Pesquisadores realizaram entrevistas com moradores do Complexo da MaréDivulgação / Douglas Lopes

Rio - Um estudo inédito aponta a realidade enfrentada por crianças que moram no Complexo da Maré, que reúne 16 favelas, na Zona Norte do Rio. A pesquisa "Primeira Infância na Maré", que será lançada nesta quarta-feira (27), às 16h, no Galpão Ritma, no Parque Maré, expõe a falta de acesso a direitos e práticas de cuidado, a exposição à violência armada e a pobreza extrema desta população.
"Hoje o meu maior desafio cuidando da minha neta, de 5 anos, foi a dificuldade de colocar ela em uma escola, não tinha vaga. No momento em que ela chegou eu e meu marido estávamos desempregados e tendo que cuidar dela, sendo ela filha de dependentes químicos", relata Regina Lucia dos Santos, de 57 anos, moradora da comunidade. 
Cerca de 15 mil crianças até os 6 anos vivem no território, o que representa 12,42% dos moradores da Maré. A pesquisa, portanto, tem o objetivo de reforçar a necessidade da implementação de políticas públicas na região.
Ao todo, foram aplicados 2.144 questionários com responsáveis de crianças em visitas domiciliares durante a pandemia de covid-19. Nesse período, crianças e adolescentes tiveram aulas suspensas e perderam uma rede de apoio como a merenda escolar, entrevistas com profissionais de redes de proteção e apoio à primeira infância como professores, assistentes sociais e profissionais de saúde.
O levantamento identificou que 54,1% das famílias entrevistadas tiveram dificuldade com alimentação durante a pandemia sendo que, em 11,8% dos casos, alguém da família deixou de comer ou pulou refeições para não faltar alimento para as crianças.
"Estes dados demonstram uma demanda por uma rede sólida e permanente de proteção social na Maré e reforçam a necessidade urgente do Poder Público garantir direitos básicos para as crianças de favelas, direitos que não estão sendo efetivados e são negados a esta população", afirma a diretora da Redes da Maré e coordenadora da pesquisa, Eliana Silva.
O estudo também evidenciou que as principais dificuldades vão da inexistência ou dificuldade de acesso a atividades de lazer, cultura e esporte à exposição da violência. Dos entrevistados, 38,2% responderam que crianças sob seus cuidados já presenciaram algum tipo de violência.
Outro fator que afeta a qualidade de vida dos menores são operações policiais que ocorreram próximo a escolas e creches, impactando diretamente o cotidiano, não só com a suspensão de aulas, mas pelo dano causado à saúde mental. Somente no ano passado, 62% das ações ocorreram próximas a escolas e creches, impactando diretamente na vida dos alunos. A pesquisa demonstrou que determinadas unidades escolares não fazem uso de áreas externas aos equipamentos devido à proximidade com grupos armados no território.
Já em relação à saúde, 96,7% das famílias afirmaram que filhos e netos possuem Caderneta da Criança e 92,0% as usam principalmente para a vacinação. Porém, 64,6% declararam enfrentar algum tipo de dificuldade no acesso ao direito à saúde e a equipamentos públicos na comunidade.
"Sabemos da potência deste território e da importância de garantir às nossas crianças uma vida digna, feliz e com pleno acesso a direitos. É neste sentido que reivindicamos, por um lado, as mudanças necessárias e por outro, a valorização das experiências únicas que acontecem aqui", conclui a coordenadora da pesquisa.