PAUTA ESPECIAL - O guia turístico Cosme, morador e guia no morro da Providência faz passeios turísticos pelo morro através do Rolé dos Favelados. Pedro Ivo/ Agência O Dia

Rio - O ano era 1997. Cosme Felippsen era apenas um garoto quando foi abordado por um casal de estrangeiros que queria passear pelos becos do Morro da Providência, na Região Central do Rio. Foi então que o cria da comunidade fez o seu primeiro guiamento. O pagamento foi um picolé. De lá pra cá ele viajou muito com a Igreja Metodista Centenária da Gamboa, estudou turismo e virou guia do Rolé dos Favelados, um passeio turístico sociocultural feito por um morador local que já levou mais de 10 mil pessoas para conhecerem os principais pontos turísticos da primeira favela do Brasil.
Com o crachá de guia sobre a blusa com a logo do projeto e um pandeiro na mão, Cosme conta que o brilho do Morro da Providência está nas histórias contadas pelas vielas do bairro. "Existem os favelas tours nas favelas como Vidigal, Rocinha e Santa Marta, mas o Rolé dos Favelados faz um contraponto. Primeiro que ele nasce de dentro pra fora. Eu sou um guia local. E o meu objetivo é mostrar o que realmente os moradores querem falar sobre a favela, seja lá o que for, e também quebrar alguns preconceitos em relação à ela", explicou.
Os passeios costumam ser divulgados na página do Providência Turismo. O ponto de encontro é na Central do Brasil, onde depois os participantes sobem o morro a pé e conhecem as principais localidades. Entre elas estão a Ladeira do Livramento, onde nasceu e viveu o escritor Machado de Assis, o Terreiro Ilé Àse Omi FunFun, que é considerado a mais antiga casa de candomblé em funcionamento da Zona Portuária, a Igreja Nossa Senhora da Penha, o Mirante do Cruzeiro e o Oratório do Morro da Providência.
A caminhada termina com um almoço numa parada quase obrigatória do morro, o Bar e Mirante da Jura, que foi premiado no 1º Festival Gastronômico e Cultural Sabores do Porto (2012).
"Trazer as pessoas para a favela é trazê-las para conhecer o que nós temos para apresentar, que não é só tiroteio e violência. A Favela produz cultura e resistência. Fazer turismo na favela com cuidado e sensibilidade é trazer a memória desse espaço e movimentar economicamente esse território", disse Cosme.
Quem gosta dos passeios é a Luciana Gomes, de 56 anos, que trabalha no Bar da Jura. Ela lembra que antes do Rolé dos Favelados, o comércio tinha pouca movimentação. "É muito bom, porque atrai muitos turistas para cá. Antes o movimento era bem fraco, mas com o Cosme melhorou muito, porque movimentou o ponto", conta Luciana.
Guia de formação e ativista por vocação, Cosme é muito querido na comunidade. Ele lutou para impedir a remoção de casas no Morro da Providência entre os anos de 2011 e 2013 e encena a situação para os visitantes durante os passeios. No meio do caminho entre os pontos turísticos, ele para em frente a um barraco velho com estrutura comprometida e simula um protesto contra funcionários da Secretaria de Habitação, além de tocar os sambas 'Barracão de Zinco', de Elizeth Cardoso, e 'Opinião', de Zé Keti.
"O rolé do Cosme é muito legal. Muitas pessoas vêm nos visitar. Tudo o que for para melhorar a comunidade é bom. Minha casa acabou ficando famosa, mas agora eu já me mudei para uma melhor", afirma Maria de Fátima Matias, de 70 anos, dona do barraco que será colocado abaixo.
Versátil, Cosme criou também um roteiro pelo Circuito Histórico de Herança Africana, na Região Portuária. A caminhada passa por pontos conhecidos como o Museu de Arte do Rio, Largo São Francisco da Prainha, Tramas do Porto, Pedra do Sal, Casa Omolokum, Mirante do Valongo, Jardim Suspenso do Valongo e Cais do Valongo. Foi neles que o guia levou Cauã Reymond e Leandra Leal. Os passeios custam de R$ 45 a R$ 190, dependendo do número de pessoas, e também podem ser feitos em inglês. Cada circuito tem duração de 2 horas e meia.
"O rolé foge e desobedece aos cursos de guia de turismo, porque o curso técnico diz que o guia tem que ser imparcial, não pode questionar, então o Rolé dos Favelas é um desobediência ao curso de guia de turismo. Não tem comprometimento algum em ficar calado porque eu acho que ninguém tem como ser imparcial. Só de não falar sobre tal coisa já está tomando um partido", explica o guia.
A professora de Geografia Grasi Felizardo e a família fizeram os dois passeios em 2022. Apaixonada pela história do Brasil, ela diz que sempre que viaja gosta de tirar pelo menos dois dias para conhecer a história do lugar. "Já fui ao Rio de Janeiro várias vezes. Cada vez ficamos hospedados em um bairro diferente. Eu conheci o Cosme pelo Instagram. Pesquisei sobre o seu trabalho e marquei o passeio. Foi maravilhoso! Tudo muito bem explicado. Eu marcaria novamente e já recomendei para várias pessoas", disse a moradora de Baependi, no sul de Minas Gerais.
Para o futuro, Cosme tem dois projetos. O primeiro é criar o Rolezinho, com o qual pretende levar crianças e adolescentes para passear e conhecer pontos famosos da cidade, principalmente os culturais. O outro é se tornar secretário de Turismo da capital fluminense para fazer com que o Rio ganhe mais turistas, inclusive nas comunidades e com guias locais. "O rolé tem a necessidade e a vontade de formar novos guias, focar nos jovens das favelas para que eles tenham mais uma opção de trabalho e renda. Nós queremos que ele se expanda e se aplique em outros territórios", afirma Cosme.