Dom Roberto Lopes, delegado para a Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio, em seu gabineteCléber Mendes/Agência O Dia

Rio - Em seu gabinete, no edifício da Arquidiocese do Rio de Janeiro, na Glória, Dom Roberto Lopes abre uma gaveta da qual retira um envelope. Por breves instantes, deixa à mostra imagens de exames de raios X. O material é parte da documentação técnico-científica que está sendo produzida e analisada, há cerca de dois anos, no processo de beatificação e canonização do surfista, médico e seminarista Guido Schäffer, que teve as virtudes heroicas reconhecidas em decreto do Papa Francisco no último dia 20: a segunda etapa de um total de quatro até ser considerado santo pela Igreja Católica.

"Estamos agora em busca de um milagre", diz Dom Roberto Lopes, delegado Arquiepiscopal da Causa dos Santos da Arquidiocese do Rio.
A identificação de um milagre é a condição para que Guido Schäffer receba o título de beato e, em seguida, com a confirmação de um segundo milagre após a beatificação, o jovem que morreu aos 34 anos, em 2009, enquanto surfava com amigos no Recreio dos Bandeirantes, poderá ser considerado santo pelo Vaticano.
Sobre o que a Igreja Católica entende por milagre, Dom Roberto Lopes explica: "São casos de curas excepcionais de pessoas que estão chegando a óbito e a medicina não tem mais o que fazer, pois chegou ao seu limite. Nesse momento, por meio de um pedido direto à figura em processo de canonização, para que interceda a Deus pela cura, ela acontece de forma praticamente instantânea, a partir de uma experiência mística. Os médicos, então, vão verificar, e não conseguem explicar o que aconteceu".

Dentre os casos que estão sendo analisados na Arquidiocese do Rio em relação a Guido Schäffer, Dom Roberto conta que "há quatro ou cinco" que podem vir a ser considerados milagres. Estes casos, que são tratados em sigilo, envolvem as especialidades médicas de gastroenterologia e neurologia.

"Precisamos de, pelo menos, seis laudos de grupos diferentes de médicos que nos atestem que a ciência não pode explicar a cura. Aí, sim, a partir de uma documentação robusta, enviamos o caso para que o Vaticano aprecie", explica Dom Roberto, acrescentando que essas pessoas que supostamente receberam a cura extraordinária são acompanhadas pelo tempo mínimo de para que verifiquem se houve alguma recaída ou sequela da doença.

Nesse processo de identificação de um milagre, Dom Roberto Lopes trabalha ao lado de departamentos de medicina de instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Fiocruz, além de universidades do exterior.

"Antes de remeter o caso a Roma também procuramos especialistas leigos (não religiosos) de outros países. Temos contato com universidades dos Estados Unidos, da Inglaterra e de Israel, por exemplo", diz Dom Roberto Lopes.

Casos remetidos após orações com relíquia de toque

Os diversos casos de supostos milagres atribuídos a Guido Schäffer foram compilados e analisados pela Arquidiocese do Rio após o ano de 2015, quando houve a abertura do processo de canonização. Uma das etapas foi a exumação dos seus restos mortais que, após um tratamento para conservação dos ossos, foram dispostos em cima de um pano. O tecido foi remetido às monjas de Três Pontas (MG), que prepararam as relíquias de toque.

Dom Roberto Lopes mostra uma dessas relíquias: um pedaço do tecido sobre a fotografia de Guido Schäffer sorrindo. No verso, uma oração com um pedido de uma graça. Abaixo da mensagem, o e-mail (guido@arquidiocese.org.br) para que seja comunicada o desejo alcançado. São esses pedidos, feitos com a relíquia de toque, em alguns casos posicionadas sobre a parte enferma do corpo, que a Arquidiocese considera no processo de canonização.

"A grande maioria dos relatos são de graças alcançadas. Um emprego conquistado, por exemplo. O milagre já é algo que vai além", diz Dom Roberto.

Segundo ele, relatos de curas de câncer ou de covid-19 não são considerados na análise:

"Isso é uma orientação de Roma, porque são enfermidades ainda não compreendidas totalmente pela medicina".

Agente de viagens relata cura após oração

Os relatos também são feitos na página dedicada a Guido Schäffer no Instagram. Quem cuida dela é a agente de viagens Tatiana Ribeiro, que conheceu Guido no grupo de orações presidido por ele na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, onde estão seus restos mortais. O caso dela é um dos que estão sendo analisados pela Arquidiocese.

Ela conta que teve uma infecção generalizada após uma cirurgia bariátrica. Os médicos informaram à família que já não tinham mais o que fazer. Diziam que esperavam algum sinal do corpo para que pudessem investigar.

"O sinal que veio foi espiritual. Durante uma oração, ele apareceu para a minha mãe, informando onde estava o buraco no meu estômago e por onde os médicos deveriam procurar, na parte superior do órgão, por meio de uma endoscopia. Minha mãe foi aos médicos que, depois de muito relutarem, seguiram essas instruções. A raiz da infecção foi descoberta e eu fui salva", revela Tatiana.

Além do memorial na igreja de Ipanema, outro foi inaugurado, este com um busto de Guido, no dia 22, na Paróquia São Marcos, no Recreio dos Bandeirantes, próximo ao trecho da praia onde houve o acidente fatal em 2009. Na Santa Casa de Misericórdia, no Centro, onde Guido atendeu pacientes, há outro, onde estão o traje de seminarista e a prancha de surf que estava com ele no último dia que entrou no mar.

"Em sua atuação como médico na Santa Casa, ele sempre escrevia à mão uma mensagem bíblica no verso de cada pedido de exame ou receita de algum remédio. Ele tinha uma forma diferente de atuar. Cuidava do corpo e do espírito dos pacientes", lembra Dom Roberto.