Daniel GuanaesDivulgação

"O homem é escravo do que fala e dono do que cala. Quando Pedro me fala de João, sei mais de Pedro do que de João." O conhecido ditado, atribuído por muitos a Freud, me faz lembrar de um episódio interessante da trajetória de Jesus.
O apóstolo Mateus, em seu Evangelho, nos apresenta um compêndio de ensinos éticos oferecidos por Jesus de Nazaré às multidões que o seguiam. Em um dos tópicos, conhecido como Sermão do Monte, o mestre oferece sabedoria para lidarmos com o problema do coração que julga. Lição antiga para um dilema atual. Afinal, todos conhecemos a experiência de julgar e ser julgado.
Visando evitar que os seus discípulos usassem excessivo rigor na análise da vida alheia, Jesus os lembra que nós, que julgamos, também somos passíveis de sermos julgados. Com sua maestria em metaforizar a vida, advertiu que sempre há uma trave encravada no olho que enxerga o cisco do vizinho. No episódio, o mestre ainda oferece um provérbio popular: "Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão".
Numa fala cuja força está no perigo do julgamento que fazemos, o arremate da lição é interessante. A lógica argumentativa de Jesus parece se valer de uma inversão de ênfase. É como se o mestre dissesse: vocês se preocupam tanto com a vida alheia que não percebem que, ao julgá-la, deixam transparecer, em si e de si, o que deveria ser preservado.
A provocação feita é pertinente, sobretudo a nós que vivemos em tempos de valorização da hiperexposição. Hoje, praticamente tudo é publicizado. Vivemos uma espécie de esfacelamento da consciência na distinção entre público e privado. Expomos nossa intimidade, que, por ser valiosa como uma pérola, deveria ser protegida. Com isso, aumentamos as possibilidades de julgamentos trocados, e ficamos presos em um looping de imaturidade.
Carecemos de um caminho de sabedoria. Que nos mantenha ativos no exercício da nossa consciência crítica, mas que nos preserve do engodo de, na ânsia por julgar tudo e todos, errarmos tanto no que falamos sobre terceiros, quanto no que expomos sobre nós mesmos. Um antigo provérbio adverte: até o tolo, quando se cala, passa por sábio.
Daniel Guanaes. PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, Escócia, é pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio, no Rio de Janeiro, e psicólogo clínico.