Já sei que não é amor. Fosse amor, seriam os momentos saboreados estendidos por mais tempo. Fosse amor, a experiência da alegria não seria tão tímida, tão apressada no partir.
Já sei que não é amor. Fosse amor, seriam os momentos saboreados estendidos por mais tempo. Fosse amor, a experiência da alegria não seria tão tímida, tão apressada no partir. Fosse amor, as consequências dos instantes de prazer abririam sorrisos mais demorados.Demorou ele, pouco, para dizer o que queria de mim.
Os olhares de onde estávamos nos aproximaram. Passamos um tempo em conversas sobre o passado. Em intervalos nenhum, dizia o quanto eu era a mulher que ele sonhara em encontrar. Eu corava, enquanto ele alisava os meus sentimentos. Elogiou o meu jeito de enrolar os dedos nos cabelos, enquanto ele falava. Falou de uma pinta que eu tenho ao lado esquerdo da boca. Falou da boca e do meu beijo. Disse do meu sorriso e me convidou para sorrir em outro lugar. Eu disse 'não'. Não queria apressar nada. Ele disse 'sim' e prosseguiu em sua tessitura de envolvimentos. Eu demiti meus caprichos e fui. Fui viver uma noite de entrega e de certezas de dias que se seguiriam àquela noite, juntos.
Em seu quarto, o cuidado de quem quer ter. A foto da mãe na cabeceira. Alguns livros de poetas que eu amo. Uma vela e sua luz bruxuleante sobre nós. Parecia no fim. No fim, ele foi gentil. E dormimos juntos.
No dia seguinte, o café da manhã foi nosso. Seus filhos, ele tem dois, estavam com a mãe. Minhas filhas, eu tenho duas, estavam com a minha mãe. Falamos sobre isso. Sobre nossas famílias. Sobre os erros do passado e sobre o desejo de acertar.
Acertou em mim uma flechada aquele homem. Saí tomada de uma intenção de prosseguir. Liguei para algumas amigas. Contei do encontro. Da linha de amor que começava a desenhar os nossos nomes no mesmo cartão de apresentação.
Apresentou ele algumas desculpas para ficar uma semana sem uma mensagem sequer.Eu perguntei o que houve. Ele disse nada e pediu minha presença.Fui. Uma outra noite de amor. Uns dizeres lindos antes de sermos um. A música que eu disse que gostava nos acompanhava, quando nossos corpos pareciam desenhados um para o outro.
E, de novo, o preparado de alimentos no amanhecer do dia. E ele me convidou para uma viagem para sua casa na Serra. Eu disse que precisava resolver as minhas filhas mas que, certamente, conseguiria. Nos beijamos e decidi mandar uma mensagem. Por que esperar que o homem tenha a iniciativa? Ele demorou dois dias para responder. E respondeu pedindo perdão, porque não conseguiria ir no fim de semana. Entreatos, eu já havia pedido à minha mãe que cuidasse das meninas. Eu perguntei se alguma coisa havia acontecido, ele nada disse.
Esperei alguns dias e mandei uma mensagem, preocupada, para ver se ele estava bem.A resposta foi protocolar. Desentendi.Passei da paz ao vício. O olhar frequente no celular aguardando algum texto.
Quase um mês depois, veio a mensagem e o convite para o jantar. Eu resolvi aceitar para dizer do desconforto.Não consegui. Apenas disse que se ele quisesse algo eventual... e nada mais disse, porque ele interrompeu e beijou as minhas inseguranças com tanto prazer que esqueci do tempo que nasce depois que o tempo do prazer se vai.
Insisti se ele tinha alguém. Ele disse que não. Disse isso no amanhecer e me convidou para ficar até o almoço. Queria ir comigo a um restaurante especial, não tão longe da cidade. Eu aceitei. Mãos na minha perna, enquanto dirigia. Palavras sobre o meu olhar, sobre o meu jeito de dizer palavras. Eu, em erupção. E jurava, apesar das descrenças das minhas amigas que acompanhavam pelos meus dizeres os intervalos entre o amor e o nada, que era ele também um homem apaixonado.
Falou que queria que eu conhecesse seus filhos. Que seria bom que fôssemos juntos até a Serra. Que poderia ser no outro final de semana. Tomei coragem e perguntei se ele não gostava de mensagens ou de conversas nos intervalos dos nossos encontros.Ele disse que gostava do que eu gostava e que estava pronto para ser moldado por mim. Eu sorri e ele disse do sorriso mais lindo que ele já havia visto.
Vista linda tinha o restaurante. Almoçamos, sem pressa, falando de lugares que fomos um sem ou outro. E que iríamos juntos. E ainda fizemos amor depois da sobremesa e antes de eu ir embora.
Era um entardecer lindo. E eu estava segura. Liguei para as duas amigas com quem falo sempre e disse que esquecessem as críticas que eu havia feito a ele. Estava errada.
Estava errada. A semana passou e passou o fim de semana sem a Serra, sem os encontros dos filhos e sem um dizer sobre o não dizer.
Escrevo, enquanto aguardo. Escrevo para ler e reler o que escrevo. Escrevo para demitir minhas esperanças. Não. Não acredito nos ziguezagues do amor. E, embora uma de minhas amigas diga que, talvez, eu tenha construído algumas fantasias dos encontros com ele, releio e vejo que tudo é verdade. Já o desculpei, imaginando ter ele algum medo de um novo amor. Já criei uma infância de infelicidades dele que o assusta no prosseguimento de encontros felizes. Já desisti de entender por ele o que ele não parece querer entender.
O que me resta de consolo é que, às minhas filhas, nada disse. E sobre o choro mais constante do que outras épocas, disse de uma dor de cabeça intermitente que me rouba a paz.
Quem me rouba a paz? Ele ou eu mesma? Por que não disse 'não' depois da primeira rasgadura? Que Serra é essa, de presença rarefeita, de paisagem inexistente? De um frio sem fim? Minha nudez dói.
Dói porque estou rasgada. Se eu não assumir isso, não consigo enfrentar o tempo da costura.Ainda confesso que aguardo alguma explicação. Sinal de que não estou pronta para fechar as portas. Erro meu.
Ou há amor ou é melhor dizer, a quem veio, que vá.Viver de pedaços de dias despedaça qualquer um.Se, ao menos, houvesse uma verdade.
Verdade há. Eu que ainda não consigo enxergar.
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