Viviana Flôr foi aluna da ONG e atualmente é instrutora e ajuda a formar novas alunasReginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio - Há 10 anos, Stella Moraes, 38 anos, fundou a ONG Anjos da Stellinha, que inicialmente atendia crianças e depois passou a ter o olhar voltado para mulheres mães, moradoras do Morro dos Macacos, na Zona Norte, em trabalhos sociais. Quando iniciou as ações, talvez ela não imaginasse onde chegaria.

Além de formar cerca de 150 mulheres por mês em cursos profissionalizantes oferecidas na ONG, a idealizadora do projeto cruzou o oceano e viajou para Portugal esse mês, onde palestrou no dia 21 de setembro sobre sua expertise na tecnologia social no Humanity Summit.
O evento reúne uma diversidade de especialistas na defesa dos direitos humanos, membros da sociedade civil, chefes de Estado, políticos, agentes de mudança, investidores de impacto e líderes de empresas com o objetivo de criar uma plataforma que impulsione as mudanças urgentes e necessárias no mundo.

Para conseguir viajar para Portugal e palestrar sobre a tecnologia social criada por ela, Stellinha realizou uma vaquinha e arrecadou doações que totalizaram cerca de R$ 20 mil, o que ajudou nas despesas com passagens aéreas, hospedagem e alimentação.

"Essa tecnologia social chamada 'Mãe muito mais' foi criada no meio da pandemia, porque a gente fez uma ação grande, de muitas semanas chamada isolamento social sem fome, onde a gente arrecadava cesta básica e distribuía para a comunidade do Morro dos Macacos, a fim de minimizar os efeitos da insegurança alimentar", conta.

Além disso, ela descobriu, por meio de pesquisas, que essas mulheres tinham uma falta de garantia de acesso aos direitos, a emprego e renda e cursos profissionalizantes. Então, decidiu oferecer um curso de cinco meses para capacitá-las.

"Durante três meses elas tinham geração de conteúdo com psicólogas, pedagogas, psicopedagogas da ONG, terapeutas, trabalhando a questão da saúde mental, da cidadania, da educação continuada, do estímulo à capacitação profissional, empreendedorismo. A gente também convidou gestores públicos para poder também dar aula".

Casa de qualificação


O projeto 'Mãe Muito Mais' foi inspiração para que a ONG montasse a Casa de Qualificação Profissional, que acontece na sede, localizada no Grajaú, Zona Norte do Rio, e oferece cursos variados: culinária (bolos, cupcakes, lancheiro), beleza, informática e artesanato são alguns deles. Uma das mulheres que se formou em cursos no local é a empreendedora Nathalia Lavrador, 35 anos, moradora do Morro dos Macacos, mãe de Mariana Lavrador, 5 anos.

"Comecei alguns cursos pela necessidade, como por exemplo o de tranças. Minha filha é autista, tem o cabelo crespo tipo 4c e eu não sabia fazer tranças. Toda vez que eu a levava para o salão, ela saía linda porém em crise, chorando, muito nervosa. Eu vi a necessidade enorme de aprender para fazer o cabelo da minha filha no tempo dela, com toda paciência que uma mãe atípica teria. E graças a Deus eu aprendi e faço o cabelo dela", conta.

Além disso, Nathalia também se formou no curso de Informática, que a ajudou a sair do analfabetismo digital e o de laços, que tem sido sua principal fonte de renda.

"Esse curso de laços chega a me emocionar, porque desde o nascimento da minha filha eu deixei a carreira de técnica de enfermagem para me dedicar totalmente à maternidade atípica, já que a demanda era muita. E fiz o curso de laços por indicação da minha psicóloga, já que estava entrando em depressão. Fui me identificando, me apaixonando e hoje sou empreendedora, me vejo novamente no mercado e, ao mesmo tempo, ser presente com a minha filha", vibra.

Roberta Santos começou aluna do curso de Informática e hoje cuida do setor administrativo da ONG. Ela explica que as alunas de gastronomia, após se formarem, viram fornecedoras do café das mães, uma cafeteria localizada na entrada da casa e aberto ao público, de segunda a sexta-feira, de 8h às 17h30.

"Os produtos preparados nas aulas são vendidos no café e volta de lucro para a compra de insumos e materiais. Além disso, depois que elas se formam, elas viram nossas fornecedoras, além de trabalharem por conta própria", destaca.

Atualmente, o curso profissionalizante atende mulheres moradores das comunidades dos Macacos, Complexo do Lins, São João e Andaraí.

Família assistidas

Antes de criar a ONG, Stella fez um trabalho em abrigos de crianças e ouvia dos técnicos do local justificativas vistas por ela como marginalização da pobreza feminina. As crianças eram retiradas dos lares em que mulheres estavam em situação de alcoolismo, violência doméstica, mulheres em sobrecarga materna e sem trabalho e outros.

"Tudo que na verdade o Estado teria que dar conta, essa criança era retirada do lar e estava fadada a nunca mais ter um convívio familiar por causa da marginalização da pobreza. Então, eu resolvi criar a ONG para atender essas crianças. Porém, depois mais ou menos uns 3, 4 anos eu percebi, através de pesquisas e monitoramento de rastreio, quando a gente chamava essa família de novo para fazer uma pesquisa, a gente percebia que a sustentabilidade do impacto era curta", afirma.

Segundo Stella, quando essa criança voltava para o lar adoecido, toda a intervenção da ONG não funcionava. "E foi aí que a gente começou a mudar a tecnologia social, a metodologia, e eu criei uma outra tecnologia social que se chama 'quadrilátero de apoio', onde há 10 anos a gente aplica em famílias chefiadas por mulheres. A gente trabalha com a mulher, com a mãe e com as crianças. Elas ficam conosco de 3 a 5 anos, onde a gente faz intervenções em quatro eixos, por isso quadrilátero, que é a saúde mental e bem-estar, a integração social, a educação e a proteção social integral", conta a idealizadora.

Atualmente, elas atendem cerca de 25 famílias por ano, oriundas da comunidade dos Macacos. É o caso de Viviana Flôr, 38 anos, mãe de dois: um adolescente autista de 18 anos e uma menina de 3. Ela é uma das mulheres assistidas pelo projeto há quase dois anos. Viviana foi aluna do curso de bolos e hoje é instrutora e dá aulas no curso para que outras mulheres aprendam a ganhar dinheiro e cresçam profissionalmente.

Em sua trajetória nos últimos anos, ela cita um momento de dor: quando perdeu a mãe em 2021 por problemas de saúde, o que desencadeou uma depressão. "Comecei a fazer cursos de qualificação profissional para sair um pouco da depressão. Fiz o curso de bolos caseiros e pães. Minha mãe era meu pilar, me ajudava muito. A Stellinha me chamou para conversar e virei mãe assistida, fazendo tanto cursos de qualificação, como atendimento psicológico, tive momentos de muita tristeza por segurar o luto, me achar impotente, não tinha forças para nada", desabafa.

"Saio muito grata por tudo o que passei, aprendi a controlar minha ansiedade, meus sentimentos. Aprendi a ser mais racional, pensar mais em mim e me enxergar como potência que eu não achava que eu era. Eu buscava esse valor nas pessoas e só ouvia palavras que eu não conseguir".

Com a ajuda do projeto, Viviana conseguiu concluir o Ensino Médio através do Enceja, entrou no pré-vestibular no CAP-Uerj e já sonha em concluir uma faculdade.

"Hoje o bolo, que nem sabia de onde veio, descobri que foi a primeira coisa que fiz para minha mãe, aos 9 anos. Hoje sei que minha história vem dali. Me enxergo como mulher preta periférica, que tenho muita potência, que posso tudo, sei que sou capaz de chegar lá. Consegui um selo de qualificação, estou me destacando. Me vejo agora uma mulher que jamais me via antes. Estou me emocionando, passa um filme na minha cabeça. Esse ano eu saio feliz como mãe, empreendedora, uma nova mulher capaz, potência pura e que eu posso estar onde eu quiser".

Referência de Bangu para o Grajaú

A empreendedora Luana Lopes decidiu investir na produção e venda de donuts gourmet há dois anos, durante a pandemia. Atualmente, ela vende os doces em uma food bike que fica localizada em Bangu e acaba de estrear como professora na Anjos da Stellinha. A ideia é ensinar todo o aprendizado, descoberto pela internet, para contribuir para que outras mulheres se capacitem e conquistem sua independência financeira.
"Está sendo muito gratificante. Fui convidada pela Stellinha para estar aqui. A gente se conheceu num projeto de aceleração para mulheres empreendedoras de comunidade. Ela foi uma das mentoras, conheceu meu trabalho e se interessou de trazer para cá. Foi uma novidade para mim também dar aulas", diz ela, que afirma bater uma média mensal de cerca de R$ 8 mil.

Stellinha tem a sensação de dever cumprido toda vez que ouve e se emociona com relatos de mulheres atendidas nos projetos, seja nos cursos profissionalizantes ou Quadrilátero.

"É gratificante porque me vejo muito na história delas. Sou mãe de cinco filhos, sou uma mulher negra, vinda de três casamentos, sou ex-camelô, ex-empreendedora, sei o quanto é difícil você criar filhos de outros casamentos, como é difícil se manter com saúde mental e gerar renda e dar conta de ser mãe e tudo isso com as cobranças da sociedade. Cada vitória que elas me trazem para mim é uma vitória pessoal e gente tem uma ligação pessoal. Não sou aquela administradora que fica atrás da mesa, sento o tempo todo com elas para ver o que está dando certo ou errado", diz.

"Acho que é por isso que nossos trabalhos são tão impactantes. A gente faz um trabalho de forma colaborativa. A gente consegue intervir e fazer com que essa mulher, através do autoconhecimento e do suporte e ferramentas que a gente oferece, alce novos voos a partir da vulnerabilidade dela. Ela vira uma potência, é incrível acabar tão de perto cada mulher dessas", conclui.
Serviço - Café das Mães
Endereço: Avenida Engenheiro Richard, 25 - Grajaú
Funcionamento: de segunda à sexta-feira de 8h às 17h30
Informações: (21) 3496-5760