Coletivo lança abaixo-assinado para criação de uma instituição federal de ensino no Complexo do AlemãoDivulgação

Rio - Um coletivo formado por 20 organizações sociais do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, que criou o Plano de Ação Popular do CPX, retomou o debate sobre a possibilidade de implantação de um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), com ensino técnico e superior, na comunidade. Para viabilizar o centro educacional, o coletivo elaborou um abaixo-assinado que já bateu a meta de duas mil assinaturas, hoje são 2,5 mil, incluindo a da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.


Segundo o coordenador do Plano de Ação Popular do CPX, Alan Brum Pinheiro, a luta por um instituto federal na região começou em 2015, mas faltava um espaço físico que deveria ser cedido pela Prefeitura. "Essa pauta foi retomada, só que agora temos que recomeçar do zero. Precisamos de uma localidade e, com o abaixo-assinado, vamos pedir uma reunião com o prefeito, que irá solicitar ao governo federal e eles vão ver se liberam ou não recurso. Porque a lógica é essa".

Alan afirmou que o abaixo-assinado também poderá ajudar a articular uma conversa com o ministro da Educação, Camilo Santana. "Esse é o momento de firmar a possibilidade de um ensino técnico e superior desse porte federal em uma grande favela do Rio, como o Alemão. Ter uma estrutura dessa em um lugar estigmatizado como aqui, que sempre esteve em um processo de criminalização, vai ser ótimo para a cidade e para a sociedade como um todo. Não é algo só do Alemão. É uma demanda e uma necessidade do cidadão carioca".

Alguns espaços na região, como a antiga sede da rádio Tupi, perto da comunidade Nova Brasília, já foram cogitados e visitados pelos técnicos do IFRJ. "Nós trouxemos esses profissionais para olhar os terrenos no complexo. Alguns lugares não foram adequados porque para gente podem ser grandes, mas para os técnicos são pequenos. No entanto, dois espaços foram bem avaliados: um onde era a Tupi, o que seria perfeito porque é bem perto de uma escola municipal também, e outro onde era uma fábrica da Coca-Cola, que está vazia, perto da Central da Polícia Pacificadora (CPP)".

Morador do Alemão desde pequeno, Alan Brum disse que uma unidade de ensino superior por perto pode ajudar a criar alternativas à população da região. "A universidade tem vários sentidos, um deles é a sua própria atividade fim, que é a formação em diversos cursos, isso é importante para a juventude da favela. Segundo ponto é a possibilidade de ampliar conhecimento de diversas áreas sobre o território, sendo produzido conhecimento local. Esses dois pontos são fundamentais, mas também tem a importância que vem como desdobramento quando pensamos em políticas públicas para a favela".

O coordenador destacou ainda que a iniciativa seria importante para acabar também com o preconceito e criminalização da comunidade. "Geralmente só falamos de segurança, polícia e criminalização. O que a gente quer é ter um espaço físico que, além de tudo, traz educação e girar a economia também local. Uma instituição federal vai reconfigurar todas as políticas públicas voltadas ao território, além de requalifica-las. Eu acredito no ensino".

Atualmente com 17.456 alunos distribuídos em 15 campus pelo estado, o instituto federal além de ter ensino superior, conta também com o técnico que, de acordo com o reitor do IFRJ, Rafael Almada, é uma das principais alternativas para quem não pode fazer uma faculdade e precisa de um curso profissionalizante. "Eu apoio o movimento e reforço que eles não estão pedindo apenas uma faculdade, mas um instituto. Quantos jovens adultos conseguem entrar no ensino superior? Não são todos. Na nossa matrícula, 50% têm que ser curso técnico. Não estou falando para o cara que quer bacharelado que não vai ter opção para ele, mas também temos outras. Todo campus é construído a partir da vocação da região".

Segundo Rafael, caso seja aprovada a criação de um novo campus no Alemão, outro passo seria uma reunião com os moradores da comunidade para entender que tipo de curso se encaixaria na proposta. "Esse é o grande diferencial. Falar que é apenas uma faculdade, isso descaracteriza a educação básica, que é o ensino técnico integrado que defendemos. A gente forma um cidadão completo. A reitoria dá totalmente apoio para a criação desta unidade no Alemão e estamos à disposição".

O professor de matemática do IFRJ, Wesley dos Santos Machado, de 36 anos, soube do abaixo-assinado através do Instagram e mostrou-se favorável à implementação do novo campus. "Como eu sou servidor do conselho superior, eu me coloquei à disposição do pessoal, caso precisem de alguma ajuda na ideia. Achei muito interessante o tema porque a natureza do instituto federal vem dessa essência de se manter em expansão e levar ensino de qualidade a lugares que poder público não atua tanto. A gente tem campus na Baixada Fluminense, no interior do estado, na Região dos Lagos, ou seja, tentamos sempre estar presentes".

Segundo Wesley, ter o IFRJ no Complexo do Alemão pode gerar grande contribuições à sociedade. "Se observarem o mapa de onde tem os institutos, são regiões que não necessariamente são atendidas pelo poder público. Na capital, temos no Maracanã e em Realengo, naquele meio ali entre um e outro, poderia ter no Alemão. Um dos nossos objetivos é levar informação, tecnologia e ensino para toda a comunidade".

Para Marcos Antônio, presidente da Associação de Moradores do Grota, uma das comunidades que fazem parte do Complexo do Alemão, ter uma instituição educativa na região seria bom não só para os moradores, mas para todos que moram perto. "A minha filha também está participando desse abaixo-assinado. Acho que isso vai contribuir muito para a comunidade, nós temos que ter algo assim porque vai influenciar principalmente as crianças e jovens carentes, que não têm condição de pagar pelos estudos. Espero que esse sonho se realize e que encontrem um espaço adequado para esse campus. É bom também porque tira um pouco da imagem criminalizada do Complexo. Aqui só tem trabalhador, gente esforçada, crianças que gostam de estudar. Essa oportunidade pode até gerar emprego para a comunidade também".

A cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, Silvia Ramos, explicou que nas últimas décadas os estudos sobre as periferias do Brasil aumentaram em várias universidades e, neste momento, uma faculdade dentro de uma comunidade seria de vital importância. "Isso tudo tem uma importância simbólica mesmo. Uma instituição de estudos dentro do Complexo do Alemão é algo enorme. Claro que há faculdades em áreas rurais, na Baixada, como a própria UFRRJ e Uerj, mas especificamente dentro de uma favela não existe. Então, além de ser necessário, seria um marco mesmo".

Segundo Silvia, a ideia não é prover um espaço particular para moradores do Alemão estudarem, já que os alunos podem ir para outras faculdades, mas a iniciativa seria importante para a própria instituição. "Para mim, não é um problema de falta de oferta. Não é um problema do morador ter que sair e ir para outra universidade, mas ter uma dentro da comunidade é um fator histórico também. Vai precisar ter professor ligado ao tema das favelas, então vai ter que ser criado um círculo virtuoso de rompimento desses preconceitos, desses estereótipos tão negativos de que a favela não pode produzir coisas boas. Tem que ser uma faculdade sobre a periferia, na periferia e coordenada pela periferia".

Para o antropólogo e ex-secretário nacional de segurança pública, Luiz Eduardo Soares, há duas razões para defender a proposta e destacar a sua relevância. A primeira, seria pela provisão de serviço e de educação que o IFRJ daria. A segunda, é a revitalização e localização da universidade. "Substantivamente, uma instituição como essa tem contribuído de maneira muito significativa para o aperfeiçoamento cultural, pessoal, profissional e técnico da população. Os formados acabam contribuindo no desenvolvimento do mercado de trabalho também".

Luiz Eduardo destacou que a localização em si é muito expressiva e romperia barreiras. "Essa iniciativa contrabalança o estigma, o preconceito, o olhar negativo e destrutivo que tanta gente tem da imagem da favela. É como se a presença desse instituto nesse território valorizasse e demonstrasse que há ali uma parte da sociedade carioca sendo atendida. A comunidade é um espaço da cidade, é um bairro como outro qualquer e merece um tratamento equivalente às demais áreas, portanto, deve ser reconhecida como um local de cidadania, direitos e coletividade".

Nas últimas semanas, a primeira-dama Janja e a ministra Anielle Franco visitaram o Complexo do Alemão e conversaram com lideranças sociais em um uma roda para cerca de 50 mulheres na comunidade. Uma das pautas abordadas foi a universidade no Complexo do Alemão, projeto que já fora debatido em 2015. Ambas deram apoio e assinaram o abaixo-assinado.

"É importante a gente pautar a educação sempre. Acreditamos que o ensino de base deve ser fortalecido. Saímos de um projeto político no qual a educação estava vivendo um desmantelamento com a falta de investimento de políticas públicas, cortes de verbas, bolsas e tudo mais", disse Anielle. "Então, levar a educação para lugares como o Alemão, onde a população mais precisa, onde as pessoas historicamente estão pautadas por um desserviço e falta de políticas públicas adequadas, ter uma instituição federal lá seria um sonho. Seria gratificante, potente e iria impulsionar vidas negras e faveladas no Rio. Seria um ganho imensurável na educação para toda a cidade, principalmente para o Complexo do Alemão".

O abaixo-assinado

De acordo com Alan Brum, a luta para ter uma unidade do IFRJ no Complexo do Alemão começou em 2014, quando um aval do governo federal com aporte de R$ 8,5 milhões contemplaria a Fase III da expansão dos Institutos Federais. Mesmo com a sinalização de um possível local para a construção do prédio naquela época, os esforços não avançaram.

O coletivo, formado por 20 organizações sociais locais que construíram o Plano de Ação Popular do CPX, fomentado pelo Instituto Raízes em Movimento, no qual Alan Brum é um dos fundadores, estabeleceu um compromisso entre as partes em se articular e mobilizar em prol da nova unidade.

De acordo com as organizações, com a criação do núcleo do IFRJ, haveria uma mudança social e na forma de atuação do estado nessa área. "Os efeitos pedagógicos poderão vir através da circulação de professores e alunos, para além dos policiais, por suas ruas, praças e becos; da produção de cursos de extensão e oficinas; e de toda a integração entre a comunidade escolar/acadêmica a ser criada e a comunidade do Complexo do Alemão.", disse parte do comunicado do abaixo-assinado.

IFRJ apoia

Segundo o reitor Rafael Almada, em 2014 a ex-presidente Dilma Russeff já havia anunciado um instituto federal no Complexo do Alemão e na Cidade de Deus. "Eu era pró-reitor de extensão e, junto com a minha equipe, fomos os maiores defensores de um núcleo lá. Mas, a outra gestão não deu continuidade ao projeto e a gente retornou a discussão já na minha gestão como reitor, que começou em 2018, mas o Ministério da Educação ainda não tinha feito um movimento para abrir um IFRJ nesses lugares".

Rafael ressaltou que é totalmente favorável ao movimento e entende que o governo precisa dar um olhar com maior atenção para a pauta de inclusão na cidade do Rio. "Precisamos dessas regiões, seja no Alemão ou na Cidade de Deus, para expandir ainda mais a educação. Estamos à disposição porque a criação de novas unidades é ato do governo federal e não do retiro, então dependemos da mobilização da sociedade e do ministério".