Após 20 anos da chacina do Borel, a violência nas comunidades continua sendo motivo de luta de familiares das vítimasReprodução/Redes Sociais

Rio - A Câmara Municipal do Rio, promoveu, na manhã desta sexta-feira (28), um ato em memória das vítimas da chacina do Morro do Borel, ocorrida em 2003. A atividade reuniu mais de 40 pessoas de diversos movimentos de familiares de vítimas e mostrou os avanços e retrocessos nesses 20 anos. A vereadora Monica Cunha (Psol) se emocionou ao abrir o evento.

"Essa é a casa do povo. Este ato hoje é para mostrar porque eu estou aqui. Hoje estou enquanto vereadora, mas nunca vou deixar uma familiar, uma mãe de vítima que também perdeu seu filho, assassinado por policiais. Esse Estado tem total responsabilidade pela dor que nós, familiares, sentimos", afirmou a vereadora.

Após 20 anos da chacina do Borel, a violência nas comunidades continua sendo motivo de luta de familiares das vítimas. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), apontam que as polícias do estado do Rio de Janeiro mataram 768 no primeiro bimestre de 2023, 405 em fevereiro. No comparativo com os primeiros dois meses de 2022, o delito registrou aumento de 6% no acumulado e de 12% no mensal, em sua maioria, em comunidades.
A idealizadora do movimento "Posso me Identificar?", Maria Dalva, que perdeu seu filho Thiago assassinado na chacina do Borel, explicou que apesar de tantos avanços nos movimentos de direitos humanos, a estrutura da polícia militar permanece a mesma.

"O Ministério Público tem que fazer o controle da polícia, porque na favela a polícia mata quem ela quer na hora que ela quer. Enquanto as pessoas da favela forem tachadas como vagabundas e bandidos, a nossa luta por justiça não vai avançar. Precisamos nos sentir seguros e a polícia não faz isso por nós" desabafa Dalva.
O nome do movimento 'Posso me Identificar?' nasceu da trágica morte dos jovens do Borel. A partir da luta dos movimentos dos familiares e da pressão da comunidade, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro instalou o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, que ficou responsável de atender e defender não só as vítimas do Estado como os seus familiares.

"Foi muito importante a atuação desses familiares. A partir disso foi criado um departamento específico para representar na Justiça essas vítimas que querem ter voz também. Hoje há alguns avanços, inclusive, a ação no STF que limitou as operações da polícia nas favelas durante a pandemia no RJ para não gerar vítimas inocentes partiu desse movimento", afirmou o defensor público Leonardo Rosa Melo da Cunha que atuou na fundação do NUDEDH.

Participaram da mesa também: Claudia Santiago do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), Patrícia Oliveira da Rede Contra a Violência, a Monica Francisco, ex-deputada estadual e liderança do Borel, Victoria Grabois do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, o Maurício Campos, o delegado da Polícia Civil responsável pelo inquérito policial da chacina do Borel, Orlando Zaconne e o procurador de Justiça e ex-Subprocurador de Direitos Humanos do MP, Leonardo Chaves.
Relembre o caso
Em 16 de abril de 2003, quatro jovens foram executados à queima roupa por policiais do 6º Batalhão da Polícia Militar no Morro do Borel, Tijuca, Zona Norte do Rio.
Naquela tarde, Thiago da Costa Correia da Silva foi encontrar Carlos Magno de Oliveira Nascimento, amigo de infância, na barbearia que ficava na Estrada da Independência, uma das principais vias da localidade. Quando Magno e Thiago saíram do barbeiro, escutaram tiros e correram. Carlos Alberto da Silva Ferreira, que tinha acabado de chegar na barbearia, também correu. Os três atravessaram a via e entraram em uma vila bem em frente à Vila da Preguiça e foram alvejados. O taxista Everson Gonçalves Silote também morreu na ação.
Os policiais alegaram legítima defesa e o caso foi registrado inicialmente como 'auto de resistência'. Testemunhas, familiares das vítimas, e evidências indicavam que se tratavam de execuções extrajudiciais. As investigações concluíram que os quatro jovens foram executados, que os policiais não agiram em legítima defesa e identificou os policiais responsáveis. A chacina do Borel ganhou repercussão internacional.