Emanuel Alencar. Jornalista e mestre em Engenharia AmbientalDivulgação

Se você conseguisse voltar no tempo e pousasse na Praia do Caju, em 1810, veria o monarca Dom João VI, com suas icônicas costeletas, banhando as pernas — estava com uma infecção causada por carrapato — em uma espécie de barril, com fundo, mas com furo lateral que possibilitava a entrada da água no camburão. As águas límpidas do balneário da Zona Portuária do Rio te surpreenderiam. Voltar para o futuro talvez te trouxesse um desgosto. Encarar a realidade do século XXI não é tarefa fácil: mais de 80% das 47 praias da Baía de Guanabara não estão em condições para um banho. Involuímos?
A concessão dos serviços de água e esgotos para empresas privadas no Rio, em dezembro de 2021, renovou as promessas de, enfim, termos avanços numa agenda fundamental para a saúde humana. Saneamento se planeja e se discute em bloco — as cidades do Grande Rio estão todas conectadas, e os seus rios não respeitam limites estabelecidos politicamente. Penso que uma boa métrica seria termos um índice de balneabilidade de praias: quanto mais praias balneáveis por mais tempo, mais perto estaremos de um serviço de qualidade — pago, é bom dizer, por cada um de nós.
Há três décadas começava a caminhar o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG). Muita gente boa, com intenções republicanas, participou do programa — que fracassou por diversos motivos, mas deixou alguns importantes recados. Primeiro: é plenamente possível recuperar a Guanabara. Segundo, e não menos importante: a política rasteira, de interesses mesquinhos, travou, nesse tempo todo, muitos avanços.
Chegamos a 2023 com desafios ainda não superados: 75% dos nove milhões de moradores de 16 cidades da bacia da Guanabara não têm seus esgotos tratados. Esse é um drama que até sentimos no ar, mas nem sempre enxergamos: muitos dos 143 rios dessa região estão canalizados. Se o problema não é visto, ele não será resolvido com urgência. Não há mágica: só haverá praia limpa com esgoto doméstico com tratamento adequado. Aqui, em Jacarta ou em Copenhague.
A concessão de serviços não significa um "liberou geral" para empresários lucrarem, aumentarem as tarifas e fazerem o que bem entenderem. As empresas vencedoras obtêm a concessão por 35 anos e precisam se comprometer com a meta da universalização dos serviços até 2033. São muitos os exemplos que mostram que conceder serviços de água e esgoto para a iniciativa privada sem uma forte regulação pública e controle social pode ser bastante frustrante — o caso de Manaus é emblemático. Assim como a Cedae segue sendo pública e com o desafio diário de tratar a água de 11,5 milhões de moradores do Grande Rio, o poder público continua responsável por cobrar metas, fiscalizar as obras.
Não duvide: há gente comprometida com a mudança, servidores públicos que estudam o tema há anos e querem mudanças. Sejamos sempre criteriosos, na cobrança de resultados das concessões. O Estado conseguiu R$ 23 bilhões de outorga e parte desses recursos podem acelerar os avanços em saneamento. Praias mais limpas são sinônimo de mais qualidade de vida. Quem paga o preço da poluição é você, sou eu. E quem mais sofre são os mais pobres. Até quando?
Emanuel Alencar
Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental