Anna Beatriz é aluna da ONG Do Morro Para o Ringue Bruno Kaiuca/Agência o Dia

Rio - Criada em 2017 no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, na Zona Norte, com a ideia de mostrar a crianças e jovens a importância e o valor do esporte, a ONG 'Do Morro para o Ringue' oferece aulas de boxe a 230 alunos em um espaço emprestado, na sede da UPP de Benfica, na Zona Norte.

Foi graças ao projeto, idealizado por Bruna Mendes, de 27 anos, e o marido, Gláucio Rodrigo, de 37, conhecido como Duck, que dois jovens alunos foram convocados para a seleção carioca de boxe para disputar o Campeonato Brasileiro. É o caso de Anna Beatriz Oliveira, 18 anos, moradora da comunidade e aluna do projeto desde os 14. Ela tem uma história de superação e sonha alto.
"Em 2021 eu participei do Campeonato Brasileiro de Boxe, onde representei o estado do Rio de Janeiro, e lá garanti a medalha de bronze. Em 2022, eu iniciei o ano treinando bastante para o meu segundo campeonato nacional, mas, fiquei um tempo parada por conta do acidente", recorda.

Um afogamento em uma praia quase acabou com o sonho de Anna. "Não sei dizer muito sobre essa história de superação. Mas minha mãe me disse que fui lavar a cabeça no mar e a água me puxou para muito longe. Eu afundei. Fiquei de 15 a 20 minutos debaixo d'água e os Bombeiros tiveram muita dificuldade para me achar. Quando me acharam eu estava desacordada, sem pulsação e tudo mais. Começaram a fazer os primeiros socorros ali na areia mesmo", diz.

Anna, desacordada, foi levada de helicóptero para o Hospital Souza Aguiar, onde ficou em coma e intubada. "Acordei dias depois sem saber o que estava fazendo ali e aos poucos minha mãe foi me contando sobre tudo o que aconteceu", recorda.

"Tive meus órgãos 100% tomados pela água, eu acho que foi uma recuperação rápida, mas fiquei muito angustiada porque eu não fiz uma luta que já estava marcada", completa.

Persistente

O acidente aconteceu no dia 27 de fevereiro de 2022 e ela recebeu alta no dia 7 de março. Apenas uma semana depois voltou aos treinos.

"Depois de tudo isso eu me preparei para o campeonato estadual, eu estava tão ansiosa que, na madrugada antes da luta, eu passei mal. Eu não queria contar pra minha mãe se não nem ela e nem os meus treinadores iriam deixar eu lutar. Mas eles ficaram sabendo e tentaram me convencer a não lutar", afirma.

Anna foi persistente e decidiu lutar, mesmo sem estar 100% fisicamente: "Eu perdi a luta, mas fiquei muito feliz por ter voltado a fazer a coisa que eu mais amo atualmente. Depois do estadual eu fui para o nacional onde eu também saí com a medalha de bronze, após ter feito três lutas com adversárias duríssimas".

Um mês depois, a atleta foi para o Jogos Abertos em São Paulo, onde se consagrou campeã com a equipe de Santos. "Ainda em 2022 eu fui selecionada para fazer uma base de treinamento juvenil na seleção brasileira de boxe e pude fechar o ano com chave de ouro depois de todo o acontecimento", relembra Anna sobre o carrossel de emoções que passou no ano passado.

Esse ano, ela foi campeã estadual, se classificou novamente para o Campeonato Brasileiro, mas caiu nas quartas de finais. Como ficou em terceiro lugar, ela ganhou uma bolsa de R$ 11 mil, parcelada em 12 vezes (R$ 916 mensais). Ela ajuda com as despesas da família e tem muitos sonhos.

"Eu ajudo em casa porque minha mãe está desempregada. O meu maior sonho é dar uma casa própria para minha mãe do jeitinho dele e mudar a vida da minha família. É o meu maior objetivo no esporte. Além de um dia ter a chance de defender a camisa do Brasil", afirma Anna, que divide a mesma casa com a mãe, uma sobrinha e mais seis irmãos.

Cinco meses sem aulas

Bruna e Duck ficaram cinco meses sem dar aulas depois que tiveram que deixar o primeiro espaço que conseguiram para dar as aulas, na Associação de Moradores do Tuiuti, e voltaram aos treinos nas ruas, onde tudo começou. O sol, a chuva e outras dificuldades de treinar ao ar livre acabaram desanimando o casal.

"Ficamos uns cinco meses sem dar aula. Então eu tive a ideia de perguntar em uma UPP, que ficava em frente à Cadeg (em Benfica) se cederiam uma sala. Eles pediram a documentação e deu certo. Fizemos um acordo de cooperação", revela.
Atualmente, eles contam com duas salas: uma de educação, que articula com a sala de esporte, além de uma equipe de psicologia e psicopedagogia para crianças deficientes.

"Hoje somos uma referência no bairro, as escolas indicam pelo nosso trabalho árduo. Porém o espaço, por ser Militar, não está dando mais para ficar. infelizmente estamos à procura de um espaço para sair, está difícil. Somos todos voluntários, não temos grana para pagar os professores", explica.

Eles não recebem incentivos públicos para manter o projeto, que é mantido com a doação de cinco pessoas físicas. Segundo Bruna, esse valor gira em torno de R$ 2 mil mensais.

Boxe para ressocializar após prisão

Professor de boxe, Duck ficou preso por sete anos pelo crime de tráfico de drogas e foi no presídio que ele se ressocializou por meio da luta.

"Passei por uma fase difícil e depois tive uma oportunidade de um empresário na Tijuca. Ele me deixou treinar boxe na academia dele, me deu um emprego na faxina e, depois de um tempo treinando e competindo boxe, ele me indicou para o curso de instrutor de boxe e virei professor", diz.

Assim que começou a dar aulas de boxe na academia, foi se especializando cada vez mais com cursos e começou a dar aulas particulares pela zona sul e Barra da Tijuca.

"E foi nessa jornada que conheci a Bruna, ela começou a treinar comigo. E com o tempo ela falou comigo que queria começar a dar aulas de boxe para a molecada lá do Morro do Tuiuti. Eu falei para ela que naquele momento para mim não dava porque eu estava me preparando para lutar inclusive", lembra.

"Ele no início achou a ideia estranha e não o quis se envolver. Eu comecei sozinha, subia o Morro do Tuiuti (prédio Minhocão) e ensinava para umas oito crianças, passando uma semana já tinha mais de trinta querendo treinar e eu falei com ele, 'você precisa vir comigo, não dou conta deles todos'", conta Bruna.

Pouco tempo depois, Duck topou participar do projeto e se apaixonou. "Após um ano e meio, já não dava mais para dar aula em espaço aberto como era, por conta da chuva, dos materiais que tínhamos, então tivemos uma oferta de mudar de local dentro do morro e fomos. Era uma antiga associação, um lugar emprestado, ficamos mais ou menos três anos lá, fizemos reforma, tínhamos mais de cento e cinquenta crianças ativas só com o boxe olímpico", diz a professora de boxe.

"Hoje cresceu tanto que o espaço está pequeno, estamos correndo atrás de um espaço maior e que seja nosso", completa o professor de boxe.
A ONG atualmente recebe doações por meio do Pix com a chave de CNPJ: 39.698.455/0001-68. Mais informações no perfil do Instagram do projeto.