Museu Carmen Miranda, no Parque do Flamengo, está na montagem final e abre as portas para o público no dia 4 de agostoCleber Mendes/Agencia O Dia

Rio - Após 10 anos, o Museu Carmem Miranda, localizado no Flamengo, Zona Sul do Rio, reabrirá para visitação pública no próximo dia 4, às 18h, com a exposição "Viva Carmen", com curadoria do escritor e biógrafo da artista, Ruy Castro, e da mulher, a escritora Heloísa Seixas. A mostra reunirá cerca de 120 itens originais e seis cópias, entre os famosos turbantes, sandálias plataformas, que têm de 10 a 15cm de altura, e figurinos da cantora e passeia pela história da Carmen no Brasil e nos Estados Unidos.

A cantora Juliana Maia se apresenta na festa com músicas da "Pequena Notável", que contribuiu para tornar a cultura musical mundialmente conhecida.
O escritor e jornalista Ruy Castro, que desde março ocupa a cadeira número 13 da Academia Brasileira de Letras (ABL), e autor da biografias de Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Garrincha, explica que a ideia é mostrar a fase da artista no Brasil. Nascida em Marco de Canaveses, em Portugal, em 1909, ela chegou no Brasil com os pais imigrantes quando tinha apenas 10 meses de vida.

"É uma vergonha que nós, brasileiros, só conheçamos a Carmen Miranda americana, com as baianas e os turbantes. A Carmen Miranda brasileira, carioca, que criou toda a cultura brasileira dos anos 30, de 1929 a 1939, foi a principal estrela da indústria fonográfica, dos cassinos, das viagens e turnês pelo Brasil e Argentina, coisa que nenhum outro brasileiro fazia, ela ficou desconhecida no Brasil, apagada pela Carmen americana dos filmes de technicolor", destaca o escritor.

"Essa exposição, claro que sem abandonar a Carmen internacional, realça também a Carmen Miranda brasileira, que foi tão importante para a nossa cultura aqui. O museu já é um repositório natural de toda a carreira da Carmen e depois de alguns anos fechados, vai voltar agora revigorado, em grande estilo, com material organizado para que as pessoas possam visitar o museu em qualquer época do ano, tem muita coisa para ver da Carmen artista, da Carmen personalidade. Nada melhor do que essa reinauguração com uma exposição que vai trazer muitas novidades", completa.

Ruy ressalta que foi por causa da artista que a indústria fonográfica ganhou tanta força na época: "Pessoas compravam vitrola para ouvir os discos dela. Ela gravava um disco com duas faixas a cada duas semanas, isso ninguém fazia no Brasil. As pessoas passaram a comprar aparelhos de rádio para ouvi-la cantar. Começaram a ir ao cassino da Urca para vê-la se apresentar. Ela fazia dois shows por noite todos os dias do mês, ou seja, quase 60 shows e não repetia o vestido em nenhum show. As madames iam lá para ver os vestidos dela e os maridos iam jogar e todos ouviam ela cantar".

Foi por conta do sucesso dela no cassino da Urca que familiares e fãs pressionaram para que o museu fosse fundado no Flamengo, onde será reaberto para o público em breve. Diretor do Museu Carmen Miranda, César Balbi recorda que o local foi criado em 1956, um ano após a morte da artista, só que os objetos delas só chegaram no ano seguinte, entregues pelo marido dela, o americano David Sebastian ao então presidente Juscelino Kubitschek. Na ocasião, foi inaugurada a primeira exposição póstuma, organizada por Nilson Penna, na Praça do Congresso.

A inauguração do museu, que inicialmente foi construído para ser um playground no Parque do Flamengo, só se deu 20 anos mais tarde, em 5 de agosto de 1976, pelo então governador do Rio de Janeiro, Faria Lima. A construção circular foi projetada pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy e adaptada em seguida pelo arquiteto Ulysses Burlamaqui.

"Em 1976 foi adaptado para ser um museu, colocaram ar condicionado, fizeram vidro, isso seria tudo aberto. Foi decidido que o museu seria aqui por ser em frente ao Cassino da Urca, de onde a Carmen saiu para os Estados Unidos e onde ela fez grande sucesso. A família e os fãs fizeram um abaixo-assinado com mais de mil assinaturas para que o museu fosse aqui. Em 1965, essas peças estavam no Museu da Imagem e do Som porque o Almirante que era cantor e amigo da Carmen Miranda doou toda a coleção e vendeu parte da coleção de rádio para o museu que foi criado naquele ano", detalha.

Naquele ano, o Museu da Imagem e do Som foi criado com toda história musical e artística do Rio de Janeiro e Carmen Miranda foi inserida dentro, mas os fãs pediam um espaço só para ela e ele foi adaptado. "Hoje em dia é um espaço para exposição e também tem a parte de acondicionamento, mas para restaurar é fora daqui. Como ficou fechado durante dez anos por causa do próprio acervo, ia transferir para o Museu da Imagem e do Som, que nunca ficou pronto por causa dos problemas estruturais ou econômicos, a gente também trabalhou toda a parte de conservação", diz César.

Quando foi fechado para o público, em 2013, a ideia inicial era transferir o acervo para o Museu de Imagem e Som, que está há mais de dez anos em obras para ser transferido para a nova sede, localizada na Avenida Atlântica, em Copacabana, onde funcionou durante anos a boate Help.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Obras, informou que "as obras seguem dentro do cronograma. Temos ainda licitações para iluminação cênica e monitoramento".

Neste longo período fechado para o público, o museu recebeu pesquisadores e estudantes e mergulharam nas pesquisas do acervo e na restauração das peças que iriam para o MIS. Ao todo, 977 itens foram restaurados e 200 itens de indumentárias foram acondicionados, além de acervo de documentação.

"A gente estabiliza o objeto, tem uma reserva técnica que precisa estar a 20 graus. Por isso, quando o museu foi restaurado, durante esses dois anos de obra, o Iphan participou, com toda parte de engenharia, arquitetura, para poder atualizar toda a parte elétrica e hidráulica aos tempos atuais", explica Balbi.

Carmen brasileira e americana

Os curadores Ruy Castro e Heloísa Seixas - que junto com Júlia Romeu - escreveu a biografia infantil "Carmen - A Grande Pequena Notável" - dividem a exposição na Carmem brasileira e americana, que é mais conhecida mundialmente.

Heloísa conta que ouviu relatos de pessoas falando sobre estrangeiros que visitaram o Rio de Janeiro e não encontraram muita coisa para ver sobre a artista. "Então essa reabertura é muito importante, embora seja pequeno, eu acho que está ficando muito bacana com a reforma e na exposição, nós procuramos acentuar, que é uma coisa que é uma luta nossa, tanto do Ruy, quanto minha, o lado brasileiro da Carmen".

A escritora explica que Carmen Miranda é muito conhecida pelos filmes e figurinos alegres. "Aquela mulher muito exuberante, com figurino colorido, engraçado, com as bananas na cabeça, mas ela tem o outro lado que é a grande artista que ela foi nos anos 30 no Rio, que foi importantíssima para a indústria do disco, do rádio e até do cinema nacional, do qual ela participou no início. Foi um grande ídolo no Brasil, muito jovem, antes de ir para Hollywood. Então a gente acentua muito e dividiu a exposição no lado preto e branco, que é a Carmen dos anos 30 e o lado colorido, que é a Carmen internacional, da Broadway", resume.

Aproveitando o formato circular do museu, o público poderá passear pela obra e história da cantora. "Ela é muito conhecida, mas é mal conhecida. Porque ela é conhecida de uma forma superficial. Todas essas iniciativas ajudam, o próprio livro do Ruy e o livro infantil que eu e Júlia fizemos e tem sido muito adotado nas escolas, e nós fizemos essa peça que está percorrendo o Brasil, em cartaz há três ou quatro anos e é um sucesso. Esteve no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e no segundo semestre viaja pelo interior de São Paulo, por várias cidades", conta Heloísa.

Além do acervo com peças que ela usou em seus shows e até no Oscar, as sandálias plataformas tamanho 33/34, que a artista que media 1m52 usava em suas apresentações, acessórios, como pulseiras e braceletes, imagens e textos, a exposição terá ainda um rádio representativo tocando músicas dos anos 30 da artista e uma TV com os musicais dela no lado Hollywood.

"A gente teve que fazer uma coisa muito concisa porque o espaço não é grande, mas toda a programação visual da exposição está muito bonita", completa Heloísa.

O funcionamento do museu, que terá entrada gratuita, será de quarta à sexta-feira, de 11h às 17h e sábado, domingo e feriados de meio-dia às 17h.

"Tem uma saia da Carmen Miranda que foi uma das primeiras que ela levou do Brasil para os Estados Unidos, é uma saia elaborada por ela mesma, de 1939 com um turbante também que estará composto em um manequim. Tem também um traje que não pode ser colocado no manequim depois da restauração, mas que tem uma réplica que estará no manequim e o original vai estar inclinado em uma vitrine, que é da entrega do Oscar, de 1941, que ela esteve lá para representar o filme", conta César.

Conhecida internacionalmente como "Brazilian Bombshell" ("Bomba brasileira"), Carmen estreou em 1940 o filme musical "Serenata Tropical", lançado especialmente pela Twentieth Century-Fox para apresentá-la. O longa gerou uma receita de $ 2 milhões de dólares e recebeu três indicações ao Oscar.

A exposição "Viva Carmen" recebeu esse nome porque pretende trazer o espaço de volta para as escolas, os pesquisadores e dizer que a Carmen continua viva.
"Ela ainda é vista em todos os seguimentos artísticos, inclusive como tema da Segunda Guerra Mundial, como o tema da política da boa vizinhança, da trajetória dos anos 30, esse lado da Carmen, as pessoas precisam conhecer. Antes de se tornar cantora, ela veio de Portugal, ela era imigrante, veio com 10 meses e 10 dias", conta Balbi.

'Uma mulher extraordinária'

Ruy Castro destaca que Carmen cuidou sozinha da carreira internacional dela, sem pedir ajuda de ninguém: "Sempre tomando as melhores decisões, fazendo os contratos, escolhendo as apresentações. Uma mulher extraordinária, que o Brasil conhece muito pouco, mais pelo personagem que ela fazia no cinema, que era muito engraçado e interessante, mas era só um personagem. Ela na vida real, principalmente aqui no Brasil, onde a carreira dela se parecia mais com ela, é até esquecida e é isso que nós temos que lembrar".

Ele lamenta que a memória da artista seja mais preservada internacionalmente do que no próprio país que ela cresceu e começou sua carreira. "Os americanos sabem o que fazem. Quando tem uma pessoa com uma personalidade extraordinária como ela, não abandonam nunca, exploram de todas as maneiras, não deixam que se apague nunca. Aqui nós temos essa mania de deixar para lá", afirma.

Heloísa Seixas explica que todas essas iniciativas, assim como a reabertura do museu são importantíssimas para tornar a história dela ainda mais conhecida.

"É um valor que nós temos dessa mulher fantástica. Num momento em que as pessoas falam tanto da valorização do empoderamento feminino, ela foi uma mulher poderosa, muito pobre, filha de barbeiro, a mãe cozinhava, eram imigrantes portugueses. Ela cresceu cantando no Brasil e se tornou uma das maiores estrelas do Brasil e uma estrela internacional. A Carmen foi durante certo período a mulher mais famosa e mais bem paga do show business internacional. Se a gente está falando de empoderamento da mulher, a gente tem que dar muito valor, fazer com que ela seja cada vez mais conhecida e reconhecida", completa.

A importância de preservar o acervo

O diretor do museu conta que para que o espaço fosse reaberto ao público, foi necessário desmontar "tudo". "Aqui era uma reserva técnica, a gente desmontou tudo, perdemos uma sala de administração do museu para fazer outra reserva técnica porque o que importa é salvar o acervo. Não existe museu sem acervo, a gente trabalha em cima disso. O sagrado é você ver o objeto, saber que aquela pessoa usou", diz.

Ele explica que o custo de restauração de cada peça tem um valor alto, só um turbante que pertenceu à Carmen Miranda, por exemplo, tem o custo médio de restauração que varia de R$ 10 mil a R$ 15 mil. Por fim, ele revela qual é a sensação da montagem final antes da abertura ao público.

"É a mesma sensação que senti há 10 anos, de sempre fazer os projetos, de restaurar. Um objeto restaurado tem que ficar exposto somente de três a seis meses e ficar um ano e meio acondicionado para poder se recuperar. Quando você expõe tem a umidade diferente, tem o movimento de calor das pessoas, ele vai perdendo vida. Tem que estar sempre restaurando e mudando as peças. Desde que entrei aqui, em 1992, a gente está sempre buscando salvar a peça através de restauro, ambientação, climatização", explica.

O museólogo diz que a pandemia veio para despertar o essencial. "Acho que essa política da Secretaria do Estado de Cultura está voltada para isso. Já passei por vários processos aqui dentro, sou museólogo, trabalho com a parte de gestão, sou responsável pelo acervo e tenho um conhecimento da Carmen Miranda através dos objetos, me remete que ela mexia muito com a mão esquerda, pelo suor desse lado nas peças. Ela usava muito a câmera de um lado porque ela tinha uma mancha marrom do lado esquerdo que ela escondia, ela tinha os trejeitos todos de amarrar o cabelo dentro do turbante e a gente vê ainda o suor dentro dos turbantes, da touca. Isso é sagrado, o artista permanece dentro do objeto que traz a energia e atribui valor a ela", conclui.

Mais sobre a estrela 
Carmen Miranda nasceu em Portugal e veio ainda bebê para o Brasil, onde cresceu e foi criada. Trabalhou no rádio, no teatro de revista, no cinema e na televisão. Ela é considerada um ícone e símbolo internacional do Brasil no exterior. Conhecida por seus turbantes extravagantes e coloridas, com frutas tropicais na cabeça, em 1939, ela apareceu pela primeira vez caracterizada de baiana, personagem que a lançou internacionalmente, no filme "Banana da Terra", dirigido por Ruy Costa.

Entre as músicas da artista, que vendeu muitos discos no anos 30, estão: "Barucuntum", "Iaiá Ioiô" e "Taí", composta por Joubert de Carvalho e gravada por ela em 1930. O disco foi um sucesso, vendeu 35 mil cópias no ano de lançamento, recorde para a época e fez Carmen se tornar conhecida como "a maior cantora do Brasil". Sua carreira também está relacionada aos filmes musicais no Brasil, com destaque para "Alô, Alô, Brasil" (1935) e "Banana da Terra" (1939), e nos Estados Unidos.

Foi durante uma apresentação no Cassino da Urca que o produtor norte-americano Lee Shubert, dono da Select Operating Corporation, que administrava metade dos teatros da Broadway, se encantou com o talento dela e a contrata para seu espetáculo intitulado "The Streets of Paris". Desde então, ela teve uma trajetória de muito sucesso no cinema, que entrou em declínio a partir de 1945.

Em 3 de dezembro de 1954, ela voltou ao Brasil após um longo período ausente de 14 anos. Na época, estava casada com o americano David Sebastian e passava por problemas conjugais com o marido, que era alcoolatra. A situação com constantes brigas e desgastes emocionais fizeram com que a artista entrasse em depressão e precisasse fazer uso de medicamentos.

Carmen foi encontrada morta, aos 46 anos, em um corredor de sua casa em Beverly Hills na manhã de 5 de agosto de 1955. A causa da morte divulgada foi que ela teria sofrido um ataque cardíaco.