Isa Colli é jornalista e escritora - Opinião Divulgação

A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um alerta que me deixou extremamente preocupada: estamos ficando longe das metas de meio ambiente, saúde e combate à fome definidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Agenda 2030, criada pela ONU em 2015 para tornar, até o ano de 2030, o mundo mais justo para todas as pessoas do planeta. De acordo com o relatório, apenas 17% dos ODSs estão atualmente na direção correta para serem cumpridas, sendo que quase metade apresenta progresso mínimo ou moderado e mais de um terço está estagnado ou regredindo. Ou seja, estamos cada vez mais distantes de ver o fim do analfabetismo, a prevenção à saúde como prioridade e a proteção efetiva da biodiversidade.
A falta de financiamento, as tensões geopolíticas e a pandemia teriam ajudado a afastar as nações das metas de desenvolvimento. No entanto, mesmo antes da Covid-19, o progresso já era muito lento, disse Guillaume Lafortune, vice-presidente da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e principal autor do relatório. Na mesma linha, o diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP), Daniel Balaban, aponta que seria uma desonestidade intelectual colocar no colo da pandemia tal desempenho. “Mesmo se ela não houvesse acontecido os resultados teriam sido parecidos”, comentou.
Balaban avalia o cenário com o olhar de quem vivencia bem de perto os problemas do mundo, principalmente a insegurança alimentar. O especialista observa que os países que ficaram mais longe das metas são os que mais defendem o forte liberalismo econômico como bandeira. “O foco central de um sistema ultra liberal é o máximo retorno possível do investimento. Traduzindo, foca-se no maior lucro. Para que se tenha o maior lucro deve-se cortar custos (insumos baratos, salários baixos, menos impostos, etc). Torna-se óbvio que um sistema centrado nessa ótica jamais beneficiaria pautas como combate à fome, cidades sustentáveis e proteção ao meio ambiente, pois essas pautas necessitam regulações, novos investimentos e estado operante, tudo que o ultra liberalismo econômico abomina. Assim, os resultados ruins aparecem”, opina.
O diretor da ONU faz uma observação interessante sobre a China, um dos países do mundo que apresentarammelhores índices. Para Daniel, o bom desempenho chinês se deve ao fato de ser um Estado regulador e que foca no planejamento de atividades de longo prazo com foco claro e resultados sendo constantemente avaliados.

O relatório também avaliou os países quanto à sua disposição de cooperar globalmente por meio das instituições da ONU. Os Estados Unidos ficaram em último lugar. Sob esse aspecto, o especialista afirma que o comprometimento das grandes potências é determinante, para o bem ou para o mal. “A única saída para o planeta é a união de esforços por um bem comum. A ONU, apesar de suas imperfeições, tem um papel fundamental para que o mundo continue trabalhando por metas comuns. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs – 2000 a 2015) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs – 2015 a 2030) são exemplos de propostas com objetivos claros e que mantém estímulo à tentativa de alcançar esses objetivos comuns. O multilateralismo ainda é a única saída para um mundo que quer ser sustentável e sobreviver por mais anos. Se ainda não tivemos uma terceira grande guerra, foi muito por ações desenvolvidas no âmbito da ONU".
Daniel cita uma frase que foi dita pelo segundo secretário-geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld, num discurso em maio de 1954 para exemplificar o importante papel dessa organização para a manutenção da paz no planeta. "A ONU não foi criada para levar as pessoas ao paraíso, mas para salvar a humanidade do inferno".
* Isa Colli é jornalista e escritora