Rio - Após questionamentos do Ministério Público Federal do Rio (MPF), o Ministério da Justiça e Segurança Pública decidiu adiar, nesta quarta-feira (4), o envio da Força Nacional para reforçar a segurança pública no estado do Rio de Janeiro. No documento, existem questões e exigências sobre o apoio da Força Nacional às polícias estaduais do Rio de Janeiro.
Segundo o ministério, em respeito ao MPF, o secretário executivo Ricardo Cappelli irá ao Rio de Janeiro para conversar com o procurador da república autor dos ofícios, para tentar reverter o adiamento.
De acordo com o MPF, algumas determinações devem ser cumpridas no decorrer das operações, como uso de câmera nos uniformes das forças policiais, atendimento médico e socorro aos feridos, garantia das atividades da comunidade escolar e prévio aviso sobre a atuação dos agentes da comunidade.
No documento, enviado também nesta segunda-feira (2), a procuradoria regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro deu um prazo de 10 dias para o ministério informar se as ações promovidas obedecerão aos comandos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no Caso Favela Nova Brasília, e do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635, ou, ainda que na retaguarda de eventuais operações estaduais, se os órgãos federais consentirão com o eventual descumprimento de pontos estabelecidos na referida ADPF.
Em nota, o Ministério da Justiça informou que aspectos questionados ficarão suspensos até a realização da reunião com o procurador da república, para pleno esclarecimento do que ele postula e viabilização da presença da Força Nacional no Rio, conforme solicitado pelo governador do Estado.
As ações que não foram objeto dos ofícios do MPF serão mantidas como o patrulhamento ostensivo nas rodovias federais, ações em portos e aeroportos, inteligência policial e investigações de quadrilhas, operações de polícia judiciária, com o cumprimento de mandados, abrangendo a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco).
Em nota, o governador Claudio Castro informou que foi comunicado sobre o adiamento do envio da Força Nacional e ressaltou que nas últimas duas semanas houve uma grande cooperação entre os governos federal e estadual, para a articulação de uma ação conjunta no Complexo da Maré e em outras regiões, tendo como premissa o respeito à lei e às determinações do Supremo Tribunal Federal.
"A união com as forças federais é inadiável e está acontecendo, ainda que não tenhamos o suporte da Força Nacional às polícias estaduais neste momento. A parceria segue firme na área de inteligência e no melhor controle das nossas fronteiras. É importante lembrar que o caso em questão é fruto de meticulosa investigação, que durou cerca de dois anos, onde identificamos a atividade criminosa de mais de mil bandidos no Complexo da Maré. Isso somente foi possível graças ao maior investimento feito em nossas polícias em toda a nossa história", afirmou o governador.
Ainda na nota, o governador ressaltou ainda que 'a sociedade e as instituições precisam compreender que o enfrentamento às organizações criminosas somente será possível com a força e união dos estados e do governo federal'.
"Vamos seguir firmes no combate, seja onde for, contra esses criminosos que aprisionam famílias e crianças e levam o terror e a opressão a esses territórios. Repito o que tenho dito: não há lugar onde o Estado não entra", completou.
Determinações
Segundo determinado pelo STF na ADPF 635, sempre que houver emprego de força não relacionado às atividades de inteligência, todas as forças policiais deverão fazer uso de câmeras, inclusive o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core). As informações das câmeras deverão ser enviadas ao Ministério Público e disponibilizadas à Defensoria Pública, além de ser franqueado o acesso a eventuais vítimas da ocorrência e seus familiares, por meio de seus representantes legais.
O STF também determinou que sejam elaborados protocolos de atuação policial públicos e transparentes, inclusive mediante garantia das atividades da comunidade escolar e prévio aviso a ela sobre a atuação das forças de segurança. A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial poderá ocorrer somente quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas posteriormente, e que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.
Por fim, o STF decidiu na ADPF 635 que devem ser prestados serviços médicos aos feridos em decorrência da atuação dos agentes de segurança do Estado, por meio da disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados.
O ofício foi expedido no âmbito de procedimento administrativo do MPF que acompanha o cumprimento da sentença da Corte Interamericana, no Caso Favela Nova Brasília, e voltado a medidas de prevenção da responsabilidade internacional do Brasil e ao monitoramento e acompanhamento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 635.
Vários questionamentos têm sido realizados às instituições de Estado sobre o cumprimento da sentença internacional e das decisões da Suprema Corte. Não há, porém, resposta satisfatória do Estado do Rio de Janeiro até a presente data. Segundo o MPF, há pouca clareza na prestação de informações quanto ao cumprimento das decisões proferidas na ADPF 635.
Tráfico na Maré
A Polícia Civil solicitou, após investigações nos últimos anos, o pedido de prisão de 1.128 traficantes da região. Nesta segunda-feira (2), requisitado pelo governador Cláudio Castro, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, autorizou o envio de 300 agentes da Força Nacional para a cidade do Rio. Os oficiais ficarão encarregados, a partir da próxima semana, de fiscalizar a movimentação nas principais vias da Maré com o objetivo de diminuir a criminalidade na área.
A região é localizada próxima às principais vias expressas, incluindo as Linhas Vermelha e Amarela, Avenida Brasil, também no caminho para o Aeroporto do Galeão. Por isso, é cobiçada por parte das organizações criminosas que desejam o território para facilitar a distribuição de drogas e armas para várias partes do estado.
A disputa territorial ocorre entre o Terceiro Comando Puro (TCP) e o Comando Vermelho (CV), duas das maiores facções de narcotraficantes. Os conflitos entre os criminosos acontecem cotidianamente na comunidade. Os grupos têm levado uma concentração significativa de armamento de guerra na região, tornando-a uma das áreas perigosas do Rio.
Força-tarefa na comunidade
A atuação conjunta no Complexo da Maré contará com estratégias tecnológicas com uso de drones, inteligência artificial, reconhecimento facial e câmeras portáteis. O conjunto de ações, no entanto, não se trata de uma ocupação e, segundo o Governo do Rio, haverá operações pontuais que podem ser expandidas para outros locais.
Cláudio Castro disse que as polícias do Rio ficarão responsáveis por regiões conflagradas. "Apesar de ser um trabalho em conjunto, a coordenação de áreas mais sensíveis ficará com o Rio de Janeiro, pela experiência das nossas forças. Assim, a gente não coloca outros agentes em risco. Não falaremos em data para não tirar o fator surpresa da operação policial", concluiu.
Na última sexta-feira (29), Castro se reuniu com o secretário-executivo do MJSP, Ricardo Cappelli, para discutir o combate à criminalidade no Rio. Na ocasião, foi anunciada a implementação do Comitê Permanente de Inteligência no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), com a atuação das quatro forças de segurança pública: Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal.
Além da Força Nacional, o Governo Federal também disponibilizou R$ 247 milhões em recursos para o Rio de Janeiro, sendo R$ 95 milhões destinados à construção de presídios de segurança máxima.
De acordo com as informações até agora apresentadas, a atuação de agentes federais ocorrerá na retaguarda das ações estaduais e haverá também patrulhamento ostensivo pela Polícia Rodoviária Federal.
Caso Favela Nova Brasília
As sentenças do Caso Favela Nova Brasília e na ADPF 635 estão conectadas por casos de violência policial no Rio de Janeiro. O primeiro trata de duas operações policiais em 1994 e 1995 na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que resultou em 26 homens vítimas de homicídio e três mulheres vítimas de violência sexual. Foi a primeira sentença em que o país foi condenado em âmbito internacional por reconhecida violência e negligência policial.
ADPF 635
Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 também conhecida como ADPF das Favelas, foi proposta em 2019, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para tratar da coibição da violência policial no Rio de Janeiro. A ação requer medidas, por parte do Estado do Rio de Janeiro, para reduzir a letalidade policial. Em junho de 2020, no auge da pandemia de coronavírus, o STF proferiu decisão cautelar suspendendo a realização de operações policiais, salvo em circunstâncias excepcionais.
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