Jornalista está presa desde 2020AFP/Arquivo

A jornalista australiana Cheng Lei compareceu nesta quinta-feira (31) a um tribunal chinês, que a acusa de revelar segredos de Estado, um julgamento que pode resultar em uma pena de prisão perpétua.

Mãe de dois filhos e ex-apresentadora da rede estatal chinesa CGTN, a jornalista está presa desde agosto de 2020, mas apenas em fevereiro de 2021 foi formalmente acusada de "revelar ilegalmente segredos de Estado no exterior".

"O veredicto foi adiado para mais tarde", informou a ministra das Relações Exteriores da Austrália, Marise Payne.

As autoridades chinesas divulgaram poucas informações sobre as acusações e não permitiram o acesso do embaixador australiano ao julgamento.

"Não fomos autorizados a entrar no julgamento", declarou o embaixador Graham Fletcher a repórteres do lado de fora do tribunal de Pequim. "Isso é profundamente preocupante, insatisfatório e muito lamentável. Não temos confiança na validade de um processo que é realizado em segredo", acrescentou.

Fletcher disse que as autoridades usaram como desculpa a "segurança nacional" para impedi-lo de entrar no tribunal. Ele também afirmou que não tinha informações sobre as acusações contra Cheng.

As críticas foram rejeitadas por Pequim: a Austrália "deve respeitar a soberania judicial da China e não interferir no funcionamento dos órgãos judiciais chineses", declarou à imprensa um porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin.

A jornalista pode ser condenada à prisão perpétua se for considerada culpada de violar as leis de segurança nacional da China.

Uma declaração de sua família observa que "seus dois filhos e seus pais idosos sentem imensa falta e sinceramente desejam se reunir com ela o mais rápido possível".

A ministra das Relações Exteriores da Austrália instou Pequim a garantir "padrões básicos de justiça, o devido processo e tratamento humano (...) de acordo com as normas internacionais".

O embaixador australiano comentou que a jornalista "está bem" e que escolheu "advogados muito competentes" para defendê-la.

- Alta tensão diplomática -
Nascida na província de Hunan, centro da China, Cheng emigrou para a Austrália ainda criança e mais tarde adquiriu sua nacionalidade, dispensando o passaporte chinês, já que Pequim não permite que seus cidadãos tenham dupla nacionalidade.

Depois de retornar à China e ingressar na emissora estatal em 2012, tornou-se um rosto conhecido na CGTN, com entrevistas em inglês com os principais empresários de todo o mundo.

Sua franqueza e liberdade de tom podem tê-la colocado em apuros em um país onde o Partido Comunista não aceita críticas.

Sua prisão ocorre no pior momento em anos nas relações entre Canberra e Pequim.

O poder comunista denunciou que a Austrália usou leis contra a interferência estrangeira para bloquear investimentos chineses em setores sensíveis e para revisar a influência do gigante asiático na vida pública do país.

Os contínuos pedidos da Austrália por uma investigação independente sobre as origens da covid-19, detectada pela primeira vez na China em dezembro de 2019, também enfureceram Pequim.

Semanas antes da prisão de Cheng Lei, as autoridades australianas revistaram as casas de vários jornalistas da mídia estatal chinesa como parte de uma investigação contra interferência estrangeira.

O momento da prisão e a falta de clareza sobre as acusações contra ela levaram à especulação de que foi uma prisão com motivação política e em retaliação às buscas na Austrália.

Dois jornalistas australianos, Bill Birtles e Michael Smith, deixaram a China depois de se refugiarem por dias em instalações diplomáticas.

Meses após a prisão, as autoridades chinesas também detiveram Haze Fan, funcionária da Bloomberg News de nacionalidade chinesa, sob a acusação de pôr em perigo a segurança nacional.

Outro australiano nascido na China, o escritor Yang Jun, foi acusado por Pequim de espionagem e enfrenta um julgamento que começou a portas fechadas no ano passado.