Isa Colli é jornalista e escritora Divulgação
Isa Colli: Adolescentes e a geração de pais despreparados para o afeto
A série "Adolescência" oferece um olhar profundo sobre uma realidade preocupante: a desconexão emocional que enfraquece os laços entre pais e filhos na sociedade contemporânea. A obra revela como muitos adultos, marcados por traumas não resolvidos, acabam repetindo os mesmos padrões de criação que vivenciaram. Sem consciência do impacto disso, acreditam que exercer a paternidade ou maternidade se resume a garantir comida na mesa e um teto sobre a cabeça — negligenciando o valor do amor, do carinho e da presença genuína.
E assim, esses padrões disfuncionais vão se perpetuando de geração em geração. As dores não curadas do passado continuam moldando o futuro, tornando difícil a construção de relações familiares mais saudáveis e acolhedoras.
Vivemos em uma geração de pais exaustos. Saem cedo para o trabalho, voltam tarde, enfrentam jornadas duplas ou triplas e, muitas vezes, mal têm tempo para olhar nos olhos dos pequenos. Muitas mães, sobrecarregadas entre o emprego e as demandas da casa, tentam equilibrar tudo, enquanto seus filhos crescem em um ambiente de ausência afetiva. "Adolescência" mostra como essa realidade impacta diretamente o desenvolvimento psicológico das novas gerações, levando diversas crianças e jovens a se sentirem solitários, carentes e desamparados.
Além disso, a produção opta por uma abordagem policial intensa e, em certos momentos, uma violência desnecessária. O ritmo narrativo se desenrola de forma desigual: um começo acelerado dá lugar a uma trama arrastada, especialmente ao abordar o fim da adolescência e o choque entre sonhos e realidade. Um dos momentos mais impactantes é a confissão da mãe do protagonista ao reconhecer que não percebeu os sinais do isolamento do filho enquanto ele passava horas trancado no quarto. Esse relato escancara um problema recorrente: figuras parentais tão imersas em suas rotinas que só percebem o sofrimento dos filhos tarde demais.
Muitas dessas crianças chegam à escola já ‘quebradas’ — não apenas pelo excesso de telas e distrações digitais, mas pela falta de referência afetiva dentro de casa. Neste cenário, observamos inúmeras famílias diante de realidades distintas, mas igualmente preocupantes: há as que priorizam o diálogo, mas falham em impor limites quando necessário; e há as que vivem em ambientes permeados pela frieza e insensibilidade, onde as crianças aprendem desde cedo que gritos substituem o diálogo e que castigos tomam o lugar da compreensão. A falta de presença acolhedora dos adultos faz com que os jovens busquem refúgio em redes sociais, jogos e influências externas, por vezes prejudiciais.
A grande questão que "Adolescência" levanta é: como romper esse ciclo? Como criar indivíduos mais preparados do ponto de vista emocional quando os próprios responsáveis não receberam esse modelo? A resposta pode estar no reconhecimento do problema. É preciso entender que educar não é apenas garantir a sobrevivência, mas também ensinar sobre sentimentos, vínculos e empatia.
Para que essa mudança aconteça, família e escola precisam caminhar juntas. O desenvolvimento dos aspectos emocionais das crianças não pode ser responsabilidade exclusiva dos pais ou dos professores. É fundamental que ambos se unam, dialoguem e trabalhem juntos para oferecer suporte, acolhimento e formação socioafetiva. Somente assim será possível construir uma geração mais equilibrada e preparada para enfrentar os desafios do mundo sem carregar feridas do passado.
Por Isa Colli, escritora e jornalista
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