Daniel GuanaesDivulgação

O fanatismo é um fenômeno religioso. Não no sentido de ser confessional, de praticar ritos e de subscrever dogmas, mas no da sua premissa. Tal qual a experiência religiosa, o fanatismo não depende de provas factuais para se sustentar. Ele só precisa de crenças para existir. O que significa dizer que, mesmo que a realidade mostre fatos incontestáveis, o fanatismo não necessariamente perde a sua sustentação apenas por se deparar com eles. O fanatismo se ancora naquilo em que os seus defensores pactuam crer.

Amos Oz, pacifista e escritor israelense que dedicou parte de sua obra a tratar do tema, costumava dizer que uma das perguntas mais difíceis de se responder é: como curar um fanático? Segundo ele, tal dificuldade se deve ao fato de que o ímpeto de querer mudar o outro "para o seu próprio bem" pode ser, por si só, a gênese de um novo fanatismo. Ou seja: na tentativa de salvar o outro do seu fanatismo muita gente acaba descobrindo o mesmo mal em si.

Mesmo com a dificuldade de encontrar a "cura" para tal mazela, o escritor israelense insistia que havia "remédios" contra o fanatismo. E o que ele chamava de "remédios" nada mais era do que uma atenção que todo indivíduo pode desenvolver em relação a alguns comportamentos próprios desse fenômeno. Tal atenção é importante não para curar o outro, mas para que cada indivíduo minimize as chances do crescimento desse mal em si.

Existem características muito próprias do fanatismo, ainda que não exclusivas dele, que seriam de bom proveito para nossa autovigilância. Tais como rigidez de pensamento, incapacidade de rir de si, afetividade regulada pelos extremos, visão binária de mundo e falta de curiosidade, entre outras.

Fanáticos são intransigentes quanto ao pensar, dificilmente se permitindo mudar de opinião. Também são pessoas que se levam tão a sério, que não conseguem fazer uma piada a seu próprio respeito, muito menos rir quando ela é feita por terceiros. No mundo dos fanáticos, só existem amor e ódio, sendo o amor a descrição da intensidade máxima de um afeto positivo e o ódio, a descrição da intensidade máxima de um afeto negativo. Qualquer outra gradação afetiva lhes é desconhecida. Tal qual na percepção dos afetos, aos fanáticos tudo no mundo se vê de forma binária: certo e errado, nós e eles, bom e mau. Todas as categorias são objetivas e simplificadas. Fanáticos não se interessam por informações e, para eles, o mundo tem o tamanho daquilo que eles já absorveram com a consciência, que nunca precisa ser expandida.

Não fosse o perigo que qualquer forma de fanatismo nos faz correr, ele seria motivo de riso. No entanto, justamente pelos estragos que faz, ele precisa ser resistido. A pergunta, portanto, é "como?". Neste mundo, o papel dos não-fanáticos não é o de tentar convencer um fanático da realidade, pois ela pouco importa a ele. O papel do não-fanático é o de reafirmar um compromisso inarredável com a civilidade, pois só ela é capaz de exorcizar o fanatismo. E o faz na base do sufocamento, não lhe dando espaço para florescer, nem para trazer à existência o único filho que ele, fanatismo, é capaz de gerar: a barbárie.

Daniel Guanaes
PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, Escócia, pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio, no Rio de Janeiro, e psicólogo