Daniel Calarco é presidente do Observatório Internacional da JuventudeDivulgação

Eu sei bem como a cada trovão no céu, o coração aperta. A gente já corre para tirar a roupa do varal e fechar as janelas. Dentro de casa, a preocupação é com as telhas, móveis, caixa d'água, roupas e alimentos.
Se a chuva não para de cair, aí começa a aflição. Coloca o que conseguir em cima da mesa e longe da porta. Cada raio aumenta o medo de perder tudo mais uma vez!
Essa é a realidade de milhares de famílias de favelas. Como cresci em uma casa de divisórias e telhas, eu conheço bem esses medos. Às vezes, chovia mais dentro de casa do que fora. O que poderiam ser momentos de renovação e refrigério, têm sido símbolos de desespero para muitos.
As estatísticas são sombrias. Não é de hoje que este tema é estudado e existem alertas, portanto dizer que a tragédia que aconteceu no Rio Grande do Sul é uma grande surpresa torna-se uma justificativa simplória demais para tratarmos das enchentes no Brasil.
Em 2015, a ONG World Resources Institute (WRI), especializada em manejo sustentável de recursos naturais, divulgou o estudo que colocou em evidência que as mudanças climáticas e o crescimento urbano desordenado tinham a capacidade de deixar mais de 400 mil brasileiros expostos a enchentes fluviais até 2030. Na época, quase dez anos atrás, o Brasil já ocupava o 11º lugar entre 84 países mais ameaçados pelo problema. O que foi feito para que esse quadro mudasse?
Apenas em janeiro de 2024, mais de 100 mil pessoas foram afetadas de alguma forma pelas chuvas em 14 municípios do Rio de Janeiro, o que gerou o desalojamento de 27 mil pessoas, segundo as prefeituras do estado. De acordo com o balanço da Defesa Civil, divulgado recentemente, no Rio Grande do Sul, já são mais de 2 milhões de pessoas afetadas pelas enchentes, quase 540 mil pessoas estão desalojadas e cerca de 80 mil foram acolhidas em abrigos.
A população é quem paga o preço e, neste ponto, não temos apenas os refugiados climáticos, mas também uma crise agravada pela desigualdade social que torna ainda mais difícil para a população de baixa renda recuperar uma vida digna após terem suas residências e, por vezes, meios de trabalho destruídos. Isso nos faz pensar quem são os mais afetados pela crise climática.
Não é apenas a chuva que cai em determinada região que é responsável por todo o rastro da destruição, mas também a falta de uma infraestrutura básica de drenagem pluvial e saneamento básico, além de entulhos e lixo descartado de forma inadequada pelas ruas. Esses são alguns dos vetores que potencializam a calamidade da situação daqueles que possuem algum tipo de vulnerabilidade econômica e social, como de quem vive em comunidades carentes e cidades afastadas dos grandes centros urbanos e historicamente carecem de políticas públicas e infraestrutura básica. Eles pagam o preço mais alto por todo um comportamento mundial de falta de consciência ambiental.
Eu já enxuguei lágrimas misturadas às gotas de chuva, sentindo a dor de perder e a alegria de reconstruir. E, exatamente por isso, sei o poder das próprias comunidades em criar soluções locais. Nas juventudes das favelas há esperança de transformação!
Como idealizador do Jovens Negociadores pelo Clima (JNC), programa do Observatório Internacional da Juventude - International Youth Watch e da SMAC - Prefeitura do Rio de Janeiro, nós já capacitamos 50 jovens a pautar perspectivas e urgências das juventudes brasileiras na Agenda Climática do Brasil e na ONU. Destes, sete representaram nossas vozes na COP 28 em Dubai. Eles são a prova de que mudanças são possíveis, se escutarmos quem vive os problemas.
Os erros daqueles que estão no poder já estão levando à morte de milhares de pessoas. Infelizmente, não podemos contar apenas com a ação tardia de políticas públicas voltadas para a crise ambiental. Temos hoje que ser voz em prol da justiça climática em nossos próprios ambientes de convivência. Nosso objetivo é claro: queremos que crianças brinquem quando chove sem medo. Assim como de gota em gota temos uma enchente, de ação em ação e investimento na juventude temos a possibilidade de criarmos o futuro de uma comunidade sustentável.
Trabalhamos por comunidades fortes, adaptadas e sustentáveis, onde natureza e favela coexistam harmoniosamente. Mais do que um programa, o JNC é um movimento pela mudança, empoderamento e esperança. Com estratégias de mitigação e adaptação, focada em criar comunidades resilientes, a chuva não deve ser temida, mas aproveitada como parte de um ecossistema que cuidamos e valorizamos.
*Daniel Calarco é presidente do Observatório Internacional da Juventude, organização que defende os direitos da juventude, visando sua participação ativa na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. As principais frentes em que atuam são: Justiça Climática, Equidade de Gênero e Incidência Política, seguindo os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.