Corpo de Felipe Santos de Souza, de 25 anos, é enterro no Cemitério Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio, na tarde deste domingo (23)Reginaldo Pimenta/ Agência O Dia

Rio - Muito abalados com a perda de Felipe Santos de Souza, 25, jovem morto a tiros por policiais militares na Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio, familiares e amigos pediam a todo tempo por justiça durante o enterro do rapaz. Felipe, também conhecido como Gaguinho, foi sepultado na tarde deste domingo (23), no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte. 
Um ônibus foi alugado para levar moradores, entre eles muitas crianças e adolescentes, para o enterro do jovem. Durante o cortejo, amigos usaram blusas personalizadas com o rosto de Felipe, levaram faixas e soltaram fogos e balões para homenageá-lo. Cantos de louvores também entoaram o momento de muita emoção e tristeza.
Chorando bastante, a tia do rapaz se desesperou ao lembrar da cena do crime: "Ele tomou tiro pelas costas! Sentou, sem saber que tinha sido atingido, e quando levantou a camisa já tinha acontecido. É um trabalhador que foi alvejado pelas costas. Ele não era vagabundo. Foram oito tiros de fuzil, foi gravado, está gravado!", desabafou uma tia de Felipe. 
O clima durante o enterro era de indignação com a postura dos policiais militares e também com as tentativas de incriminar o rapaz. Revoltado com a ação policial que levou à morte do primo, Lorran Ferreira da Silva afirmou que os agentes estavam despreparados. "Perdemos um irmão por uma incompetência de um policial militar que desceu totalmente despreparado. Queremos justiça. A família quer uma resposta do governo, queremos um pronunciamento. Que ele [Felipe] não entre em uma estatística".
Lorran também questionou a suposta faca que, segundo os PMs na ocorrência, estaria sob a posse de Felipe no momento da abordagem, além de um canivete que teria sido encontrado por uma enfermeira do Hospital Estadual Carlos Chagas no bolso do rapaz. "A gente quer questionar o que a enfermeira disse sobre ele estar com um canivete no bolso. Ele não estava com canivete nenhum. Quem é essa enfermeira? A faca que o policial encontrou estava atrás de uma churrasqueira onde minha mãe estava descascando legumes. Na hora do tiro ela correu para trás do bar, largando a faca lá", justificou. O primo acredita ainda que o PM que fez os disparos estava alterado. 
Os vizinhos de Felipe também questionaram a conduta dos policiais. João Carlos Vitorino citou o racismo como fator decisivo para a morte dele. "O preconceito vindo da cor da pele, o policial era negro e aplicou um tiro nas costas de um rapaz que também era negro. Eu até então não acreditava no preconceito racial, mas vimos perto da gente isso acontecer. Se fossemos bandido não estaríamos reunidos para fazer o velório dele. Lá é um lugar que não oferece risco a ninguém. Nós vamos correr atrás de justiça. Foi mais uma vida tirada, não pode ficar impune. A comunidade está respondendo por ele", afirmou João Carlos.
Uma outra vizinha de Felipe, identificada como Bruna Oliveira, diz que a revolta da comunidade também se deu diante de atitudes debochadas de policiais no dia seguinte ao ocorrido. "Isso nunca tinha acontecido lá. Antes os PMs passavam e a gente agradecia. A manifestação aconteceu porque os policiais estavam debochando da situação. A mãe dele está destroçada porque perdeu um filho trabalhador. Tem câmeras, não adianta falar que era bandido. O mínimo é que esse policial perca a farda dele. A comunidade pede por justiça".
Felipe também foi lembrado por familiares, vizinhos e amigos como sendo um rapaz trabalhador, sonhador e de boa índole. O primo Lorran diz que ele não tinha envolvimento com o crime e sonhava em comprar uma casa. "Ele trabalhava com reciclagem, queria ajeitar a casa dele, um moleque que respeitava todo mundo. Hoje veio um ônibus cheio de crianças para se despedir dele, sabe. Infelizmente esse sonho foi interrompido", desabafou.
O patrão de Felipe, Guilherme Ventura, disse que o funcionário sempre foi companheiro, brincalhão e nunca se envolveu com o crime. "Um amigo mesmo, sempre participou de comemorações na nossa casa, não sei porque teve esse tipo de tratamento com ele. Estou triste pela situação, muita covardia o que aconteceu. No dia a dia ele era super competente, um dos mais trabalhadores, esforçado. Estava com a gente há uns três anos e meio já, um dos mais antigos", lamentou o empresário.
Problemas no enterro
Além da dor e revolta pela forma como se deu a morte de Felipe, a família também encontrou problemas para sepultar o corpo dele. O enterro, que estava previsto para começar às 14h, teve atraso de quase uma hora por conta do caixão que era pequeno demais para caber o corpo de Felipe. 
Família fala sobre briga que motivou a chegada da PM
De acordo com o irmão da vítima, Robson Almeida, há três semanas um grupo de amigos estava reunido, como de costume, quando uma discussão por conta do dinheiro para as bebidas começou. Alterado, um dos rapazes, identificado apenas como Vitinho, teria agredido Felipe. Na semana seguinte, ele voltou ao local, mas parentes impediram que o jovem saísse de casa, para evitar que uma nova briga acontecesse.
Entretanto, na quinta-feira (20), eles voltaram a se encontrar quando Felipe estava com amigos e uma confusão começou, mas foi apartada por um outra pessoa, que mandou que Vitinho se afastasse porque não queria brigas no local. Ao ir embora, o homem encontrou uma viatura da Polícia Militar e disse que Felipe estava armado.
"É todo mundo conhecido, a briga deles foi por causa de bebida, não foi nada de desafeto. Foi por motivo bobo, final de semana fica todo mundo bebendo e cada um bota um dinheirinho para todo mundo beber igual. Sempre tem uma discussão boba de amigos, só que o outro estava alterado, já tinha bebido na quinta-feira e falou que meu irmão estava armado (...) Ele não estava armado, as filmagens mostram tudo, quando a polícia foi abordar ele pela segunda vez, deu para ver que não estava armado", relatou Robson.
Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver Felipe sentado em uma escada e levantando a camisa, após a ordem de um policial. As imagens mostram ainda quando o militar recolhe uma faca do chão, momento em que as testemunhas tentam explicar que o jovem é morador e que o objeto pertencia a outra pessoa. Confira abaixo.
O que diz a PM e a Civil
De acordo com a corporação, uma equipe do 18º BPM (Jacarepaguá) foi acionada "para intervir em uma luta corporal" entre dois homens na Rua Quiririm, na Vila Valqueire, no noite de quinta-feira (20). Ao chegar no local, a equipe disse que Felipe teria feito menção em puxar uma arma e os agentes dispararam. Na ocorrência, os policiais afirmaram que o jovem carregava um facão.
O caso foi registrado na 28ª DP (Praça Seca) e encaminhado à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). A Corregedoria Geral da PM disse que instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias do fato e colabora integralmente com as investigações da Polícia Civil.
A reportagem questionou a Polícia Civil sobre o andamento das investigações e se a enfermeira que afirma ter encontrado um canivete no bolso de Felipe será ouvida na especializada, mas até o momento não teve retorno.
Colaborou o fotógrafo Reginaldo Pimenta