Empresa japonesa Mitsui, principal acionista da Gumi Brasil Participações – que controla a SuperVia –, formalizou a desistência na concessão do sistema de trens no EstadoReginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Rio - A crise nos transportes do Rio ganhou mais um capítulo. Na última quarta-feira (26), a empresa japonesa Mitsui, principal acionista da Gumi Brasil Participações – que controla a SuperVia –, formalizou a desistência na concessão do sistema de trens no Estado. Com diversas reclamações de usuários por atrasos e falta de infraestrutura, a avaliação do grupo japonês é de que as contas não fecham, apesar de possuir uma das maiores tarifas do país – R$ 7,40. Com o futuro incerto sobre a operação da malha ferroviária fluminense, O DIA procurou especialistas na área, que divergiram sobre o caminho a ser seguido pelo governo.
Para o engenheiro e coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana do Rio, Lícinio Machado Rogério, a mudança caracteriza uma oportunidade de mudar o padrão da malha ferroviária fluminense. "Essa é uma excelente oportunidade que a SuperVia nos deu, agora podemos fazer uma mudança do paradigma, que implica na responsabilização do pagamento do serviço por todos nós. O transporte é um direito social e necessário para todos, então, o Estado deve ficar com o caixa e contratar empresas para fazer a manutenção do dia a dia", pontuou o especialista.
Na visão de Licínio, colocar outra empresa para assumir a concessão é insistir em um sistema falido. "Em todos os lugares do mundo o transporte é deficitário, um serviço caro, o único jeito é o Estado assumir a conta. Caso uma nova empresa assuma a concessão, até pode ter uma melhoria transitória, mas o sistema não funciona, ele está quebrado. O Estado tem que assumir o controle da operação e as empresas receberem apenas pelo serviço prestado, não mais pela catraca", reafirmou. 
Já o Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, disse que o Governo do Rio não tem capacidade para assumir a operação. "A devolução da concessão é preocupante e vai atingir um sistema importante de transporte do Rio. Era esperada, a SuperVia não estava fazendo os investimentos necessários e não consegue sustentar a empresa cobrindo os custos, ainda mais depois da perda de passageiros durante a pandemia, que passou de 700 mil passageiros para cerca de 300 mil, e não há um subsídio do Estado para compensar isso. O Governo não tem condições de operar o sistema, não tem como assumir a SuperVia, que é muito técnica, não tem pessoal qualificado para isso e muito menos tempo hábil. A solução é negociar essa saída com um período de transição importante", avaliou.
Claudio de Senna Frederico, vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), reafirmou a necessidade de um investimento público. "A Mitsui não teve apoio, e a decisão de interromper a concessão foi a cartada final. Eles tiveram que operar um sistema ferroviário com o mesmo número de São Paulo, que vive de dinheiro público, não é rentável. Seja por concessão ou não, têm que ter investimento do poder público, melhorar a atratividade do trem para receber mais passageiros. Tem que ter um sistema integrado com outros transportes públicos, sendo o trem o principal com viagens maiores".
"O sistema é muito mais importante que a concessão, o Rio partiu de um sistema do tamanho de São Paulo, que recebe cerca de dois milhões de pessoas por dia. Seria muito mais significativo se funcionasse, fosse bom, bem integrado, mas não está, pelo contrário, está morrendo a míngua. A malha ferroviária deveria ter sido o principal investimento do Rio, mais importante até que o Metrô, uma vez que atende o subúrbio e diversos outros municípios. Em relação à uma futura concessão, o Estado tem que pagar o necessário para operar, o passageiro não vai pagar. O novo contrato de operação precisa trazer de volta os passageiros, tem que ter vontade política, recurso e persistência. É necessário um investimento maciço nos próximos 20 anos para aproveitar e funcionar", avaliou Senna.
Passageiros mostram expectativa com mudança
Para o gestor de logística Douglas Mendonça, de 35 anos, a mudança positiva pode ser positiva para os usuários dos trens. "Esse processo é muito delicado, mas eu vejo como uma boa oportunidade. É o momento do Estado firmar um contrato com uma nova concessionária que possa atender os interesses dos usuários em primeiro lugar, com toda qualidade que tem obrigação de entregar, que atenda a necessidade dos passageiros. Atualmente, o transporte é totalmente sucateado, até tivemos investimentos como a compra de novas composições e melhorias em todo o sistema de sinalização eletrônica, mas ainda tem muito a melhorar".
"Um novo contrato tem que visar tudo isso, a concessionária que vai assumir tem que estar ciente dos furtos de cabos, das invasões às linhas férreas, as construções irregulares, tráficos de drogas, e tudo isso que envolve o meio ferroviário. Tem que estar muito. Acredito em uma melhora, pode melhorar, sim, a vida dos usuários", completou.
Fernanda Neves, 30, é estagiária e usa a SuperVia para se locomover, diariamente, até o trabalho. Ela comentou sobre as promessas feitas e não realizadas pela atual concessionária. "Passageiros do ramal Saracuruna sofrem diariamente com a espera do trem no Gramacho, inclusive com intervalos de 1h de espera, como aconteceu semana passada. Houve a promessa de duplicação do trecho, que jamais ocorreu. Há anos pedimos o fim da baldeação e a volta das viagens diretas porque não aguentamos mais", disse a estudante.
Já Simone, que mora em Saracuruna e trabalha como auxiliar administrativa na Zona Sul do Rio, reclama do preço cobrado e o serviço entregue. "Os trens estão sucateados, com atrasos, sem um bom serviço. Os trabalhadores passam horas nas composições lotadas, parando toda hora, quando não dá problema e é necessário trocar de trem. A viagem é mais cansativa do que nosso próprio trabalho. Um serviço péssimo para uma passagem cara. Nós preferimos o trem aos ônibus, mas se tivesse um bom serviço, seria muito melhor. É um absurdo pagar R$ 7,40 por um péssimo serviço, enquanto o metrô, com a tarifa social a R$ 5, dá um serviço melhor de locomoção". 
Saída da SuperVia pode deixar passageiros sem transporte
Ainda de acordo com Marcus Quintella, apesar de remoto, a mudança na concessão pode afetar a rotina dos passageiros. "A transição tem que ser bem negociada, uma modelagem atraente para possíveis candidatos, onde tenha investimento conjunto de poder público com a iniciativa privada, e o subsídio da tarifa. É preciso ter agilidade para montar um novo edital, com uma nova modelagem, para licitar e tornar atrativa a SuperVia. Caso seja feito um trabalho demorado e que não atraia empresas, pode haver a possibilidade de interrupção do sistema".
Para o diretor da FGV Transportes, a segurança nas estações e composições é de caráter do Estado: "O sistema todo precisa ser modernizado, principalmente na vedação das faixas de domínio para evitar invasão, obras para tornar os cabos subterrâneos e evitar roubos que causam interrupções e atrasos. São vários investimentos importantes que a nova concessionária precisa fazer e talvez não dê conta, o Governo tem que ajudar. E, também, tem a questão da segurança pública, é necessário uma ação de proteção desse patrimônio público. A concessionária não tem poder de polícia".
Deputados pedem intervenção 
Após a repercussão da desistência na concessão, o presidente da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa, deputado Dionísio Lins (Progressista), deu entrada em uma indicação legislativa pedindo a criação de um grupo de intervenção e transição composto por representantes dos poderes Executivo, Legislativo, e da Secretaria de Transportes, Agência Reguladora e de órgãos de defesa do consumidor.
Ao DIA, a deputada Lucinha (PSD), que presidiu a CPI dos Trens na Alerj em 2022, afirmou que o colapso da SuperVia foi apontado no relatório final da Comissão. "São inúmeros problemas operacionais, trens atrasados, interrupções, tráfico de drogas nas estações, trilhos em péssimas condições, construções irregulares, e quem paga o preço são os passageiros. Em outubro do ano passado, foram repassados R$ 250 milhões do dinheiro público e nada mudou. Fiz uma solicitação para saber com o que foi gasto esse dinheiro, precisamos saber para onde esse dinheiro foi. A partir de agora, vamos reunir parlamentares e criar um grupo de intervenção e transição para acompanhar todo o desenrolar".
A SuperVia
A SuperVia tem a concessão da operação da malha ferroviária desde novembro de 1998, mas a Mitsui está à frente desde 2019. O sistema ferroviário do Rio tem 270km de extensão e atende 12 cidades da Região Metropolitana, transportando cerca de 350 mil passageiros. Ao todo, o sistema conta com 104 estações e cinco ramais nos quais operam 201 trens.

A Supervia Concessionária de Transportes Ferroviários S./A assumiu a operação dos trens urbanos de passageiros em novembro de 1998, numa malha ferroviária que ligava 11 municípios da Região Metropolitana do Rio, pelo prazo de 25 anos. Em julho daquele ano, o consórcio comprou o direito de assumir a Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrens).