Shamyra e Leontina Ferreira: 30 dias para deixar a casa em área do Jardim BotânicoMarcos Porto/Agencia O Dia

Rio - Na altura do número 1.235 da Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico, ruínas e lixo são resultado de uma reintegração de posse de 2016. Nenhuma destinação foi dada ao endereço. No muro, parcialmente destruído, lê-se: "Tanta gente sem casa. Mais uma casa sem gente". Na manhã do dia 31, a ação seria no número 915, onde vive uma família que agora tem o prazo de 30 dias para deixar o imóvel. O motivo pelo qual o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro reivindica o espaço, os moradores não sabem ao certo.


"Por que querem nossa casa? Para deixar igual a do Marcelo (nº 1.235)? A casa foi construída pelo meu avô, que era funcionário do Jardim Botânico, na década de 1940, por sugestão do então diretor, porque, na época, estavam despejando lixo neste trecho", diz a ceramista Shamyra Ferreira, de 38 anos: um relato que se assemelha a tantos outros que estão na origem da construção das casas da Comunidade do Horto, formada por antigos funcionários com a anuência do Jardim Botânico.
Policiais, caminhões e maquinário já estavam a postos para derrubar a casa de Shamyra quando, naquela manhã, uma ação do Ministério Público Federal (MPF) conseguiu reverter a reintegração de posse no Plantão Judiciário. O episódio voltou a acirrar os ânimos numa disputa que se arrasta desde a década de 1980, quando os moradores passaram a enfrentar uma série de ações individuais de reintegração de posse movidas pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico.

Na noite anterior, outros três mandados de reintegração de posse haviam sido suspensos na Justiça. A ordem para a desocupação pegou de surpresa todos os envolvidos no conflito fundiário. E motivou a expedição de um ofício da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, recomendando que o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico suspendesse as ações, sob a justificativa de inviabilizar a busca por uma solução negociada do conflito.

Grupo de trabalho para solução conciliatória

A ministra se referiu ao Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo governo federal, a pedido do MPF, no último dia 19, para buscar uma solução conciliatória para o caso. Atualmente, há 621 famílias em área reivindicada pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico. Dessas, cerca de 500, segundo a Associação de Moradores e Amigos do Horto (Amahor), são alvo de ações de reintegração de posse, das quais aproximadamente 230 têm processos transitados em julgado com ganho de causa para o Jardim Botânico.

"Há uma escola, uma subestação da Light, um condomínio de casas de alto padrão e a sede da Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) dentro do Jardim Botânico. É só as casas dos pobres é que têm que sair? O Instituto de Pesquisas alega que têm interesse na área para a realização de pesquisas. Mas não vimos nada disso acontecer onde já houve a reintegração de posse. Outro exemplo é o do antigo clube Caxinguelê, onde o terreno hoje é depósito de entulho e carros velhos", diz Fábio Dutra Costa, presidente da Amahor.

Para ele, qualquer negociação para a saída das famílias deve passar por uma revisão do perímetro de interesse do Jardim Botânico, definido em acórdão do Tribunal de Contas da União em 2013, para que as casas sejam realocadas na região do Horto.

"Não vamos aceitar que as famílias que ocupam historicamente a região sejam removidas para conjuntos do Minha Casa Minha Vida em regiões afastadas da cidade", defende.

Áreas consideradas prioritárias

Segundo o procurador do MPF Julio Araujo, há atualmente 10 casas cuja reintegração de posse é considerada prioritária pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico. Uma delas é a de Shamyra Ferreira e sua família. Com a mudança de gestão no governo federal, o MPF vem provocando os órgãos federais para tratar o problema de forma coletiva, em busca de uma solução conciliatória.

"Estamos tendo êxito. Os órgãos estão se mostrando favoráveis a uma conciliação. A instituição do Grupo de Trabalho é uma amostra disso. As decisões da última semana nos pegaram de surpresa. Conseguimos reverter uma a uma e agora vamos seguir tentando reverter o caso desta família que ainda está ameaçada", diz o procurador Julio Araujo.

No momento, Shamyra e seus parentes têm 30 dias para deixar a casa. Além de servir de moradia a quatro gerações da família, o espaço também é onde a ceramista gera a própria renda. Em um quintal ao lado da casa, ela mantém uma oficina com estrutura específica para transformar moldes de argila em objetos de cerâmica.

"Presto esse serviço para vários clientes. Recebo as peças semanalmente e as queimo neste forno para o resultado final. É aí que a argila se torna peças de cerâmica resistentes. Investi R$17 mil na estrutura desse forno que, mais a aposentadoria do meu pai, gera a renda que garante o sustento de toda a família. Se tivermos que sair daqui, como vamos realocar esses equipamentos?", diz Shamyra.  
O DIA procurou o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico e a Secretaria-Geral da Presidência da República (SG/PR), que instituiu o Grupo de Trabalho para buscar uma solução conciliatória para o caso. Questionado sobre a disposição em buscar uma alternativa para o despejo dos moradores, o Jardim Botânico limitou-se a dizer que as ações de reintegração de posse são promovidas e coordenadas pelo Poder Judiciário. "Cabe ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) apenas o cumprimento das decisões judiciais", disse o órgão, acrescentando que indicou representantes do GT e que aguarda o início dos trabalhos. 
Já a SG/PR destacou que a função do GT "analisar e propor ações voltadas à resolução das controvérsias relacionadas ao perímetro do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico". Sobre a participação da Amahor nas discussões, o órgão disse que o grupo prevê a possibilidade de que sejam convidados representantes de outros órgãos e entidades, tanto da administração pública quanto da sociedade civil. E que a primeira reunião será informada em momento oportuno.