Fechamentos são parte de uma ofensiva contra grupos considerados hostis pelo presidente Daniel OrtegaAFP

O governo da Nicarágua anunciou nesta segunda-feira (19) o fechamento de 1.500 ONGs, a maioria delas religiosa, como parte, segundo opositores, de uma ofensiva contra grupos da sociedade civil considerados hostis pelo presidente Daniel Ortega.

Esta medida, sem precedentes na Nicarágua, eleva para mais de 5.100 o número de organizações fechadas pelo governo desde os protestos de 2018 e ocorre três dias após o anúncio de novas normas que obrigam as ONGs a trabalhar em aliança com o Estado.

De acordo com uma decisão do Ministério do Interior publicada no diário oficial, as 1.500 organizações sem fins lucrativos não cumpriram suas obrigações, pois "não relataram por períodos que variam de 1 a 35 anos seus estados financeiros".

Na lista de entidades cuja "personalidade jurídica e registro" foram cancelados, e cujos bens serão confiscados, estão centenas de associações católicas e evangélicas, além de sociedades ou fundações beneficentes, esportivas, de pequenos comerciantes, rurais e de aposentados; também clubes rotários e de xadrez.

Também foram fechadas organizações indígenas e de ex-combatentes da luta entre o governo sandinista e os rebeldes nos anos 80.

O governo de Ortega e de sua poderosa esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, endureceu as leis contra ONGs após os protestos de 2018, que deixaram mais de 300 mortos em apenas três meses, segundo relatórios das Nações Unidas.

Ortega, um ex-guerrilheiro de 78 anos que governou a Nicarágua na década de 1980 e está no poder desde 2007, afirma que as ONGs e especialmente a Igreja Católica apoiaram esses protestos, consideradas por ele uma tentativa de golpe de Estado patrocinada por Washington.
'Deixa a mesa limpa'
Na última sexta-feira, o governo emitiu um regulamento controverso que obriga as ONGs a trabalhar apenas em "alianças de associação" com entidades estatais.

A medida foi anunciada um dia depois de a Venezuela, aliada de Manágua, ter aprovado uma lei sobre ONGs que, segundo ativistas de direitos humanos, vai "aprofundar a perseguição" aos críticos do presidente Nicolás Maduro, entre denúncias de fraude na sua reeleição.

A mídia da oposição nicaraguense, publicada no exílio, criticou a nova norma que regulamenta o trabalho das ONGs.

O governo impôs um "novo modelo de funcionamento" às ONGs na Nicarágua, que tira a autonomia dos seus projetos e busca controlar os recursos que recebem, segundo analistas.

Amaru Ruiz, ambientalista e ex-diretor da extinta Fundación del Río, atualmente no exílio, qualificou o fechamento massivo como uma "limpeza" contra a sociedade civil. "Querem manter não só controlada a vida orgânica das organizações, agora querem estar sobre os recursos que elas gerenciam", acrescentou.

"Deixa a mesa completamente limpa, elimina praticamente todas as ONGs do país. Mais de 5.100 desde o início da crise (2018). Isso responde a um controle maior (...) Outro ataque à sociedade civil", disse em sua conta na rede social X Juan Sebastián Chamorro, ex-candidato presidencial nicaraguense, exilado nos Estados Unidos.

Religiosos presos e exilados 
Acusando-os de traição à pátria, o governo libertou, expulsou do país e retirou a nacionalidade e os bens de 316 políticos em 2023 - entre eles Chamorro -, jornalistas, intelectuais e ativistas críticos.

O governo de Ortega, alvo de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, que o acusam de medidas autoritárias, também fechou estações de rádio e universidades católicas. Dezenas de padres foram presos e forçados ao exílio.

Ortega afirma que a Igreja apoiou os protestos contra o governo em 2018, os quais ele descreve como uma tentativa de golpe de Estado patrocinada por Washington.

Desde agosto, mais de uma dúzia de padres foram detidos, a maioria deles acabou expulsa para o Vaticano.

Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) instou o governo Ortega a cessar "a repressão generalizada e a perseguição religiosa no" país centro-americano.

A CIDH também denunciou as prisões arbitrárias de pelo menos 141 pessoas que se encontram em condições insalubres, com pouco acesso à água potável, alimentação inadequada e sem cuidados médicos.