Por Bernardo Costa e Maria Luisa Melo
Rio - O brinquedo que o menino José Alberto mais gosta é uma caixinha de som. Nela, põe para tocar músicas da Venezuela. Com apenas 2 anos, ele ainda não entende os motivos que levaram sua família a buscar refúgio em outro país. Mas parece sentir. José aperta o play e dança ao som do ritmo reggaeton. Uma herança cultural de sua terra natal, para onde a família não sabe quando vai poder voltar. O recomeço no Brasil traz desafios para a criação das crianças que chegam aqui. Mas também acrescenta uma nova nacionalidade às famílias. Entre janeiro de 2017 e fevereiro deste ano, 2.500 filhos de venezuelanos nasceram no país, aponta um levantamento da Secretaria estadual de Saúde de Roraima. É a primeira geração dos chamados 'brasilanos', tema do último capítulo da série 'Depois da fronteira'.
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Venezuelanos em busca de emprego no Brasil
Mãe de José Alberto, Mirelis Carolina, de 25 anos, veio para o Brasil com o marido e três filhos. Ela está grávida e espera o nascimento de sua quarta criança para agosto. Será uma menina. "É uma situação estranha. Somos venezuelanos e todos os nossos filhos também. Mas a menina nascerá no Brasil. Não sei se quando voltarmos ela terá os direitos reconhecidos em nosso país". Os outros filhos, Abraham e Yoannis, de 4 e 6 anos, já estão na escola. A adaptação à rotina de estudos também traz preocupações. "A menina mais velha não quer ir ao colégio. Ela reclama, estranha. E diz que sente muita falta de brincar com os primos, que estão na Venezuela", diz Mirelis. Ela está vivendo com a família no abrigo da ONG Aldeias Infantis SOS Brasil, no Itanhangá.
Grávida na fronteira
A dona de casa Diosciris Rondon, de 21 anos, cruzou a fronteira grávida. Ela foi uma das mães que deram à luz a um 'brasilano' em Roraima, no ano passado. Em 2018, 1.603 descendentes de venezuelanos nasceram em Roraima, quase o triplo em comparação ao ano anterior — um crescimento de 183% (confira as informações no infográfico acima). E é no Rio que Diosciris pretende criar a pequena Sofia, hoje com 9 meses. "Tenho esperança de que a situação melhore na Venezuela. Mas quero que minha filha cresça no Rio. Por mais que digam que o Brasil tem problemas, aqui ainda é possível estudar e fazer uma faculdade. Na Venezuela, isso não está mais ao nosso alcance", diz Diosciris, que chegou em Roraima há um ano e está no Rio desde outubro passado.
A cabeleireira Jotselys Del Valle, de 22, também quer criar os filhos no Brasil. Depois de passar três meses em Pacaraima (Roraima) dormindo na rua com o marido e a filha Victoria Valentina, 5 anos, ela se mudou para o Rio no programa de interiorização do governo federal, em parceria com a ONU, a Operação Acolhida.
Sem olhar para trás
No Rio, Jotselys descobriu que estava grávida. Megan Rous nasceu há quatro meses. "Quero me tornar brasileira como meu bebê. Não quero mais voltar para a Venezuela. Meu marido conseguiu emprego aqui e estamos nos reerguendo. Voltar para a Venezuela seria recomeçar tudo de novo. E creio que só haverá melhores condições por lá daqui a muitos anos. Minhas filhas já estarão grandes", acredita Jotselys, que também está vivendo com a família no abrigo da ONG Aldeias Infantis SOS Brasil.
Ela é casada com Franklin Jesus, de 27 anos, que está trabalhando como mecânico na comunidade da Tijuquinha, no Itanhangá. Ele conta que a família está se adaptando bem ao Rio. Mas a filha mais velha sente saudades dos parentes. "Ela chama pela avó e estranha o fato de ela estar em Roraima longe da gente. Mas estamos nos adaptando bem, pouco a pouco. Tenho saudades da Venezuela, principalmente das Arepas (comida típica da Venezuela). Mas estamos sendo bem tratados aqui", diz Franklin.
O nome da filha
Euar, marido de Mirelis, personagem citada no começo da reportagem, pretende batizar a filha, que nascerá em agosto, com um nome comum no Brasil: Giovana. "Procurei algumas opções em um dicionário de língua portuguesa. Acabamos nos decidindo por Giovana. Mas o segundo nome será venezuelano: Lucía", diz.
Yessie Orozco, de 27 anos, que mora com o marido, os três filhos, a irmã e três sobrinhos em uma quitinete em Ramos, na Zona Norte do Rio, conta para as crianças que está viajando. "Elas conversam entre si e falam que é uma viagem. Ainda não sei como contar a verdade", diz, ao contar da experiência da primeira geração de 'brasilanos'.