Se a meritocracia é odiosa, por pretender dizer estarem em situação de igualdade pessoas que se encontram concretamente em desvantagens, o mesmo não se pode dizer do mérito. Mérito é o conjunto de características, aptidões ou valores que tornam alguém digno de apreço; são atributos ou qualidades morais ou intelectuais, bem como a aptidão ou capacidade de uma pessoa.
Podemos dizer que o Brasil tem um ministro da Justiça que tem mérito e deve ser reconhecido. A César o que é de César! Em momentos conturbados da vida político-institucional brasileira o ministro Flávio Dino demonstrou e, tem demonstrado, excepcional capacidade de dar soluções adequadas, com absoluto respeito ao Estado de Direito e à ordem democrática.
No dia 8 de janeiro, quando os prédios dos poderes do Estado em Brasília, incluindo a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), foram alvo de ataques terroristas preparatórios para uma intervenção golpista, o ministro Flávio Dino editou decreto de intervenção federal na área de segurança do Distrito Federal e, sob seu comando, restabeleceu os poderes da legítima autoridade do Estado Democrático de Direito que era desafiada.
Está registrado para a história a eficiência do ministro. Rascunhou um decreto de intervenção, ainda que não numerado, remeteu por WhatsApp ao presidente da República que o assinou e o devolveu, imprimiu o decreto assinado, sem numeração, e entregou uma cópia ao interventor nomeado para que pudesse tomar as decisões de restabelecimento da ordem na Praça dos Três Poderes. Fora sugerido ao ministro a decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), com convocação das Forças Armadas.
GLO é um instrumento jurídico excepcional que permite ao presidente da República empregar as Forças Armadas em casos de esgotamento das tropas de segurança pública e perturbação da ordem. Foi a prática desarrazoada das GLOs, notadamente no Rio de Janeiro, o que retirou os militares dos quarteis e os trouxe para a política, possibilitando que alguns ameaçassem os próprios poderes do Estado com o fundamento, autodeclarado, de que são um poder moderador.
Tivesse no dia 8 de janeiro sido decretada uma GLO alguns militares golpistas talvez pretendessem estar no Plano Piloto da Capital Federal até esta data. Não tendo havido tal designação dos militares, o que a eficiência da atuação do ministro Dino demonstrou a desnecessidade, hoje, diante dos transtornos causados por criminosos, oportunistas e vândalos no Rio Grande do Norte, há quem volte a propor o emprego das Forças Armadas para atuação interna no país. Em recente entrevista o ministro deu lapidar aula de institucionalidade. Disse:
“Diante de uma crise você não pode ter posição dogmática; posição rígida. Você adequa o seu planejamento à necessidade. O Artigo 144 da Constituição Federal define o que é segurança pública no Brasil. E isso não inclui as Forças Armas. As Forças Armadas são uma espécie de remédio extremo. Quando o sistema de segurança pública federal e estadual entram em colapso absoluto - que não é a situação que nós no RN - é que você busca a chamada GLO, Garantia da Lei e da Ordem, [com aplicação do] Art. 142 da Constituição, lembrando que as Forças Armadas não integram o sistema de segurança Pública. Às vezes por razões ideológicas apenas, ou da violência política a que fiz alusão, há uma fantasia sobre GLO. Se GLO fosse remédio para tudo não existiria mais desmatamento na Amazônia brasileira, porque já houve dezenas de GLOs na Amazonia.
Se GLO fosse remédio para tudo não haveria mais violência no Rio de Janeiro, porque já houve várias GLOs no Rio de Janeiro. Então é preciso dimensionar as coisas com seriedade. E nós temos seriedade. Se precisar de GLO quem vai pedir é a governadora. E, claro que nós vamos atender, se for necessário. Ou seja, não há uma posição ideológica nossa. Nem no sentido de fazer amanhã, nem no sentido de rejeitar. Isto é uma decisão técnica. E essa decisão técnica é definida não por vontade política de quem quer fazer espetáculo político. Mas é definida exclusivamente por indicadores. Os indicadores [hoje] justificam uma GLO? Não! E amanhã? Vamos ver!
Se houver (...) uma nova escalada nós vamos conversar com a governadora. Neste momento o sistema de segurança pública está conseguindo enfrentar a crise. Forças Armadas fazem guerra. Forças Armadas são para a defesa da soberania; guerra externa. Só se coloca as Forças Armadas na segurança pública quando há um colapso absoluto da segurança. Esta é a definição doutrinária, jurídica e constitucional que nós vamos cumprir. Porque nós não estamos aqui para sermos irresponsáveis ou para fazer fake news ou espetáculo político”.
O ministro Flávio Dino tem notável formação intelectual, bem como traquejo para as formulações de políticas públicas, sem gerar problemas para a ordem institucional, como demonstrou nestas duas ocorrências analisadas. Tem vida pregressa orientada pelos princípios que regem o Estado de Direito e a democracia, bem como - em outras oportunidades – já provou ser imune à mosca azul da ambição política ou da soberba capaz levar os homens públicos ao cadafalso. Neste rumo será possível recolocar o Brasil nos trilhos para seguirmos adiante.
João Batista Damasceno - Doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.
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