Rio - Um grupo de 21 pesquisadores e geocientistas marinhos ligados a universidades atuantes no Estado do Rio se juntaram para denunciar uma obra em curso na faixa de areia entre os postos 7 e 8 da Praia da Barra, na Zona Oeste do Rio. São acadêmicos da UFRJ, Uerj, Uff e PUC-Rio que alertam para a ineficiência da construção e questionam o fato da Prefeitura do Rio não ter consultado os especialistas para realizar a intervenção. O grupo publicou um manifesto em conjunto e denunciou o caso aos ministérios públicos estadual e federal.
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Por meio da Secretaria de Infraestrutura, a prefeitura informou que o projeto de recuperação da orla da Barra da Tijuca vai do posto 3 ao 8 e inclui a recuperação do calçadão e do talude (terreno inclinado que serve como base de sustentação ao solo). O valor total do projeto é de R$ 10,6 milhões.
No local, homens colocam a manta de concreto sobre a área escavada. A intervenção surpreendeu a comunidade acadêmica fluminense que desenvolve pesquisas sobre geomorfologia costeira, dinâmica de praias, erosão e vulnerabilidade costeira nas praias da cidade do Rio de Janeiro, incluindo este trecho da Barra da Tijuca.
"Os pesquisadores desconheciam a realização de uma intervenção de engenharia naquele trecho da praia, não estavam cientes de qualquer intenção da prefeitura neste sentido, não tomaram conhecimento dos estudos preparatórios para realização da obra e não foram consultados em nenhum momento pelo poder público", registram no manifesto.
Os especialistas afirmam que a utilização de estruturas rígidas, como concreto, para solucionar problemas relacionados a danos por erosão costeira neste setor da praia são considerados ineficientes e danosos por pesquisadores brasileiros e internacionais. Além disso, cientistas da área afirmam que não há na Praia da Barra da Tijuca problema de erosão. Pelo contrário: a região é rica em sedimentos e areia.
"Tenho um grupo de pesquisa que trabalha nessas praias desde 1998, ninguém foi consultado. A Praia da Barra tem quantidade de areia absurda, uma das maiores do Brasil. Não existe problema de erosão costeira. O que existe são quiosques e calçadão que invadiram a areia. É óbvio que quando vier a ressaca, as ondas podem se chocar contra essas estruturas", afirma o professor da faculdade de oceanografia da UERJ Marcelo Sperle Dias. O oceanógrafo pontua que o grupo não tem nada contra as obras de reconstrução de calçadas e estruturas da orla, mas sim contra a intervenção nas areias.
O professor da Uerj avalia que diante da falta de problema de erosão na praia, a medida correta de adaptação ambiental seria a utilização de verbas para restaurar as estruturas eventualmente afetadas pelas ressacas . "O ser humano foi construindo em cima da praia, que ia além de onde estão os prédios. A gente tem que se conformar que as ressacas vão produzir alguns danos ao longo do tempo. Mas não podemos mexer na praia. Deixa ela quietinha. É um projeto de R$ 10,6 milhões que não houve estudo de impacto ambiental", critica Marcelo Sperle Dias.
A professora da UFRJ Flavia Moraes Lins de Barros conta que tentou, junto aos colegas, alertar o Poder Público para a necessidade de interrupção das obras. Flavia não obteve sucesso e até hoje não conseguiu uma reunião com representantes da prefeitura para explicar a gravidade da intervenção.
A professora do Laboratório de Geografia Física da UFF Thaís Baptista da Rocha corrobora que não há problema de erosão na região e acrescenta que a obra pode trazer danos ao sistema. "Quando tem um evento de ressaca, a praia erode momentaneamente, mas recupera com o tempo o mesmo estoque de areia que havia se deslocado. Na Barra, não há qualquer indício de erosão contínua. Chama muita atenção uma obra de engenharia rígida para um problema que não existe", ressalta.
A especialista da UFF acrescenta que a intervenção pode provocar o processo de erosão no médio e longo-prazo. "Pode afetar o processo de resiliência da praia. Essa recuperação natural da areia após as ressacas, que são comuns no litoral do Rio. Uma praia que não tinha processo de erosão claro pode passar a ter", alerta Thaís Baptista da Rocha.
O oceanógrafo da Uerj Marcelo Sperle Dias completa que a obra afeta a vida de microorganismos e animais que habitam as areias e a circulação de água entre o mar e o sistema lagunar da Barra.
Os especialistas afirmam no manifesto que a intervenção não encontra amparo com os mais atuais debates na ciência nacional e internacional sobre recuperação de praias. "Parece não ter sido respeitado o Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira, publicado em 2018 pelo Ministério do Meio Ambiente. Estes tipos de soluções, baseadas em obras rígidas, podem inclusive agravar a erosão, gerar danos ecológicos e causar a desvalorização da paisagem pela exumação de escombros de concreto que podem se quebrar e ficar expostos na areia da praia em momentos de ressaca. Do ponto de vista ecológico, existe importante impacto em toda endofauna que habita as areias da praia", diz um trecho do texto.
Estudos realizados ao longo dos últimos anos demonstram que as praias apresentam grande variabilidade de sua largura, com redução do estoque de areias durante eventos de ressaca do mar, mas recuperando-se ao longo de períodos que podem estender-se por dias a alguns meses.
Outros estudos apontam que o aumento da destruição de estruturas urbanas, como quiosques e calçadão, estão em muitos casos associados às intervenções humanas através de alterações das dunas e restingas que formam barreiras naturais de proteção da costa e que vêm sendo sistematicamente removidas, além de uma tendência de avanço da urbanização para dentro da área mais dinâmica das praias, que, em tese, deveria ficar livre de edificações.
Os cientistas chamam a atenção para a possibilidade do Rio de Janeiro se tornar um exemplo de boa gestão das questões relacionadas à erosão costeira, mas ponderam que a gestão precisa estar à frente dos debates atuais e não reproduzir soluções ultrapassadas e inadequadas.
O documento solicita, por fim, que a comunidade acadêmica seja informada e consultada antes da tomada de decisões que incidem sobre este importante ecossistema da cidade do Rio de Janeiro, garantindo o respeito à ciência e aos trâmites legais exigidos neste caso.
Em nota, a Secretaria de Infraestrutura do Rio afirma que os técnicos da Prefeitura do Rio contam com a consultoria do professor de oceanografia da Uerj David Zee. A pasta diz que a intervenção não traz prejuízos para a orla e nem para a paisagem. "Os colchões articulados de concreto, que são a base, estão abaixo do nível zero do mar. Além disso, há uma manta protetora - antisocavação - que é justamente para evitar a fuga de material, abaixo da estrutura, em caso de ressaca. A obra foi projetada com um plano de manutenção em níveis. Caso a ressaca atinja algum dos níveis demarcados, o plano será executado para recuperação do trecho atingido", afirma. O órgão acrescenta que o projeto prevê a recuperação da vegetação de restinga atingida pelas frequentes ressacas.
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