Eugênio Cunha, professor e doutor em educaçãoDivulgação

A vida já foi mais bucólica. De fato, as coisas já foram mais simples. O modo de vida dos últimos anos instaurou em nossos lares um retrocesso no campo do convívio e das relações humanas. A representação de pessoas reunidas à mesa nas refeições, outrora ícone da família, foi trocada por artefatos digitais, em que a interação virtual tem espaço garantido. Eu não sou contra a tecnologia, mas ela não pode ocupar o nosso lugar.
Já faz tempo que é assim. Um professor contou-me que, no final da década de 1970, quando criança, morou num bairro periférico de uma grande cidade. Naquela época, ainda era comum a família se reunir para assistir televisão, geralmente após o jantar, antes de dormir. Ficavam todos estirados nos sofás ou pelo chão. Um bocejo do pai ou a vinheta do final do programa era o sinal para todos irem para a cama. A TV oportunizava diversão acessível para a sociedade.
Disse-me o professor que uma coisa lhe chamava a atenção naquelas noites: quando faltava energia elétrica no bairro. Esse lapso da civilização moderna causava um retorno às conversas e aos temas pertencentes à
coletividade familiar. Para passar o tempo até a luz voltar, ficavam falando sobre assuntos caseiros e contavam histórias e fatos engraçados. A família conversava. Atualmente, não mais a TV, mas a telinha de um celular tem protagonizado o afastamento das conversas em família. A questão não é a tecnologia. A tecnologia pode ser muito útil, assim como o problema nunca foi a televisão. A questão é a forma como usamos a riqueza do conhecimento produzido pela humanidade.
Ainda não aprendemos a usufruir dos bens imateriais, como a liberdade, os direitos e os deveres. Precisamos aprender muito mais quando se trata de bens materiais. Os pais estão ficando sem condições de educar as gerações contemporâneas, estimuladas a consumir e a ter, não sabendo lidar com as demandas da vida diária, amplificadas pelas tecnologias digitais. A velocidade das coisas não nos trouxe mais tempo, pois acumulamos mais tarefas para fazer e quase nada para conviver.
Recentemente, vi nas redes sociais a foto de crianças brincando com uma antiga câmera fotográfica, tentando tirar uma selfie. Essa pequena fração do tempo presente, registrada digitalmente, em que os pequenos se divertem com um objeto já obsoleto, me fez lembrar do carrinho de rolimã, dos jogos de amarelinha, do futebol na rua, tão comuns tempos atrás. Mais que isso, revelou um momento na vida, em que o mais importante não é o artefato tecnológico, mas o estar junto. Crianças devem brincar e ter rotina familiar que conecte os afetos às pessoas e as pessoas à vida. A infância é insubstituível, pois é bela
e pura, repleta de experiências singelas que não devemos deixar morrer. Preservá-la vale a pena. Afinal, como escreveu Fernando Pessoa, "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Eugênio Cunha 
Professor e doutor em educação