Daniel GuanaesDivulgação

O tema “perdão” foi motivo de polêmica, depois que a cantora e pastora Baby do Brasil encorajou os frequentadores de um culto na casa noturna D-Edge, em São Paulo, a perdoar abusadores. "Perdoa! Se teve abuso sexual, perdoa. Se foi da família, perdoa!" Mas por que presumir que perdoar é abdicar da busca por justiça contra abusadores?
Nos cultos evangélicos, é comum o perdão ser tratado como uma experiência de cura interior. Geralmente isso acontece em falas que encorajam as pessoas a se libertarem da prisão emocional que uma ferida causou. Esses momentos costumam ser acompanhados de catarses, com choros e orações.
Muitos relatam se sentir mais leves, como se um peso fosse retirado de seus ombros. Difícil encontrar evangélicos que não ouviram testemunhos de pessoas que, ao oferecerem perdão a um pai ausente ou a uma mãe rígida, experimentam uma nova paz interior. Perdoar, nesses casos, não é uma forma de apagar as dores do passado, mas de não deixá-las ditar o presente.
Isso não significa que episódios de violência não sejam tratados com seriedade nas igrejas. Pelo contrário! Muitas pessoas podem não saber, mas as comunidades religiosas são cheias de redes de apoio. Quando um problema acontece em uma família, alguém da igreja logo é acionado para ajudar. Os casos costumam ser reportados aos líderes, e as vítimas são acolhidas e assistidas nas suas necessidades.
Agressores também são ouvidos pelos pastores, que os confrontam. Dependendo da igreja, há códigos de disciplina estabelecidos pelo estatuto. Muitas vezes essas pessoas são expulsas da congregação e acionadas judicialmente para responder por seus atos.
O problema é que o ambiente que acolhe a vítima muitas vezes também protege o abusador. No livro “O grito de Eva”, a jornalista Marília de Camargo Cesar analisa o problema da violência doméstica em lares cristãos, mostrando como mulheres, muitas vezes, são orientadas a esperar, em oração, pela transformação dos seus agressores. Há lideranças que atuam para silenciar quem sofre, protegendo o agressor em nome da ideia de que a ação daquela igreja deve continuar. Isso acontece sobretudo quando o abusador é um pastor ou um líder importante naquela igreja.
Esses casos não representam a maioria das igrejas, mas ocorrem o suficiente para exigir cautela ao abordá-los. Por isso, a fala de Baby do Brasil poderia ter sido mais cuidadosa. Ainda que ela tenha explicado, após o ocorrido, que não defendeu abusadores, temas assim despertam feridas e sensibilidades.
Nunca é exagero reforçar a solidariedade às vítimas e os caminhos que elas podem seguir para responsabilizar abusadores por seus atos. São formas de reconhecer a dor de quem sofreu a violência e deixar claro aos oportunistas da fé que não há salvaguarda para seus crimes.
Se há algo positivo nesse episódio, é a oportunidade de trazer à tona uma conversa essencial: o perdão não pode ser um álibi para a impunidade, mas tampouco pode ser descartado como se fosse um elemento irrelevante da experiência humana.
Daniel Guanaes é PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)