Na visita ao Brasil, no fim de janeiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, reforçou com o presidente Lula o compromisso entre a União Europeia e o MercosulSergio Lima / AFP

Bruxelas - Por mais de duas décadas, União Europeia (UE) e Mercosul negociaram, com esforço, um acordo comercial alcançado em 2019, mas nunca assinado, e agora tentam concretizá-lo para criar uma associação relevante, em meio à disputa global entre Estados Unidos e China.
"É urgente e extremamente necessário que o Mercosul fala um acordo com a UE", afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em visita ao Uruguai no fim de janeiro, após a participação na 7ª edição da Cúpula
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
"Vamos intensificar nossas discussões com a UE e assinar esse acordo para que possamos discutir, em seguida, um acordo entre China e Mercosul", acrescentou Lula, em meio à negociação em curso de um TLC de Montevidéu com Pequim, transformada em um protagonista comercial e financeiro principal na América Latina.
Em uma visita à Argentina há uma semana, o chanceler alemão, Olaf Scholz, expressou-se no mesmo tom: "Nosso objetivo é chegar a uma rápida conclusão" das negociações.
Em 2019, os 27 países-membros da União Europeia e os quatro sócios do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) anunciaram, com grande alarde, que o acordo estava pronto. Quatro anos depois, porém, o pacto - que enfrentou a rejeição do setor agrícola europeu, ou os problemas de competitividade do Mercosul, que dificultam o corte de suas elevadas tarifas - continua uma quimera.
Do lado europeu, a saída de Jair Bolsonaro (PL) e a chegada de Lula à Presidência afastam dúvidas e eliminam argumentos contrários ao acordo.
"Há um maior nível de interlocução e, sobretudo, há um presidente que assumiu como sua uma das dúvidas que a Europa tinha em relação à atitude do governo brasileiro para enfrentar os desafios da mudança climática e do combate ao desmatamento na Amazônia", disse o deputado Jordi Cañas, presidente da Comissão do Parlamento Europeu para as Relações com o Mercosul, crucial para a aprovação de um tratado entre os dois blocos.
Para além da vontade, no entanto, há questões práticas, e o acordo está longe de ser fechado.
"Queremos um acordo com a UE, mas queremos um acordo revisto", advertiu o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Santiago Cafiero, na última quarta-feira (1º), em Bruxelas, depois de se reunir com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
"Entendemos que é necessário discutir documentos complementares (ao acordo), que derivam, em sua maioria, do Pacto Verde Europeu (de 2020) e que modificaram, em parte, as negociações de 2019", explicou Cafiero, cujo país ocupa a presidência rotativa do Mercosul.
Como exemplo, o ministro afirmou que 20% das exportações argentinas para a UE são de biodiesel de soja e, com a nova normativa europeia, ficam "virtualmente" excluídas do comércio bilateral.
O Brasil também quer rever o texto. O governo Lula quer que "as compras governamentais sejam direcionadas às empresas brasileiras", disse o diretor acadêmico do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Feliciano de Sá Guimarães.
"Nesse acordo, o Brasil conseguiu cotas de exportação para alguns produtos em troca de concessões na área industrial, na área automotiva, e acho que essa troca, esse equilíbrio de cotas versus concessões de eventual abertura ao mercado automobilístico brasileiro, será renegociado", acrescentou.
"Tem muito a ser negociado", completou.
Analistas concordam em que os dois blocos ganhariam em protagonismo global, se um TLC transatlântico fosse firmado.
"A UE se dá conta de que fechando (um tratado) com o Mercosul teria acordos comerciais com praticamente todos os países do Caribe para baixo. É uma vantagem que nenhum outro ator tem" e que "lhe permite que se ponha no centro da guerra geopolítica entre Estados Unidos e China", que pisa no acelerador na região, resumiu Ignacio Bartesaghi, especialista em Relações Internacionais e Mercosul da Universidade Católica do Uruguai.
Guimarães concorda. "A UE e o Mercosul precisam se unir, se aproximar politicamente, economicamente, para conter a disputa entre Estados Unidos e China. Há uma questão geopolítica por trás", afirmou.
Fontes políticas europeias e do Mercosul concordam em que o demorado tratado ganha "momentum", mas não está garantido, e sugerem que uma forma de acelerar o passo pode ser chegar a um "split", ou seja, uma divisão temática que reúna, em conjunto, os aspectos do pacto que podem ser aprovado diretamente pelas instituições europeias, sem passar pela ratificação - necessariamente lenta - em cada um dos 27 parlamentos.
No Mercosul, também há tempos políticos particulares, que explicam a pressa de Brasília e de Buenos Aires de avançar neste semestre, como disse o presidente brasileiro ao chanceler alemão, dias depois de se encontrarem em Buenos Aires com o presidente argentino, Alberto Fernández.
A Argentina terá eleição presidencial este ano, com um resultado incerto entre a oposição de centro-direita e de direita e a esquerda governista. Já no governo uruguaio, concluem que, no contexto atual, o acordo com a UE não pode ser visto "como algo próximo".