Elcio é ex-PM e foi expulso da corporação em 2015Reprodução / Internet

Rio - Após a delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso por dirigir o carro onde estava Ronnie Lessa no dia da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, especialistas em segurança pública apontam que o 'pacto do silêncio' entre milicianos deve ser relativizado e  coloca em risco a vida do delator. Nesta segunda (24), o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, foi preso pela participação no crime.

A delação premiada foi motivada por uma mentira contada por Ronnie Lessa a Élcio de Queiroz. De acordo com Élcio, o amigo teria afirmado que não havia feito pesquisas na internet sobre Marielle.

De acordo com o delegado de polícia aposentado e advogado criminal Marcus Neves, é muito comum que grupos milicianos atuem a partir de um modelo mafioso e sigam as regras impostas.

"As milícias atuam como um modelo mafioso, extorquindo comerciantes e moradores em uma determinada região na cidade do Rio de Janeiro. Elas estão se expandindo já há algum tempo e entram em confronto permanente com o tráfico de drogas. A relação, a parceria que é feita entre as milícias deve ser considerada. Em regra esses grupos são formados policiais na ativa, ex-policiais civis e militares, e por alguns membros das Forças Armadas que foram expulsos ou deram baixa em suas funções", explicou.

O professor de Sociologia e Segurança Pública e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Hirata, considera que, neste caso, o perigo está em torno do fato do grupo ser formado majoritariamente por matadores especializados.

"Essa relação entre e milicianos, no que diz respeito a uma espécie de pacto de silêncio ou de proteção mútua, é muito semelhante ao que acontece com todos os outros grupos armados no qual os atores criminais se protegem. A especificidade deste caso é que não se trata exatamente de apenas milicianos como Ronnie Lessa, Élcio de Queiroz e todos os outros envolvidos que vieram à tona nesse momento, são não só pessoas com práticas milicianas, mas sobretudo matadores, são parte de grupos profissionalizados na execução de pessoas", disse.

De acordo com o delegado, a delação de Élcio, após tantos anos do crime, mostra, de certa forma, uma fragilidade no pacto entre o grupo no momento em que a situação acaba piorando para um dos lados.

"Essa questão da colaboração premiada do Élcio de Queiroz é uma questão pontual. O Ministério Público e a Polícia Federal devem ter oferecido a ele vantagens processuais que eram do interesse dele. Esse 'pacto de silêncio' entre os milicianos tem que ser relativizado. Esse pacto não deve ser considerado de forma absoluta", afirmou.

A delação desencadeou, na manhã de segunda (24), a Operação Élpis, primeira fase da investigação que apura os homicídios da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, além da tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves.

Para Harter, esse é um sinal de que o delator passou a priorizar os próprios interesses após cinco anos do crime e não mais os do grupo criminoso.
"O Élcio está pensando nos interesses dele. Nesse caso concreto, ele deve ter recebido algum benefício que a defesa dele, inclusive, deve considerar interessante para a questão processual e falou com o Ministério Público e com a Polícia Federal o que sabia. As declarações dele foram confrontadas com outros meios de prova que a Polícia Federal e o Ministério Público dispunham. Esse confronto legitimou a colaboração premiada. Essa questão o "pacto de silêncio" nas máfias, de uma forma geral, eles existem até um determinado momento, a partir daquele momento, a quebra do silêncio pode ocorrer", explicou.

De acordo com Hirata, é impossível prever o comportamento dos integrantes do grupo criminoso para se ter alguma convicção de uma possível delação de Lessa ou Maxwell, mas os relatos de Élcio deram possibilidade de dar seguimento às investigações e realização de novas prisões.

“É muito difícil de prever o comportamento dos criminosos quando uma delação desse tipo emerge, porque isso tem impacto direto nas possíveis condenações dos outros envolvidos. Agora, me parece que isso depende não só desses impactos desta delação que veio à tona, mas também da continuidade das investigações e da maneira como essas pessoas vão estar olhando, estar atentas e fazer suas avaliações sobre as consequências para si mesmas”, destacou.

Harter ainda abordou o fato da delação não ter sido amplamente divulgada para a mídia e diz que, em sua opinião, há muito mais informações dadas por Élcio aos investigadores.

"Eu acredito que o Élcio falou muito mais do que a Polícia Federal e o Ministério Público divulgaram. As informações foram muito relevantes. E elas não foram divulgadas na sua totalidade. Quando essas informações forem processadas, forem incluídas dentro dos autos do processo, vai sobrar muito pouco para que o Maxwell e o Lessa falem alguma coisa de relevante. A não ser que o Élcio não tenha conhecimento de quem foi o mandante. Eu acredito que ele sabe, acredito que já passou essa informação", revelou.

Quanto à segurança do ex-policial militar preso, o delegado falou que não acredita que os familiares de Élcio não estejam em perigo por conta do modus operandi das organizações criminosas, mas que, com certeza, ele está.
"Não é tradição entre o crime organizado no Rio de Janeiro atingir familiares de membros da organização criminosa, mas agora nós estamos vivendo um momento crítico na segurança pública do Rio e o caso Marielle é inusitado. Não foi apenas a pessoa física de Marielle e Anderson que foram atingidas. A gente tem que considerar o caso como um atentado contra o Estado de direito, esse contexto político tem que ser analisado também, a situação é gravíssima. Em razão disso, pode ser que ocorra uma mudança no paradigma, na forma desses milicianos atuarem. Por isso, pode ser que a família do Élcio esteja em risco. Já ele, com certeza, vai precisar de uma proteção por parte do estado, porque a vida dele corre perigo", disse.

O professor também acredita na necessidade de ser dada uma maior proteção para Élcio depois de seu acordo com a PF e o MPRJ para a delação.
"Há um risco claro de vida para Élcio, não só porque ele fazia parte de uma organização que tinha práticas milicianas mas sobretudo porque a rede na qual ele estava inserido era composta por matadores, pessoas que tinham como seu principal ramo de atividades, a execução de outras pessoas à mando de grupos interessados nessas mortes. Então é fundamental para nós entendermos que há um risco maior com relação a uma possível queima de arquivo. Em segundo lugar também é importante destacar que esses matadores, na sua maioria, vieram das fileiras da Polícia Militar, ou seja, mantinham relações com a estrutura institucional do estado, o que também torna bastante perigosa a situação do delator", completou.