Resolvi recolher as minhas falas e aguardar. Não era o que ele queria. Ele insistia em não deixar a conversa esfriar. Olhei sem dizer, olhei dizendo, não houve primavera este ano.
Resolvi recolher as minhas falas e aguardar. Não era o que ele queria. Ele insistia em não deixar a conversa esfriar. Olhei sem dizer, olhei dizendo, não houve primavera este ano.
As acusações eram invenções e ele sabia. Era um equilibrar em palavras tortas para não dizer o entortado. O fato é que ele desapaixonou. Eu só significava alguma segurança, alguma rotina, algum estar em casa. O resto ou o principal era para uma outra. Muito mais jovem do que eu. Eu vi os dois. Eu vi uma alegria nele que o desabitava quando estava comigo.
Nos inícios do fim, ele era ansiedade. Preocupado que eu soubesse. Nervoso por apagar pistas de uma estrada que me levaria a ela. Foi nesse tempo que comecei a ler poemas. Ou que a poesia me leu. A poesia me trouxe algum consolo. Poemas de amor. Poemas de despedida.
No crepúsculo das letras, a claridade do ensinamento, não amar é pior do que não ser amada. E eu prosseguia amando. Depois dos inícios, alguma coisa aconteceu, e ele voltou à procura. Não sei bem o que procurava, mas começou a me dizer amor de um jeito que mais parecia disfarçar algum escondido.
Eu aceitei, por fraqueza, talvez. Por medo dos dias que viriam sem ele. Ainda antes de algum sorriso meu, ouvi que prosseguiam juntos. E não foi um ouvir descuidado. Tentei dizer, ele negou. Ficou agressivo com minha desconfiança. Atribuiu a mim o inverno prolongado.
Os dias foram dizendo o que ele não dizia. E eu desarrumei minha alegria mais uma vez. As mentiras eram tão facilmente descobertas que decidi não descobrir. Talvez porque preferisse o ignorar e o prosseguir aguardando.
Foi, então, que vi os dois juntos no dia do nosso aniversário de casamento. Eu disse que não sairia de casa, que arrumaria alguma comemoração, ele agradeceu satisfeito. Falou de um presente que surpreenderia. Não surpreendeu ver os dois. Saí, rapidamente, para providenciar algumas flores e, quando estacionei o carro, vi os dois, vi os sorrisos, vi os afagos, vi os olhares. Vi as flores que eles, provavelmente, compraram na floricultura que aguardava o que enfeitaria nosso aniversário de casamento.
Demoraram para ver que eu estava ao lado. Ele balançou a cabeça desaprovando minha presença. Eu não chorei. Desisti das flores e voltei para casa. Ele não demorou a dizer inverdades. Eu não tinha o direito de seguir. Eu estava destruindo nossa história. Eu não tinha visto o que eu tinha visto.
Sim, ele disse isso. Foi esse o momento em que resolvi recolher minhas falas e aguardar. Aguardar que ele fosse embora. Aguardar que ele devolvesse a minha tristeza.
Com a tristeza, vivo bem; com a mentira, não. A tristeza é minha carpintaria da alma. Com ela, me deito no colo que me oferecem, saudade de minha mãe; com ela, a elevação.
Com a tristeza, caminho o caminho que me leva a mim mesma. Com a tristeza, me faço companhia. Com a tristeza, confesso a minha humanidade a mim e a um outro. A ele, não. Não mais. O que ele quebrou não tem consertação. Já tenho maturidade suficiente para saber que eu posso respirar sem ele, que eu posso viver sem ele, que eu posso chorar sem ele. Um dia, as lágrimas se comportarão como devem, e eu acordarei das minhas teimosias.
Não foi um ato de amor prosseguir sem amor, foi de medo, de medo do depois. O depois já era depois, há tempos, demorei a ver.
Que sejam felizes. Quero ficar sozinha, por enquanto, com a minha tristeza, com os meus poemas, com minha humana capacidade de fazer nascer novamente a primavera.
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