubes aconteceria no mês seguinte. 26 dias depois, o Glorioso estaria em campo pela final da Libertadores, contra o Atlético-MG, e o vencedor asseguraria a última vaga sul-americana para o torneio.
O Seattle Sounders já havia garantido seu lugar, ao vencer a Liga dos Campeões da Concacaf, no ano de 2022. Quando Marlon Freitas levantou a taça no Monumental, o influenciador logo encaixou as peças.
Na data da definição das chaves, Rafa publicou em seu perfil no 'X' (antigo Twitter) sobre o desejo dos dois clubes caírem no mesmo grupo no Mundial. A previsão, concretizada horas depois, o deixou incrédulo.
"Quando eu vi o Botafogo e o Sounders, eu falei: 'Cara, inacreditável. Que doideira'. Foi uma parada que eu nunca imaginaria. Eu lembro que, quando andava pela cidade, eu postava foto com a camisa do Botafogo no estádio. Tentava criar uma conexão entre o Botafogo e o Sounders, forçando essa ligação mesmo. As pessoas, sempre que viam qualquer coisa do Sounders, lembravam de mim", revelou Rafael.
"Porque é um time que ninguém comenta aqui no Brasil. Inclusive, eu aproveitei isso, porque é muito bom pro clube que alguém do Brasil fale deles. Para eles, vale muito a pena. Agora, imaginar que o Botafogo ia jogar um dia lá, numa competição desse tamanho... nunca imaginei isso. É muito doido", completou.
Queria muito que o Seattle Sounders caisse no mesmo grupo que o Botafogo no Mundial.
Ia ser uma das maiores ALEATORIEDADES da minha vida reencontrar meus amigos de lá num MUNDIAL DE CLUBES.
No entanto, o ânimo de poder ver as duas equipes se enfrentarem e o reencontro com a cidade americana e com amigos de lá logo caiu por terra. Com o visto de turista negado em quatro ocasiões, Rafa Moraes não estará em Seattle para presenciar o Mundial de Clubes.
Ele contou que a questão de imigrantes no país dificultou a aprovação: "Qualquer parada que eu falasse ali que desse o indicativo de que 'o moleque é novo, não tem vínculo com nenhuma empresa, vai querer morar aqui', eles negavam. Na época, eu nem estava trabalhando ainda, então isso acabou prejudicando. Eu desisti, porque é muito dinheiro gasto".
De acordo com Rafael, o torneio deste ano era "o evento que mais queria estar na vida" e não estar presente "é muito doloroso". Porém, tentou tirar algo positivo da situação.
"Eu já vivi tanta coisa boa, que seria injusto ficar chateado só com isso. Fui para a final da Libertadores, fui para o Intercontinental no Catar. Vivi muita coisa com o Botafogo. Eu me forço a ser um pouco mais maduro em relação a isso. Vou tentar aproveitar no Rio de Janeiro mesmo, com a galera que tá aqui, porque muita gente também não vai poder ir, então a atmosfera no Rio vai estar uma loucura", relatou.
O desafio de jogar em território adversário
A estreia do Glorioso contra os americanos será fundamental. Afinal, os dois compromissos seguintes são contra PSG e Atlético de Madrid, respectivamente. Uma vitória logo no primeiro jogo pode dar confiança aos cariocas e a chance de sonhar com uma classificação para o mata-mata.
"Eu gostei muito da gente começar a rodada pegando eles, porque, por mais que eu goste muito do Seattle, é diferente de pegar o Sounders de 3, 4 anos atrás. Eles tinham jogadores bons, jogador que estava na seleção. Era um time ajeitadinho. Se o Botafogo quiser pensar em ir para as oitavas de final, que já seria uma parada histórica nesse grupo, é começar com o pé direito", analisou o torcedor botafoguense.
"Eu acho que a gente ganha do Sounders, toma porrada do PSG, e aí, dependendo do saldo do Atlético de Madrid, se perder do PSG também, a gente possa passar empatando em segundo. É muito difícil essa probabilidade, eu estou pensando de forma muito positiva, mas, das possibilidades reais, eu vejo assim", prosseguiu.
Mesmo com um início de jornada "mais leve", o Alvinegro terá que enfrentar a pressão da torcida. Isso porque o Seattle jogará todos os seus jogos em casa, o Lumen Field. Históricamente, a torcida do clube é conhecida por ser fanática e barulhenta.
A cidade vive o esporte, principalmente o futebol. É algo incomum de se imaginar em um país onde o esporte bretão está longe de ser o mais popular. Antes de todos as partidas, acontece o 'march to the match' (caminhada para a partida, em português), que é uma tradição de 20 anos. Por lá, muita cantoria e sinalizadores acesos embelecem a atmosfera pré-jogo.
"O lance de eu conseguir ter vivido uma experiência na torcida deles me pegou muito, porque a gente sabe que a torcida nos Estados Unidos é muito diferente, uma cultura completamente diferente dos brasileiros. Só que eles me impressionaram", pontuou Rafael.
"Eu fiquei surpreso positivamente com eles. É uma torcida que faz um barulho bom, comparado com os outros clubes dos Estados Unidos. Eu já tinha ouvido isso antes de ir pra lá, mas eu vi a experiência de estar na torcida deles ali. É uma torcida muito diferente", seguiu.
Expectativa para o jogo e a importância do Mundial
Apesar da conexão, Rafa Moraes espera uma vitória fácil de "2 a 0, 3 a 0" no jogo deste domingo (15), às 23h (de Brasília). De acordo com ele, o fator casa do Seattle "pesa a favor", mas é somente mais um detalhe para um Botafogo já acostumado com situações de pressão longe do Rio de Janeiro.
Uma classificação não é descartada. Longe disso. Mas o influenciador valorizou a exposição que o Glorioso terá no Mundial de Clubes - um torneio que será transmitido para o mundo todo, além de duelos contra os maiores times do planeta. E, para um clube que sofria para sobreviver nos últimos anos pré-SAF, ver o quanto mudou é motivo de orgulho.
"Ir bem num grupo desse já seria histórico. Mas eu estou levando muito mais a importância do Mundial pela mídia, do que pelo resultado em si. A gente é abaixo dos caras da Europa, não tem como. É difícil competir", destacou Rafael.
"Os caras têm muito dinheiro. A importância dessa Copa do Mundo de Clubes, pra mim, é muito a questão midiática. O Botafogo não era um time visto anos atrás. O Botafogo tava sendo esquecido. E agora o Botafogo voltou a competir e voltou a ser falado, e pra mim isso já é muito importante", finalizou.
*Reportagem dos estagiários Lucas Dantas e Giovanna Siqueira, sob supervisão de João Alexandre Borges
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