Antes de hoje, era este o meu texto: acordei sem acordar.Trouxe, para o dia amanhecendo, os dias que se findaram. Não soube trocar de roupa, nem de desejo. Fui triste para a noite e incompreendi a pausa. Não houve. Não sei quanto de mim restou dos dias de pensamentos não pensados.
Houve um silêncio, quando ele se foi. E, depois, barulho e mais barulho em mim. Fui trocada por uma mulher com a metade da minha idade. Ele mentiu, quando perguntei. Mentiu algumas outras vezes até que se vestiu de coragem e partiu.
Eu não sou a única mulher no mundo a sofrer a dor da rejeição. O nome da minha irmã, Ângela, era o nome de uma amante de meu pai. Minha mãe dizia que, na época, não sabia. Tenho dúvidas. Eram outros tempos. Todos se foram. Minha irmã, quando soube, quis mudar de nome. Desistiu. Inventou para si mesma que foi uma homenagem à cantora que cantava lindamente. E acrescentou Maria para confirmar a informação. Inventamos passados para prosseguir vivendo durante o dia.
Saí da cama e tentei lavar o que, há tempos, permanecia. Hoje, abri a janela e um vento bonito sussurrou delicadezas em mim. Desacostumei de perceber o jardim que se avista do meu quarto. Parei em silêncio e um som leve de uma natureza leve desmentiu o peso que me frequentou desde que soube que havia outra.
Quem inventou que sem o outro não vivemos? Quem escreveu que a vida depende de um romantismo sem fim? Ele foi romântico nos inícios. Há muito éramos nada. E, mesmo assim, doeu. Talvez pelo costume. Talvez pela sensação de ser trocada. Talvez pela velhice batendo à porta e dizendo que será difícil dançar novamente acompanhada. Nem dançar dançávamos.
Quem entende o martelo de invencionices que nos atormenta a mente? Menti para mim mesma chorando por ele. Inventei um companheiro que não me acompanhava. Deixa eu parar de dizer dele. O jardim que, novamente, vejo é bonito demais para não amanhecer. E há sol. E há, surpreendentemente, uma vontade criança de sair.
O sol aquece as ruas e ilumina futuros. Nas ruas ensolaradas, frequentam histórias que podem se casar com as nossas. Não falo de um encontro romântico hoje. Até pode ser. Falo de encontros com vidas que andam calçadas, que sentam bancos das praças, que veem filmes nos cinemas, que pedem informações. Vidas que demitem a solidão.
Sou das conversas, sempre fui. Minha irmã dizia que eu fazia amizade até em fila de pão. E não é bom? Sentir o cheiro da arte do padeiro e conversar. E saber que, depois, seriam o café e a manteiga deslizando no que daria sabor. A vida é saborosa, principalmente em dia de sol. Que me perdoe a chuva, o que seríamos de nós sem a chuva? Nem seríamos. Mas hoje é dia de sol, também dentro de mim. Não, a velhice não está batendo à minha porta. É preciso que eu desminta para não acreditar, para não fechar as janelas em um dia de sol.
O espelho já me diz outro sentimento. Depois do banho, olho para mim e gosto. Passei dias encontrando defeitos que o tempo foi deixando em mim. Bobagem. Sou uma mulher bonita, sim. Vou cortar um pouco o cabelo e tingir as raízes, mal nenhum há em cuidar. Vou voltar às aulas de dança. Sempre gostei. Vou aceitar o convite do Gustavo, por que não? Sempre tão gentil comigo. E vou sem pressa. Quero ver com a Tânia o pintor que pintou a casa dela. Mudar um pouco. Tem uma poltrona que vi, há tempos, e gostei. Vou comprar. É de um vermelho que vai combinar com um lado preto e cinza da sala. Vou comprar uns livros novos. Sempre gostei de ler avistando o jardim bonito de onde moro. Vou pensar em alguma viagem. Curta que seja. Para ver os jardins de outros lugares. Para expandir o jardim que mora em mim e que tem o direito de florescer. Vou convidar Janaína, amiga sem fim, que vive de conhecer lugares.
A vontade, quando amanhece, amanhece forte. É disso que eu precisava. O que os outros decidem, decidem eles. Volto à janela e respiro o sol. Que luz, meu Deus! Que dia lindo! É, novamente, dia de viver.
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