Obras da Prefeitura do Rio na Praia da Barra serão desfeitasBanco de imagens/ Agência O DIA

Rio - O município do Rio assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal (MPF) e se comprometeu a desfazer a obra que colocava mantas com concreto num trecho de faixa de areia na Praia da Barra da Tijuca. A intervenção foi alvo de um inquérito civil no MPF, que apurava a legalidade e o impacto ambiental decorrentes da iniciativa da Secretaria Municipal de Infraestrutura. O acordo foi celebrado na última segunda-feira (22).
A intervenção tinha como objetivo reduzir os efeitos de ressacas, inserindo uma manta geotêxtil sobre base de colchões articulados em argamassa, em sete trechos da areia entre os postos 7 e 8 da praia. No entanto, especialistas denunciaram que a prática não encontrava respaldo técnico e poderia trazer problemas de erosão para o local.
A licitação passou por um processo no Tribunal de Contas do Município (TCM). Em um dos pontos analisados por conselheiros, está a previsão na planilha orçamentária para a contratação de um estudo de engenharia costeira e oceânica que levantasse dados, premissas técnicas e bases conceituais de solução de mitigação de efeito de ressacas sobre a infraestrutura.
O TCM pontuou, em seu parecer, que o estudo deveria preceder a licitação. "Lembre-se, ainda, que o projeto básico deve ser elaborado com base em estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento", ponderou o inspetor de controle externo Jorge Luís Campinho Pereira da Mota, em documento de março de 2022.

A vencedora da licitação realizada pela Secretaria de Infraestrutura, inicialmente comandada pelo ex-secretário Jorge Arraes, e posteriormente pela sucessora, a secretária Jessick Isabelle Trairi, foi vencida pela empresa Dratec Engenharia LTDA pelo valor de R$ 10,6 milhões. Deste total, já foram pagos pelo município mais de R$ 4 milhões (R$ 4.512.721,55), o que corresponde a 42,43% do montante. As informações constam no Portal da Transparência Rio.

A assinatura do TAC encerra o inquérito aberto para apurar a licitação. No termo, o município enviou um cronograma em que se compromete a restabelecer o ambiente natural dos trechos afetados; a recuperar a vegetação de dunas nos pontos em que há maiores danos por conta das ressacas; e a se abster de realizar obras na faixa de areia do município sem prévia licença ambiental e autorização da Secretaria de Patrimônio da União.

A prefeitura também se compromete a recuperar todos os trechos do calçadão da orla das praias da Barra da Tijuca, Reserva e Recreio dos Bandeirantes que sofreram danos decorrentes do efeito das ressacas, tomando o cuidado para não avançar sobre a duna frontal e a vegetação de restinga.
O cronograma apresentado pela prefeitura estabelece 225 dias corridos (entre sete e oito meses)  para cumprimento de todas as medidas. O termo foi assinado pelo procurador da República Sergio Suiama, pelo procurador-geral do município, Daniel Bucar Cervasio, pela secretária municipal de Infraestrutura, Jessick Trairi, e pela secretária municipal de Meio Ambiente, Tainá de Paula.

A demora ou descumprimento não justificados das obrigações assumidas no termo tem como consequência o pagamento de multa mensal no valor de R$ 100 mil.

Confira os pontos acordados no TAC:

. Retirada, em trechos que totalizam 268 metros na Praia da Barra, de estruturas artificiais (colchões articulados preenchidos com argamassa coloidal, mantas antisocavação e geobags) colocadas sob a areia, com a destinação correta de todos os resíduos;

. Devolução da areia colocada nos geobags à praia, caso não tenha sido misturada ao cimento;

. Recolocação de toda a areia retirada e recomposição do perfil de praia original, como antes da escavação;

. Recuperação do talude da duna frontal com a areia da praia e vegetação de restinga, precedida de estudos oceanográficos específicos que determinem os locais apropriados para as intervenções, de forma a não causar impactos na morfodinâmica da praia;

. Manutenção da recuperação da vegetação de restinga na duna frontal e pós-praia nas praias da Barra da Tijuca, Reserva e Recreio;

. Recuperação de todos os trechos do calçadão da orla das praias da Barra da Tijuca, Reserva e Recreio dos Bandeirantes que sofreram danos, identificados até a assinatura do TAC, decorrentes do efeito das ressacas, tomando o cuidado para não avançar sobre a duna frontal e a vegetação de restinga
. Município do Rio abstem-se, totalmente, de promover, contratar, licenciar ou autorizar qualquer tipo de intervenção ou obra na areia das praias e antepraias que implique em instalação de estruturas rígidas permanentes, de qualquer natureza ou para qualquer finalidade, inclusive construções, quiosques, decks, píeres, moles, espigões, geobags e recifes artificiais, sem prévia licença ambiental emitida por órgão competente e prévia autorização formal e escrita da Secretaria de Patrimônio da União.

A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Infraestrutura e a Prefeitura do Rio e obteve o retorno da Procuradoria Geral do Município. A PGM disse em nota que foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e estão sendo realizados os trâmites administrativos para o cumprimento das obrigações pactuadas.
Procurada, a empresa Dratec Engenharia LTDA não se pronunciou até a publicação deste texto.

Relembre o caso
A obra, iniciada em dezembro de 2022, estava suspensa desde 1 de fevereiro deste ano, quando a Prefeitura do Rio foi notificada pelo MPF. Estavam sendo enterradas mantas preenchidas com cimento na faixa de areia dentro de um "pacote" para a recuperação da orla.
O MPF ressaltou em seu parecer que a ação foi feita sem autorização da Secretaria de Patrimônio da União, responsável por gerir as praias, e sem a realização de prévio estudo de impacto ambiental.

Dois peritos em Meio Ambiente do MPF concluíram que a obra não encontra respaldo na literatura técnica pertinente e nas instituições com expertise na temática e que a instalação propiciaria um efeito antagônico, comprometendo a estabilidade morfodinâmica da praia da Barra da Tijuca e provocando obras e ações futuras para repará-la.
Do ponto de vista ecológico, segundo o MPF, a obra afetaria diretamente a permeabilidade da areia. No local existem espécies típicas, como a maria farinha (Ocypode quadrata), preás, corujas buraqueiras e lagartos de praia.
O inquérito começou depois que acadêmicos da UFRJ, Uerj, Uff e PUC-Rio alertaram para a ineficiência da construção e questionam o fato da Prefeitura do Rio não ter consultado os especialistas para realizar a intervenção. O grupo publicou um manifesto em conjunto no dia 17 de dezembro e denunciou o caso aos ministérios públicos estadual e federal.