João Batista Damasceno, desembargador do TJdivulgação
tratar pretos e pobres como inimigos. Numa guerra, não são maus os soldados que alvejam aqueles que lhes são apontados como matáveis. Quanto maior a perversidade praticada contra os que se ordenam ser perversos mais reconhecimento e prestígio angariam por quem comanda e por quem formula a estratégia de eliminação.
Uma obra recente propiciou discussão sobre o racismo estrutural no Brasil. O meio acadêmico se dividiu em discursos sobre a natureza do racismo: se estrutural, institucional ou intersubjetivo. Enquanto os termos eram discutidos e conceitos elaborados, os jovens pobres das favelas e periferia continuaram a ser mortos.
Diversamente do Apartheid, regime que vigeu na África do Sul, as leis brasileiras não estabeleciam diferenças raciais. Mas temos o jeitinho brasileiro. Desde a colonização até 1850, as terras brasileiras eram públicas e os particulares autorizados podiam se apropriar da porção necessária para suas sobrevivências e atividades. Abandonada a atividade, a terra voltava ao poder público para cessão a outro. Tal como o ar que respiramos ou a água do mar na qual nos banhamos, não haveria legitimidade na apropriação do que não fosse necessário, nem manutenção do que não mais era útil.
A edição da Lei 601 de 18 de setembro de 1850 foi o jeitinho brasileiro para excluir os negros livres da possibilidade de ter terra para viver. No processo de substituição da mão de obra escravizada pela mão de obra de pobres europeus, dispensados pelo avanço tecnológico decorrente da invenção da energia elétrica, os libertos foram segregados. Em 4 de setembro de 1850, fora promulgada a Lei 581, Lei Eusébio de Queiróz, que proibia o tráfico de pessoas da África para o Brasil. A Lei de Terras dispunha que a terra não mais era bem de uso, mas mercadoria e, portanto, somente se podia ser proprietário quem a comprasse. Apesar da abundância de terras, tal como ainda hoje, os negros livres e os brancos pobres não podiam ser proprietários por falta de recursos financeiros para a aquisição. Para comer, tinham que trabalhar para os proprietários.
No caso do menino Thiago Menezes, não adianta punir apenas quem apertou o gatilho. Outros muitos meninos são e serão executados diariamente. Um caso emblemático foi o menino Juan, em junho de 2011,
na Favela Danon, em Nova Iguaçu. Depois de matarem o menino em situação similar à do Thiago Menezes, confundido com quem estavam autorizados a matar, os policiais levaram o corpo e o jogaram na lixeira de
um município vizinho.
É preciso parar a matança. Não há pena de morte no Brasil. Quem mata é criminoso. Mas quem ordena, autoriza ou consente o é igualmente. Afinal, quem de qualquer modo concorre para o crime há de incidir nas penas a ele cominadas.
Em discurso anteontem, no Rio de Janeiro, o presidente Lula disse que "a polícia tem que saber diferenciar 'bandido' de 'pobre’". Em 2007, depois de uma chacina no Alemão, o presidente disse, no Canecão, na Zona Sul, ao lado do então governador Sérgio Cabral, para uma plateia de classe média, ser contra o pensamento de quem acredita que criminosos "devem ser enfrentados com pétalas de rosas". Ninguém defende a atuação do sistema de justiça contra os que se encontrem em conflito com a lei usando pétalas de rosas. O que se pretende é o império da lei. A civilidade nos impõe respeito à Constituição e ao Estado de Direito. Somente a barbárie autoriza execuções, chacinas, milícias, prisões ilegais e tentativas de golpes de Estado.
Grupos de extermínio e milícias são formados por quem um dia teve autorização para matar e gostou da tarefa. A autorização para matar pretos e pobres nos assombra e reforça a incivilidade. Enquanto cinicamente debatemos em mesas plurais e identitárias, entre cafezinhos, canapés e rapapés, a realidade dura elimina a juventude pobre. Inexistem instituições nacionais capazes do controle da política de extermínio e submissão da cadeia de comando ao banco dos réus, porque a política é do próprio Estado. Punem-se apenas praças que apertam o gatilho. É necessário levar a cadeia de comando ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional (TPI) em razão dos crimes contra a humanidade.
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