Protesto da Unidade Socialista Central da Índia (Suci) contra Narendra Modi em 2020Reuters

Cartazes com a foto do primeiro-ministro Narendra Modi lembram a todo momento que a Índia preside o G-20. Este fim de semana, Nova Délhi recebe a cúpula do bloco e projeta uma imagem de nova potência global, a um ano da eleição. Mas problemas crônicos, como desemprego e conflitos étnicos contradizem o quadro impecável que Modi pretende pintar.

Uma entrevista recente do primeiro-ministro é um bom indicativo da ambição. "Temos democracia, demografia e diversidade. Agora, estamos adicionando o quarto D: desenvolvimento", disse. "Os indianos dessa era têm uma grande chance de fundamentar o crescimento que será lembrado pelo próximo milênio."

A Índia, que concentra sozinha 17% da população global, tem escalado o ranking de maiores economias do mundo e disputa o protagonismo com a China na Ásia. Segundo as projeções do Goldman Sachs, Nova Délhi só estará atrás de Pequim daqui a 50 anos, quando as duas locomotivas da Ásia ultrapassarem os EUA. Com essas credenciais, o país quer se vender como exemplo para o mundo.

A ascensão econômica é inegável. O Banco Mundial observa que o crescimento da Índia - um dos mais rápidos do mundo - resiste a um cenário marcado pela incerteza. No primeiro trimestre, o PIB indiano cresceu 7,8%. O problema é que, quando o assunto é economia, o PIB não conta a história completa de um país que já é o mais populoso do mundo.

Puxada pelo preço dos alimentos, a inflação subiu acima do esperado em julho, para 7,44%, patamar mais alto em 15 meses. A alta corrói a renda de uma população que já sofre com o desemprego, em especial os mais jovens. A colocação no mercado de trabalho é tão difícil que, em alguns casos, a concorrência chega a 1.800 candidatos por vaga.

"A Índia deveria estar muito preocupada com a falta de oportunidades", alerta Nikita Sud, professora de políticas do desenvolvimento da Universidade de Oxford, em entrevista ao Estadão. "Somo uma das maiores economias, mas isso diz respeito ao PIB e aos super-ricos, não ao indiano médio. Em termos de renda per capita, estamos no mesmo nível do Timor Leste e Bangladesh, que em alguns aspectos se sai melhor que a Índia."

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A comparação com Bangladesh é significativa, porque é feita também pelos investidores internacionais, que buscam oportunidades entre os dois países com trajetórias parecidas. Enquanto o desemprego atinge 23% dos jovens indianos, o índice não chega a 13% no país vizinho "O aumento do PIB não beneficia pessoas com poder de compra limitado e os mais jovens, que têm muita dificuldade para encontrar emprego", afirmou Sud.

Nesse contexto, a pesquisadora avalia que Modi apela ao populismo e ao nacionalismo para manter o apoio mesmo na parcela da população que segue à margem do crescimento econômico. "É uma forma muito centralizadora de governar. Modi gosta de mostrar que trouxe prestígio internacional para Índia. Isso é importante para projetar a sua imagem como líder."

Nas palavras do premiê, o lema da cúpula do G-20 ("O mundo é uma família"), derivado da expressão em sânscrito "Vasudhaiva kutumbakam", é mais do que um slogan, é uma representação da filosofia indiana. Entretanto, o próprio Modi, um nacionalista hindu que está no poder desde 2014, é acusado de incentivar a perseguição contra minorias muçulmanas e cristãs. 
"O governo desde promove 2014 o discurso matam de ódio muçulmanos e seus seguidores e atacam cristãos. Isso vai contra a ideia de democracia prevista na Constituição", avalia Sud. 

A vice-diretora da Human Rights Watch na Ásia, Meenakshi Ganguly, concorda que os direitos civis e políticos têm se deteriorado na Índia sob o governo de Modi. "O partido do governo promove uma ideologia majoritária hindu e adotou políticas discriminatórias.

Os líderes difamam as minorias religiosas, levando a ataques violentos contra muçulmanos e cristãos", afirmou.

Ganguly - que estava na Índia quando falou ao Estadão - disse que as autoridades são rápidas em punir os protestos das minorias. Pela Human Rights Watch, ela monitora o conflito deflagrado há meses no Estado de Manipur, norte da Índia, região historicamente marcada por disputas, que faz fronteira com Mianmar, China e Bangladesh.
Conflito
O confronto mais recente opõe os meiteis, etnia hindu que vive nos centros urbanos, e os kukis, tribo cristã que vive nas colinas. Pelo menos 180 pessoas morreram e 60 mil foram obrigadas a fugir de suas vilas, onde casas e comércios foram incendiados.

Além da conotação religiosa, há também uma disputa por território. A rivalidade escalou quando o governo prometeu conceder status tribal com a garantia de ações afirmativas para os meiteis. Os kukis se sentiram ameaçados e acusaram o governador Biren Singh, um meitei, de jogar os hindus contra os indígenas.

"O governo abdicou da responsabilidade pelas suas políticas polarizadoras, que instigaram a maioria meitei contra grupos tribais minoritários", disse Ganguly.

Favorito
Líder mais popular na Índia, Modi segue firme em busca do terceiro mandato consecutivo. Ele é popular, tem uma imprensa favorável e conta com a simpatia das elites. "Por meio das instituições, da imprensa e do dinheiro, os governistas se beneficiam de um campo eleitoral distorcido", disse Sud. "A oposição é fraca."

Os opositores tentam de tudo. Recentemente, anunciaram uma frente ampla de 28 partidos para evitar a reeleição de Modi. Essa união é um indício do fortalecimento dos rivais do premiê, mas parece insuficiente para impedir mais um mandato de Modi. Embora pesquisas apontem que a vantagem do governo será menor que na última eleição, o partido do premiê deve conquistar assentos suficientes para se manter no poder.