Obras da Prefeitura do Rio na Praia da Barra deixaram comunidade científica do Rio indignadaBanco de imagem / Agência O Dia

Rio - A Prefeitura do Rio paralisou nesta quarta-feira (1) as obras realizadas na faixa de areia entre os postos 8 e 3 da Praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste. A introdução de uma manta de concreto no local provocou a mobilização de cientistas especializados em oceanografia e geografia de diversas universidades do estado. Nesta terça-feira, o Ministério Público Federal notificou a Secretaria Municipal de Infraestrutura pela suspensão da intervenção. 
A obra, iniciada em dezembro de 2022, está dentro de um "pacote" para a recuperação da orla e das estruturas urbanas, diante dos danos provocados por ressacas marinhas nos últimos anos. Neste contexto, estavam sendo colocadas mantas preenchidas com cimento enterradas na faixa de areia dinâmica, na parte superior da praia, e nas dunas frontais. Além disso, a areia da praia estava sendo colocada em grandes sacos fechados enterrados por cima da manta de cimento. O MPF cita em seu parecer técnico que a intervenção provoca "indiscutíveis impactos à fauna e à flora residentes".
A secretária municipal de Infraestrutura, Jessick Isabelle Trairi, publicou um despacho no Diário Oficial do Município desta quarta-feira. A pasta afirma que enquanto analisa as recomendações do MPF, paralisou as ações no local. Na terça-feira, o município protocolou no portal do Ministério Público Federal mais de cem documentos relativos aos ensaios, estudos de engenharia costeira, elementos técnicos e projetos que corroboram as obras de recuperação dos taludes da Barra da Tijuca. A obra denominada "Recuperação de Taludes em Manta Geotextil - Orla da Barra da Tijuca" está a cargo da empresa Dratec Engenharia LTDA.
O MPF ressaltou em seu parecer que a ação foi feita sem autorização da Secretaria de Patrimônio da União, responsável por gerir as praias e outros bens integrantes do patrimônio federal, e sem a realização de prévio estudo de impacto ambiental. A obra está sendo realizada em caráter emergencial sem concorrência pública, apesar de, segundo o Ministério Público Federal, não haver justificativa para emergência, uma vez que os casos de danos por ressacas do mar não representam risco à vida e são notoriamente conhecidos.
O procurador da República Sergio Suiama chama atenção de que a licença ambiental foi emitida apenas no dia 19 de janeiro e pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, portanto enquanto as obras já estavam em curso. A licença deveria ser emitida pelo INEA ou Ibama, por ser uma área de responsabilidade federal.  

O parecer que embasa a licença não considera nenhum impacto causado pela obra no que se refere ao aumento da erosão e da alteração da hidrodinâmica das marés, causado pela manta.
A Secretaria de Infraestrutura enviou os documentos solicitados ao MPF na noite de terça-feira. Agora, o material será analisado para entender se a obra pode ir adiante. Caso contrário, o MPF tomará medidas cabíveis para que seja encerrada e os danos ambientais, corrigidos. Isso será definido em um procedimento cível.
O MPF também determinou a instauração de um procedimento criminal para apurar se houve crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98, consistente em "construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes".
"Nós vamos analisar esses documentos que a prefeitura encaminhou. Houve uma reunião ontem na qual a secretária disse que não havia solicitado autorização da Secretaria de Patrimônio da União para a obra. Isso é um fator que nos preocupa", afirma o procurador Sergio Suiama, que assina a notificação.
Suiama acrescenta que a obra correu sem licença ou autorização. "O segundo fator, é que a única licença ambiental foi emitida depois do início das obras e foi feita sem estudo de impacto ambiental para verificar potenciais riscos ao meio ambiente, que foram constatados pelos técnicos do MPF e da Academia. Tudo isso nos leva à necessidade de examinar os documentos e apurar o que deve ser feito para reparar o dano", conclui.
Dois peritos em Meio Ambiente do MPF concluíram que a obra desenvolvida pela Prefeitura do Rio de Janeiro não encontra respaldo na literatura técnica pertinente e nas instituições com expertise na temática e que, caso não sejam realizados os estudos necessários, a instalação de mantas e estruturas rígidas na praia podem "propiciar um efeito antagônico à proteção costeira, comprometendo não só a estabilidade morfodinâmica da praia da Barra da Tijuca, mas também ensejando uma necessidade de obras e ações futuras, no sentido de mitigar seus impactos".

O documento também aponta que do ponto de vista ecológico, a obra afeta diretamente a permeabilidade da areia, ao substituir um material arenoso e, portanto, poroso, por material rígido e sólido sem permeabilidade. No local também existem espécies típicas, como a maria farinha (Ocypode quadrata), preás, corujas buraqueiras e lagartos de praia, entre outras. 
"As raízes da vegetação de praia (restinga) presente neste local serão impactadas. A troca de água entre mar, água da chuva e lençol freático será impedida. Toda a fauna presente na faixa de areia, neste trecho denominado de supralitoral, já está sendo diretamente impactada seja pela remobilização gerada pelas máquinas, seja pela areia que está sendo ensacada, sem qualquer critério ou cuidado com a presença de animais que serão sufocados nos sacos hermeticamente fechados".
A reportagem pediu uma entrevista com a secretária de Infraestrutura, Jessick Isabelle Trairi, sobre o caso, mas não foi atendida. 

Cientistas se juntaram em manifesto
Um grupo de 21 pesquisadores e geocientistas marinhos ligados a universidades atuantes no Estado do Rio se juntaram para denunciar a obra. Acadêmicos da UFRJ, Uerj, Uff e PUC-Rio alertaram para a ineficiência da construção e questionam o fato da Prefeitura do Rio não ter consultado os especialistas para realizar a intervenção. O grupo publicou um manifesto em conjunto e denunciou o caso aos ministérios públicos estadual e federal.
Por meio da Secretaria de Infraestrutura, a prefeitura informou que o projeto de recuperação da orla da Barra da Tijuca inclui a recuperação do calçadão e do talude (terreno inclinado que serve como base de sustentação ao solo). O valor total do projeto é de R$ 10,6 milhões.
Os especialistas afirmam que a utilização de estruturas rígidas, como concreto, para solucionar problemas relacionados a danos por erosão costeira neste setor da praia são considerados ineficientes e danosos por pesquisadores brasileiros e internacionais. Além disso, cientistas da área afirmam que não há na Praia da Barra da Tijuca problema de erosão. Pelo contrário: a região é rica em sedimentos e areia.