Hoje, sinto que queria ter a certeza impossível de que iria sair com a nova armação e ninguém iria dizer que ela não havia ficado bem no meu rosto. Tola, eu queria controlar os olhares dos outros sobre mim
Sinto que as pessoas percebem quando a gente se gosta. E isso não tem a ver com o que
se compra em lojas - Arte: Paulo Márcio
Sinto que as pessoas percebem quando a gente se gosta. E isso não tem a ver com o que
se compra em lojasArte: Paulo Márcio
Estou vendo a vida com óculos novos. Ainda sofrendo para me adaptar às lentes multifocais que nunca usei, é verdade. Mas estou feliz por usar armações que escolhi sem um ritual que me dominava antigamente em situações como essa. Há alguns anos, sempre que me deparava com a troca de óculos, eu vivia um dilema sem fim sobre a escolha do modelo. E aquilo virava uma maratona: experimentava vários deles, em óticas diferentes; registrava em fotos, mostrava os cliques para algumas pessoas e pedia infinitas opiniões. Hoje, sinto que queria ter a certeza impossível de que iria sair com a nova armação e ninguém iria dizer que ela não havia ficado bem no meu rosto. Tola, eu queria controlar os olhares dos outros sobre mim.
Desta vez, no entanto, a escolha não demorou muito. Bati o olho em um redondinho de aro vermelho, coloquei no rosto e gostei. E, para impedir que eu repetisse toda aquela maratona de antes, a bateria do meu celular acabou enquanto eu estava na ótica. Assim, não havia como tirar fotos nem enviar cliques ou mensagens em busca de cumplicidade para uma escolha.
Poderia até voltar outro dia acompanhada de um aval que aliviasse a minha insegurança. Certamente, faria isso em outras épocas. Mas eu já estava decidida. Ainda ouvi a opinião generosa das duas mulheres que me atenderam na ocasião e resolvi fazer a encomenda. Uma semana depois, na hora de buscá-los, já saí com os novos óculos da ótica. Ainda tentando me adaptar ao multifocal, mas feliz por ter emoldurado o meu rosto com uma escolha minha. Curiosamente, logo encontrei com uma amiga na rua e ela me disse: “Que óculos lindos!” Sinto que as pessoas percebem quando a gente se gosta. E isso não tem a ver com o que se compra em lojas.
Pode parecer tolice que uma simples armação represente tanto. Mas ela é apenas um exemplo de como a opinião do outro me dominava. É claro que é sempre bom ouvir elogios. Ou ponderações sinceras. Essas, sim, me interessam. Mas antes eu deixava que a visão de fora determinasse como eu me sentia. E, quanto mais dava a tantas pessoas o poder de me avaliar, menos satisfeita ficava. Afinal, a chance de ouvirmos opiniões diversas e incompatíveis é enorme.
Assim, sinto que já venho enxergando a jornada de uma maneira diferente há algum tempo. Venho ampliando o meu campo de visão e entendendo que o olhar do outro não pode ser controlado. Sim, estou vendo a vida com óculos novos. E com lentes que não estão à venda em nenhuma loja, mas que eu mesma passei a fabricar dia após dia.
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