Darla Muniz com as moradoras do casarão na LapaCléber Mendes/Agência O Dia
Segundo Darla, 11 mulheres moram no casarão atualmente. "A Associação Luana Muniz vai além do abrigo. Ao todo, 197 mulheres trans e travestis são beneficiadas por projetos sociais da instituição", explicou.
Ao DIA, Darla disse ainda que não sabe o que fazer em caso de despejo e ressaltou a importância do espaço na vida das pessoas.
Moradora do local desde 2011, Shaw Jhonson Santos, 30 anos, que é natural de Fortaleza, também definiu o casarão como um lugar de luz e liberdade. "É um ambiente que nos acolhe com verdadeiro amor", complementou.
Para Mirella Prado, 29 anos, que veio de Ubatuba, em São Paulo, e mora no espaço desde 2016, o casarão ressignificou sua vida. "Eu cheguei aqui sem rumo, sem família, sem ninguém e, dentro do casarão, eu conheci a Luana e a Darla, que hoje é minha companheira. Após a morte de Luana, em 2017, resolvemos criar uma nova instituição para dar continuidade ao trabalho dela e ganhar conhecimento criando assim um campo de força junto com órgãos importantes do governo do estado e outras ONGs aliadas, surgindo assim a instituição sementes de Luana Muniz que acolhe, protege e atende mais de 200 travestis no Rio", disse.
Ao saber da ordem de despejo, Mirella ficou surpresa e se sentiu injustiçada com a decisão. "Eu fiquei muito chocada, senti descaso do juiz com a gente travesti. Não deram importância pra gente, nem para os alimentos e cobertores que arrecadamos e estão no casarão. Acho essa decisão da Justiça desumana, que mostra muito a forma que nós travestis aqui do Rio somos tratadas por eles", pontuou.
Alan Lopes, 21 anos, que também mora na casa, reforçou não saber o que fazer caso seja despejado. "Não consigo ver ou me imaginar fora daqui. Quando a notícia chegou até mim foi algo muito impactante. Se isso acontecer, vou ficar desamparado e isso me traria problemas psicológicos. Ficaria perdido, é algo amedrontador, parece até que nasci aqui", desabafou.
O morador relatou ainda que chegou no espaço em 2019 após sofrer muito preconceito familiar. "Minha experiência no casarão foi algo muito surpreendente, vim de uma família que nunca me aceitou muito por eu me identificar com uma pessoa não binária, e sofria muito preconceito dentro de casa. Quando cheguei no casarão, ele me fez entender quem eu era de verdade, o que eu precisava, o que eu devo focar e, graças ao casarão e à Darla, hoje eu consigo ter mais foco e menos preconceito comigo", contou.
Alan também definiu o espaço como "um colo de mãe". "O casarão foi minha segunda maternidade, e Darla foi minha segunda mãe e Luana minha avó. O projeto está estendendo a mão e abrindo as portas, sou muito grato por tudo que o casarão vem proporcionando não só pra mim, mas para as outras pessoas. O casarão de Luana Muniz é o verdadeiro colo de uma mãe, porque quando alguém se perde, não consegue se encontrar. Aqui, a pessoa se acha, se encontra, se identifica e nunca é julgado", finalizou.
Outra moradora, Yasmim Pacheco, de 27 anos, natural do Rio Grande do Norte, disse que trabalha viajando fazendo programas em várias cidades e encontrou acolhimento no espaço de uma forma que nunca havia vivenciado antes.
"Aqui é como minha casa, porque é diferente de todos os lugares que passei. Já frequentei casa de cafetina, passei por muita humilhação, já fui obrigada a passar noites em claro na rua. Então, aqui eu recebi um acolhimento de mãe, da Darla Muniz, que a gente considera como madrinha, e eu sou muito grata a ela e a todas aqui. É uma casa muito acolhedora, não deixa a gente na mão em nada. Espero que esse projeto não acabe", disse.
Entenda a disputa pelo imóvel
De acordo com a advogada e ativista pelos direitos de travestis e transexuais, Maria Eduarda Aguiar, na época em que Luana Muniz ocupava o imóvel, um locatário que vivia no andar superior permitia que ela ficasse no espaço. Após a morte do homem, seus irmãos decidiram mover uma ação de reintegração de posse e expulsar os moradores do casarão.
"Os donos do imóvel sempre permitiram que ela ficasse, mas esses irmãos entraram com uma ação pedindo reintegração de posse em 2009. Luana foi mal assessorada e, quando ela morreu em 2017, o processo foi abandonado, correu à revelia. O juiz deu ônus da prova e deu reintegração do imóvel para quem não é dono e nem tem contrato de locação — quem tinha era o falecido. Agora, determinaram que elas deixassem o imóvel dia 12, mas elas não têm pra onde ir e estão questionando porque não foram notificadas de nada desde a morte da Luana", explicou Maria Eduarda.
A advogada reforçou ainda que as mulheres precisam permanecer no imóvel por pelo menos mais seis meses. "Há pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, de outros estados, que vivem com HIV, pessoas trans sem oportunidade. Ali elas têm alimentação, acolhimento, recebem apoio para poder fazer cursos. O casarão é um polo de cesta básica para pessoas da região, tem uma série de ações sociais, vai ser uma tragédia perder esse imóvel assim", complementou.
Quem foi Luana Muniz
Luana Muniz, morreu aos 59 anos, em 2017, vítima de problemas pulmonares. Ela ficou conhecida pelo bordão "Travesti não é bagunça", que figurou em humorísticos da TV, e por acolher travestis, transexuais, portadores de HIV, prostitutas e pessoas em situação de rua em um casarão na Rua Mem de Sá.
Ela também era uma das fundadoras do projeto Damas da Prefeitura, que capacita travestis e transexuais para o mercado de trabalho. Além de presidir a Associação dos Profissionais do Sexo do Gênero Travesti, Transexuais e Transformistas do Rio de Janeiro.
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