André Rongo no painel pintado em São Conrado. Esculturas em alto relevo foram retiradas pela prefeituraPedro Ivo/ Agência O Dia

Rio - A remoção por parte da prefeitura de esculturas que compunham uma pintura na Praia de São Conrado, na Zona Sul do Rio, levanta questões sobre a segurança jurídica para a realização da arte do grafite em espaços públicos da cidade. Isso porque a técnica utilizada pelo artista André Rongo, de 43 anos, é nova, e mescla peças em alto relevo, feitas com reaproveitamento de lixo, à tradicional pintura de spray. O trabalho está sendo realizado como parte do projeto 'Rio em Todas as Cores', que foi aprovado pelo município via Lei do ISS.
O painel tem o tema 'Praia limpa por gentileza' e está sendo feito na mureta do calçadão, voltada para o mar. A inauguração será na próxima segunda-feira (27), Dia Mundial do Grafite, data incorporada ao calendário oficial da cidade. Porém, as esculturas que seriam o diferencial do projeto não estarão presentes na arte.
Segundo pessoas que trabalham na região, as peças foram retiradas da mureta por agentes da Secretaria de Ordem Pública (Seop), no fim da noite do domingo passado (19).
"Parece que eles esperaram o artista ir embora e foram lá e arrancaram tudo, no ódio mesmo. Todos ficaram revoltados, estava todo mundo gostando. O muro estava degradado, feio mesmo", disse um homem, que preferiu não se identificar.
As esculturas removidas representavam três peixes e uma baleia, feitas a partir de materiais recolhidos da areia e das ruas, como plástico PVC, garrafas pet, teclado e mouse de computador, disco de vinil e tampinhas. Os objetos estavam presos a grampos instalados na mureta, alguns amarrados com canudos.
"Utilizo essa técnica, que chamo de Grafite Sustentabilismo, para impactar as pessoas. Uma vez uma baleia morreu na Itália com 20 quilos de lixo no estômago. Os peixes também morrem aos montes dessa forma. Quando reaproveito o lixo para representar esses animais, o meu objetivo é chamar a atenção das pessoas para esse problema ambiental. Sendo na praia, o impacto ainda é maior", diz André Rongo, criador do Museu do Graffiti, na Pavuna.
Para ele, a remoção das peças não poderia ter sido feita de forma arbitrária:
"Penso que eles não tinham esse direito. Não houve notificação, não vieram falar comigo. Cada trabalho que a gente faz é único, é como se fosse um filho. Quis passar o sentimento de cuidar, de zelar pelo meio ambiente a partir da transformação do lixo em arte. Só que eles não procuraram entender do que se tratava, simplesmente retiraram à força".
O artista ainda chama atenção para o fato de que a técnica empregada, que chama de 'Graffiti Sustentabilismo', ter sido reconhecida pela Autoridade de Desenvolvimento Sustentável, órgão do governo estadual, que expediu documento ao Museu do Graffiti - Rongo-RJ.
"Temos a satisfação de informar que após análise técnica desempenhada pelo Comitê Rio 2030, confirmamos a qualificação da iniciativa Graffiti Sustentabilismo para adesão ao Calendário Rio 2030, com enfoque no ODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU", diz o texto assinado por Paulo Manoel Protásio, diretor executivo do órgão.
Resposta da prefeitura
Segundo a Seop, a ação precisaria de autorização prévia para ter sido realizada. O órgão usou como base o artigo 65 da Lei federal 9.605, de 1998, que ganhou nova redação em 2011 para descriminalizar a arte do grafite. A resposta enviada ao DIA destacou um trecho que diz ser necessária autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais no caso da realização de grafite em bens públicos.
No entanto, o órgão ignorou o Decreto municipal nº 38.307, de 2014, que dá autorização para a prática do grafite e da street art (arte de rua, em inglês) em 'postes, colunas, muros cinzas (desde que não considerados patrimônio histórico), paredes cegas (sem portas, janelas ou outra abertura), pistas de skate e tapumes de obras'.
Questionada novamente, a Seop respondeu que 'o material ocupava a rampa de acesso e que poderia cair e, eventualmente, causar algum acidente com um pedestre'.
Insegurança jurídica
Para o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Constitucional, o decreto da prefeitura deveria ser revisto ou atualizado diante da nova técnica.
"A prefeitura diz que não tem autorização, nem cumpre as posturas, mas o próprio decreto autoriza o uso de alguns espaços públicos e não traz a obrigação de pedir autorização. No meu entendimento, não dá não dá para ter um decreto autorizando genericamente e depois a prefeitura dizer que tem que cumprir a Lei federal. Neste caso, o decreto, então, precisa ser atualizado ou revisto", disse.
O produtor Marcus Santos, responsável pelo 'Rio em Todas as Cores' tem o mesmo entendimento: "O Rongo está avançando na técnica do grafite. Sendo assim, a legislação também precisa avançar. Não podemos ficar nessa insegurança jurídica".
O projeto ainda contempla a realização de grafite na mureta da Praia do Arpoador e nas comunidades da Rocinha e Cruzada São Sebastião. Porém, Marcus diz que preferem aguardar novos desdobramentos para decidirem se utilizarão a técnica do 'Grafitti Sustentabilismo'.