Brito fotografou momentos históricos do governo brasileiro durante da ditadura militarOrlando Brito

Rio - O dia de 31 de março, data que deu início ao período de ditadura militar no Brasil em 1964, continua sendo motivo de comemoração para clubes ligados às Forças Armadas no Rio de Janeiro. O Clube Militar marcou para esta sexta-feira (31) um almoço comemorativo sobre o evento na Sede Esportiva Lagoa, no Jardim Botânico, na Zona Sul da cidade. Especialista critica a data como motivo de comemoração.
Na descrição do evento, o clube mencionou que a data comemora os 59 anos do "Movimento Democrático de 1964". Um artigo da Comissão Interclubes Militares, divulgado nesta sexta-feira (31), indica que o movimento não possui um caráter político, mas histórico. 
"A Contrarrevolução de 31 de Março de 1964 pertence à História e não à política. Ela contou com amplo apoio dos diversos segmentos da sociedade e promoveu grandes reformas nos campos político, econômico, psicossocial e militar, que modernizaram o país, dando-lhe relevância internacional e consistência institucional. Os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica não poderiam deixar de estar alinhados com as Forças Armadas, às quais se vinculam por compromissos e ideais, para que o 31 de Março de 1964 permaneça vivo na História, somente onde seu legado de pacificação e desenvolvimento do Brasil possa ser compreendido", diz o texto.
Segundo o documento, as entidades continuarão a propagar as mesmas ideias da época, que, de acordo com os clubes, prezava pela defesa da soberania nacional, combate à corrupção, desenvolvimento do país e garantia da democracia.
"E como tal, sendo entidades representativas de uma classe profissional que simplesmente não pode existir alheada da Pátria, continuarão a propugnar pelas importantes causas do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964, comuns a todos os brasileiros: defesa da soberania nacional, combate à corrupção, desenvolvimento do país e garantia da democracia", finaliza a comissão.
O artigo foi assinado pelo General de Brigada, Sérgio Tavares Carneiro, presidente do Clube Militar; pelo Almirante de Esquadra, Luiz Fernando Palmer Fonseca, presidente do Clube Naval; e pelo Major Brigadeiro do Ar, Marco Antônio Carballo Perez, presidente do Clube de Aeronáutica.
O dia na história
O dia 31 de março de 1964, que completa 59 anos nesta sexta-feira (31), ficou marcado pela retirada do então presidente João Goulart do poder nacional. Dias depois, foi anunciado o Ato Institucional nº 1 (AI-1), criado por militares, que realizou mudanças significativas na modificação no Legislativo Brasileiro. 
O AI-1 dizia que o governo militar poderia cassar mandatos legislativos, suspender os direitos políticos ou afastar do serviço público a pessoa que pudesse ameaçar a segurança nacional. O Ato também convocou eleições indiretas para o governo, que resultou na eleição do general Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro presidente do período de domínio militar que durou até 1985.
O período de 21 anos de ditadura foi marcado por perseguição, tortura e assassinatos de opositores ao governo militar. Não houve voto direto nesse período para presidente, o que culminou em uma paralisação da democracia. O Congresso Nacional foi fechado e a imprensa foi fortemente censurada.
Ao DIA, a professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Janaína Martins Cordeiro, o dia 31 de março de 1964 marca a data de um golpe de Estado no Brasil. Segundo ela, o discurso de "revolução democrática" propagado por militares não condiz com o que realmente foi feito na época.
"Não podemos naturalizar o discurso de alguns segmentos militares - e também da sociedade civil - que insistem em chamar o golpe de "revolução democrática". Trata-se de uma forma de negação da história. Penso que para o Brasil de hoje, o 31 de março deve ser um dia de reflexão sobre o valor da democracia, sobre o que pode acontecer a um país quando a democracia é relativizada e derrotada pela violência. O dia do golpe que derrubou um presidente democraticamente eleito, suspendeu direitos, prendeu, perseguiu, torturou, exilou, desapareceu e matou opositores deve ser lembrado em honra das vítimas da ditadura e também tendo em vista o imperativo do Nunca Mais", disse a professora.
Janaína ainda completou que a parcela da população que comemora a data é pequena. Para a professora, a celebração diz sobre o processo de transição para a democracia, que aconteceu sem políticas voltadas para os direitos humanos.
"A pergunta sobre as razões de a data ser comemorada é muito interessante e complexa. Ela diz muito sobre o nosso processo de transição para a democracia, no qual imperou a conciliação e uma vontade generalizada de não se falar mais sobre o passado, além da ausência de políticas de longo prazo de educação para os direitos humanos. A consequência - bastante problemática - desse processo é que favoreceu que, em determinados nichos, sobretudo militares, mas não apenas, a data continuasse sendo comemorada. Mas, é preciso dizer também que são minoritários os grupos que a comemoraram", explicou.
Nível Nacional
Ao contrário dos clubes militares do Rio de Janeiro, as Forças Armadas não emitiram uma mensagem comemorativa ao dia 31 de março neste ano. A falta de uma comemoração acontece depois de quatro anos de posicionamento sobre o tema vindo do governo de Jair Bolsonaro (PL), que também era militar.
Durante a gestão do ex-presidente, entre 2019 e 2022, os textos falando sobre a data eram divulgados pelo Ministério da Defesa e possuíam orientação para serem lidos nos quartéis das Forças Armadas. O conteúdo dos textos era considerado positivo ao período que deu início à ditadura militar que aconteceu entre 1964 e 1985. 
As mensagens recebiam assinatura do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Neste ano, a prática foi interrompida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas redes sociais das Forças Armadas não há nenhuma menção à data.