ONG Gastromotiva abre vagas para cursos gratuitos com foco em gastronomia e empreendedorismo
Organização sem fins lucrativos utiliza o alimento como ferramenta de transformação social e já formou mais de 7 mil alunos na área de gastronomia
Formatura da 1 ª turma de Formação Básica em Cozinha, pós pandemia, em Petrópolis, na região serrana, em dezembro de 2022 - Julio Oliveira / Gastromotiva
Formatura da 1 ª turma de Formação Básica em Cozinha, pós pandemia, em Petrópolis, na região serrana, em dezembro de 2022Julio Oliveira / Gastromotiva
Rio - A Gastromotiva, organização sem fins lucrativos que utiliza o alimento como ferramenta de transformação social com sede na Lapa, Região Central, está com vagas abertas para os cursos gratuitos 'Empreenda, Faça e Venda', 'Juntas na Mesa e nos Negócios' e 'Formação em Cozinha Social', voltados para pessoas com baixa renda que querem trabalhar com gastronomia.
São mil vagas disponíveis para o curso Juntas na Mesa e nos Negócios, 15 vagas para o Empreenda, Faça e Venda e 30 para participar do Formação em Cozinha Social. As inscrições devem ser feitas pelo site https://gastromotiva.org/.
O curso Empreenda, Faça e Venda é ministrado pela ONG em parceria com o Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), na modalidade semipresencial. As aulas ocorrem de forma alternada entre a unidade da faculdade em Bonsucesso, na Zona Norte, e a sede da Gastromotiva. As aulas remotas são transmitidas ao vivo ou gravadas. O público-alvo são pessoas que possuem ou pretendem abrir um pequeno empreendimento na área gastronômica.
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O Empreenda aborda temas como confeitaria, panificação, empreendedorismo, educação financeira, comida que transforma e gastronomia social. O curso tem carga horária total de 142 horas e dura cerca de 2 meses. Para se candidatar o aluno não pode ter cursado faculdade de Gastronomia e a renda mensal do negócio não pode ultrapassar R$ 2.500 mensais.
Já os cursos Juntas na Mesa e no Negócios e Formação em Cozinha Social são ministrados online. O Juntas nas Mesas, como o nome já sugere, é apenas para mulheres que empreendem ou querem empreender. Como é virtual, é aberto para todo o Brasil e acontece de segunda a sexta-feira. São 57 horas de duração, aproximadamente um mês. As alunas aprenderão sobre gestão, habilidade básica e técnica de cozinha, confeitaria tradicional e sustentável, aproveitamento integral dos alimentos, postura profissional, empreendedorismo gastronômico, planos de negócios e precificação de produtos.
Formação em Cozinha Social é voltado para profissionais da área da gastronomia que queiram atuar como atores sociais em territórios periféricos, a partir da abertura de negócios ou projetos de impacto social que usem a comida para ajudar no desenvolvimento dos lugares atendidos. As aulas duram cerca de dois meses. As inscrições para o curso de Formação em Cozinha Social estão abertas até o fim de maio, enquanto as inscrições para os cursos Empreenda, Faça e Venda e Juntas na Mesa e nos Negócios até 6 de junho.
Estabelecida no Rio de Janeiro desde 2016, a Gastromotiva já formou mais de 7 mil alunos na área de gastronomia. No início, focava em capacitar pessoas para serem auxiliares de cozinha e, com o tempo, incluiu os cursos de cozinheiro e empreendedorismo social, para os cozinheiros abrirem pequenos negócios. Atualmente, o planejamento estratégico anual ambiciona fornecer 1 milhão e meio de refeições e formar 2 mil alunos, atingindo 500 mil pessoas, direta e indiretamente.
Gerlândia Gomes de Lima, de 54 anos, foi aluna dos cursos Empreenda, Faça e Venda, Cozinheiro Básico e Cozinha Social. Hoje, ela é doceira em Bonsucesso e cozinheira social no bairro, levando comida de graça, uma vez por semana, para as pessoas em situação de rua.
"A Gastromotiva foi um divisor de águas na minha vida. É como se eu fosse a Dona Gê antes e a Dona Gê depois da Gastromotiva. Não tenho formação acadêmica, fui uma criança muito pobre, sofri muito abuso sexual por sentir fome e procurar na casa das pessoas o que eu ia comer. Então, eu sempre senti um desejo muito grande de cozinhar, de fazer o alimento acontecer. Só comecei a cozinhar quando casei, com 18 anos, pois antes não tinha estrutura, não tinha geladeira, fogão. Quando o meu marido ficou desempregado, fui trabalhar na limpeza no Hospital Federal de Bonsucesso. Na época, eu já estava fazendo muitos doces, mas não profissionalmente, até que os funcionários passaram a encomendar doces de festas, ceias de Natal. Mas eu não conseguia nada mais por não ter formação. Até que soube da Gastromotiva. Lutei muito para conseguir a vaga e fiquei extremamente feliz quando aconteceu. Hoje, eu quase não tenho roupa, mas tenho um monte de dólmã (a vestimenta de chef). Sou a chef da minha cozinha. Agora eu tenho uma doceria e um food truck de doces", comentou Dona Gê, como é chamada carinhosamente.
Criar igualdade de oportunidades no meio social foi um dos objetivos de David Hertz, de 49 anos, chef fundador da Gastromotiva. Inspirado em viagens que fez para o Canadá e para a Índia, quando ficou impressionado com a equidade de chances. "Quando você entra numa favela aqui no Brasil, é o mesmo visual da Índia. Mas na Índia eu não via violência. Então, eu queria criar equidade para pessoas que vivem em território de muita vulnerabilidade aqui no Brasil, onde não tem a presença do Estado e, se tem, é muito limitada, pois o Estado não consegue chegar em tudo. Queria um pouco deste lugar com mais equidade e menos violência. Aí me perguntava: o que a gastronomia pode fazer por esses lugares? Como se usa a gastronomia social para enfrentar a desigualdade e o preconceito?", afirmou David.
A Gastromotiva nasceu como um modelo de negócio social, como um buffet-escola em São Paulo, mas não era sustentável financeiramente. David, então, decidiu acabar com a sociedade e ficou com a ONG, enquanto a outra parte permaneceu com o buffet. Com a transferência para o Rio, ele usou a organização para criar uma metodologia de capacitação profissional baseada em desenvolvimento humano, potencialidades e habilidades emocionais, e cultura local, para que funcione em qualquer lugar do mundo, só adaptando as receitas.
"Para resgatarmos as pessoas e fazer elas acreditarem nelas mesmas, temos que resgatar as nossas receitas, as nossas técnicas. Aqui na Gastromotiva, os alunos aprendem as técnicas e habilidades básicas da cozinha, e aprendem a culinária brasileira. Saem especialistas em fazer arroz, feijão, um bom PF (prato feito). Os demais pratos ele vai aprender com o chef, com a empresa, o hotel que ele vai trabalhar", comentou Hertz.
De 2016 a 2023, a Gastromotiva se especializou em metodologia de educação, de operação de estabelecimento de combate ao desperdício de alimentos e passou a ter um olhar mais atento para a insegurança alimentar, criando uma área de assistência social que se relaciona com as outras ONGs do entorno e com a Prefeitura do Rio. Passaram a produzir 2,5 mil quentinhas na sede, por semana, e ofertam para oito projetos sociais parceiros, que distribuem as refeições em pontos da cidade. Além disso, uma vez por semana acontecem no refeitório da sede os 'Almoços Solidários', com menu completo (entrada, prato principal e sobremesa) para pessoas em situação de rua. Cerca de 72 pessoas são atendidas nessa experiência, às quintas-feiras.
Uma outra iniciativa da ONG para combater a fome e o desperdício de alimentos é a Cozinha Solidária. Instalada nas casas de cozinheiros formados pela Gastromotiva, as cozinhas batizadas de solidárias são cozinhas populares em lugares de vulnerabilidade. Com auxílio financeiro, elas produzem comida para pessoas com insegurança alimentar e que moram perto de sua localização. Dona Gê tem uma cozinha solidária em sua casa, em Bonsucesso: "Como cozinheiros sociais, oferecemos para os nossos beneficiários uma comida colorida, saudável, equilibrada e com aproveitamento integral de todos os alimentos", contou.
Hoje, são 23 cozinhas solidárias no Rio, que já distribuíram um total de 43 mil refeições.
"As cozinhas solidárias foram feitas para estarem dentro de suas comunidades pensando em como transformar o sistema de alimentação local para ele ser mais saudável, nutricional, sustentável e gerar emprego dentro das comunidades, para serem motores de desenvolvimento local", explicou Hertz.
Desde o início do projeto no Rio, a organização recebe doação de alimentos da empresa de insumos Benassi e reaproveita absolutamente tudo. Juan Amaral, de 23 anos, auxiliar de cozinha no refeitório que fica na sede da Gastromotiva, disse que é preciso usar a imaginação: "Às vezes é o auge da criatividade, pois como recebemos doações, tem dia que só tem tomate. Então, temos que fazer entrada, prato principal e sobremesa com tomate", afirmou Juan.
Morador de Olaria, na Zona Norte, o jovem lembrou que a ONG foi importante em momentos difíceis de sua vida: "A Gastromotiva tem um nome muito forte no mercado, então consegui trabalho com facilidade. Na pandemia, por exemplo, consegui emprego em um delivery por ter me formado na Gastromotiva", finalizou.
Técnica de contabilidade e mãe solo de duas crianças, Claudia Queiroga, de 55 anos, decidiu deixar o escritório onde trabalhava para se dedicar a algo que lhe desse uma renda mais alta, para custear o sonho do filho de praticar luta greco-romana, e passou por muita dificuldade financeira. Cursando empreendedorismo no Sebrae, ela venceu um prêmio com a sua receita de bolo gelado de coco e um amigo indicou a ela a Gastromotiva para fazer a rotulagem do produto, já que ela não tinha dinheiro.
Após se formar na ONG, abriu um negócio social de marmitas e oficinas para apoiar as pessoas em vulnerabilidade social e hoje trabalha em outros projetos como Rua Solidária, Instituto LAR, Yoga de Rua e ViDançar: "O que eu aprendi na formação Gastromotiva me move a ajudar outras pessoas e projetos, e venho fomentando e formatando e estudando mais e mais para criar a Cozinha Escola Solidária Social e Itinerante da Claudia Queiroga para apoiar e fomentar mais vidas", contou animada.
A Gastromotiva vende para empresas o modelo de cozinhas solidárias que matam a fome e educam pessoas, uma forma de gerar impacto social cada vez maior.
Rodrigo Sardinha, cozinheiro de 37 anos, foi aluno da primeira turma, no início de 2017. Ele contou que conheceu o projeto em uma busca na internet, durante uma transição de carreira, e que passou a olhar o alimento de outra maneira após o curso: "Sou muito realizado aqui, aprendi a valorizar a cadeia do alimento pela premissa principal, de aproveitamento integral dos alimentos, além de hoje ter mais equilíbrio financeiro. Eu era corretor de imóveis antes e o meu pagamento oscilava bastante. Agora isso não acontece mais", comentou o chef do refeitório.
Fora a doação de alimentos, a ONG é sustentada por doações de empresas e de pessoas físicas. Para sobreviver, o que a organização busca no momento é o doador recorrente, que colabora mensalmente com quantias entre R$ 20 e R$ 100, feitas pelo site. Segundo a Gastromotiva, esse tipo de doação caiu 60% de 2022 para cá.
"No momento, também precisamos de voluntários. Quem se dispuser, pode se cadastrar pelo site", informou David Hertz.