Bloqueio de via na cidade de Noumea, na Nova Caledônia Delphine Mayeur / AFP

A França decretou nesta quarta-feira (15) estado de emergência no território da Nova Caledônia, onde distúrbios contra a reforma do censo eleitoral deixaram quatro mortos, incluindo um gendarme, e centenas de feridos.

“A violência é intolerável e será alvo de uma resposta implacável para garantir o restabelecimento da ordem”, informou a presidência do país.

O primeiro-ministro da França, Gabriel Attal, anunciou durante uma reunião de crise a mobilização do exército para proteger os portos e aeroportos da Nova Caledônia. O alto comissário Louis Le Franc, representante do Estado francês, decretou toque de recolher e a proibição do TikTok, acrescentou Attal.

O regime de exceção, decretado em diferentes pontos do país em oito ocasiões desde a sua criação, em 1955, entrou em vigor às 5h desta quinta-feira (15h de quarta-feira no Brasil) no território, colonizado pela França em meados do século XIX.

"O Estado terá maiores poderes para manter a ordem" e poderá "impor proibições de trânsito, prisões domiciliárias e buscas", disse a porta-voz do governo, Prisca Thévenot. Os protestos começaram na segunda-feira, quando a Assembleia Nacional, a Câmara dos deputados francesa, começou a debater a reforma do censo eleitoral.

Atualmente, apenas os eleitores recenseados em 1998 e seus descendentes podem participar nas eleições regionais deste arquipélago do Oceano Pacífico com 270 mil habitantes.

Os independentistas consideram que a ampliação do censo eleitoral, permitindo que os radicados recentemente votem, levará à redução da influência proporcional do povo Kanak, os habitantes originais, que têm amplos poderes transferidos por Paris, nas instituições locais.

Depois de uma primeira noite de graves distúrbios na segunda-feira, com incêndios criminosos, saques e disparos contra a polícia, as autoridades do território impuseram em vão um toque de recolher obrigatório, proibiram reuniões públicas e fecharam escolas e o aeroporto principal.

No entanto, "os problemas graves de ordem pública" continuaram na noite desta terça-feira, com "incêndios e saques de lojas, infraestrutura e estabelecimentos públicos", informou Le Franc. "Deixo vocês imaginarem o que aconteceria se as milícias começassem a atirar em pessoas armadas", alertou.

As autoridades francesas indicaram que quatro pessoas morreram, incluindo um policial de 22 anos que foi baleado, e que há "centenas" de feridos, incluindo "cem" agentes das forças de segurança.

Solução política global
Os protestos contra a reforma não impediram o procedimento parlamentar em Paris. Na madrugada desta quarta-feira, os deputados aprovaram o texto, como já tinham feito os senadores em abril.

Mas, por se tratar de uma reforma constitucional, também deverá ser submetida à votação conjunta das duas câmaras e obter mais de 60% de apoio para ser aprovada definitivamente. Macron disse que convocaria esta sessão "antes do final de junho", a menos que os apoiadores da independência da Nova Caledônia e os favoráveis à permanência da França aprovem uma reforma alternativa.

Em declaração conjunta, os principais partidos pró-independência e os leais à França pediram calma à população, "apesar da situação insurrecional".

Localizado cerca de 1.200 quilômetros a leste da costa da Austrália, este arquipélago é um dos muitos territórios ultramarinos que a França tem espalhados no Pacífico, no Oceano Índico e no Caribe.

Graças ao acordo de Noumea de 1998, Paris delegou mais poder político à Nova Caledônia e até permitiu a realização de três referendos, todos decididos contra a independência.

Este pacto, alcançado uma década depois dos acordos de Matignon que puseram fim a uma década conflituosa nos anos 1980, também congelou o censo para as eleições provinciais neste território, em que quase 20% dos eleitores não podem votar.

Considerando a disposição "absurda" e contrária aos princípios democráticos, o governo francês propôs uma reforma constitucional para incluir pessoas estabelecidas na Nova Caledônia há pelo menos dez anos.

Para a oposição de esquerda francesa, Macron é responsável pela situação atual, ao querer impor uma reforma que mina o acordo de Nouméa e à qual o movimento independentista Kanak se opõe.

"Presidente Macron, estenda a mão! Faça gestos simples que salvem vidas e a nossa honra como povo francês aos olhos do mundo!", apelou o líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon.