Marcelo LarangeiraDivulgação

O mês de abril de 2023 foi histórico para o enfrentamento da violência de gênero. No Brasil, onde morrem quatro mulheres a cada 100 mil habitantes, qualquer avanço legislativo é de se comemorar. Observamos, ao longo da última década, o fortalecimento do sistema de proteção legal à mulher embalado pela maior visibilidade do tema na opinião pública.
Em 3 de abril, foi sancionada a lei 14.541/23, que alterou a estrutura de funcionamento das Delegacias Especializadas (DEAM). A lei impõe ao Estado que a DEAM funcione 24 horas por dia, inclusive em feriados e fins de semana. Além disso, a lei também garante assistência jurídica e psicológica às mulheres cis e trans, que sofreram violência de gênero.
A lei 14.550/23 de 20 de abril promoveu mudanças importantes na Lei Maria da Penha (LMP). Na prática, basta a vítima declarar perante a autoridade policial que a medida protetiva poderá ser concedida de imediato. A LMP coloca em destaque a palavra da vítima, que, em caso de fundado temor, poderá pedir o afastamento do seu agressor do lar, impor medidas de distanciamento e até suspensão da posse e porte de arma do agressor, se for o caso.
Já no parágrafo 5º, do art. 19, dispensa a prévia instauração de inquérito ou registro de ocorrência, ação civil ou ação penal para concessão da medida, o que não acontecia antes da alteração da lei.
As mudanças legislativas são importantes, porém, outras ações práticas são necessárias, que também estão previstas na LMP, como o fortalecimento das políticas públicas, que ampliem os aparelhos de proteção à mulher e educação permanente. A violência de gênero é epidêmica, porque é a cultura do masculino sociologicamente posto, reforçado pelos sistemas de costumes e dogmas fundamentalistas calcados em expedientes judaico-cristãos, por exemplo.
A expectativa comportamental que é ensinada aos meninos é o predomínio do homem sobre a mulher, a glória do masculino sobre o feminino. Há contextos sociais em que a mulher também acredita que deva ser dominada, se a expectativa não for preenchida, o homem é considerado fraco, e não está apto para protegê-la.
A violência de gênero se incorpora aos sentimentos primitivos ligados aos jogos de sedução e domínio, proteção e virilidade. Nesta lógica, homens precisam ser homens. Dirigir bem, ser sagazes, exalar (aparente) virilidade, ou seja, ser o malandro faz parte do imaginário do ser masculino. Por outro lado, ser pacífico, educado e não violento pertence à fraqueza, ligado ao feminino.
A projeção arquetípica coletiva estrutura o inconsciente, acontece de dentro para fora e custa décadas de massificação ideológica. O rompimento deste ciclo leva tempo, exige agir comunicativo e reconhecer que o problema existe e precisa ser enfrentado. A lei é um lugar de reconhecimento importante, contudo, precisamos pensar coletivamente em outros caminhos para além dela. Sozinha ela não resolve.
Roberto da Matta, ao escrever o mito de Pedro Malasartes, afirma que, a sociedade está repleta de bolsas, anéis e tapetes mágicos capazes de transformar coisas e pessoas onde o jeitinho e a malandragem também fazem parte do campo social.
É arriscado enxergar a lei como um jeitinho de se resolver um problema complexo, como a violência de gênero. A mudança estrutural acontece de dentro para fora, através da educação, comunicação e escuta permanentes. Não é fast-food, é culinária brasileira, mas vale advertência: é trabalhoso, contudo, é mais seguro.