O jornalista Mauro Ventura e o seu mais recente livro, Os grandes casos do Disque DenúnciaCleber Mendes / Agência O Dia

Rio – Em 1995, o serviço de combate ao crime Disque Denúncia tinha apenas três meses de atividade quando três jovens, filhos de empresários, foram sequestrados na cidade do Rio. Era 25 de outubro e os estudantes Marcos Fernando Chiesa, Eduardo Eugênio Gouveia Vieira Filho e Carolina Dias Leite foram raptados em um intervalo de menos de 12 horas, nas zonas Sul e Oeste. Os casos não foram planejados pelas mesmas quadrilhas e tampouco foram uma coincidência. Desde 1990, o Rio tinha uma alta nos números de sequestros.
Com dois dos três sequestros solucionados rapidamente com a ajuda de informações recebidas pelo Disque Denúncia - em operações policiais sem violência física, com a soltura dos reféns e prisão dos criminosos - , o serviço ganhou holofotes da mídia e entrou no radar da sociedade, apoiado na garantia do anonimato, seu pilar básico. Para se ter uma ideia, no dia seguinte ao resgate de Carolina, os operadores passaram a receber cerca de 250 telefonemas oferecendo pistas de outros crimes.

Este episódio é apenas um dos seis casos de maior repercussão e sucesso nos 28 anos do serviço, relatado no livro 'Os grandes casos do Disque Denúncia', do escritor e jornalista Mauro Ventura, que será lançado no próximo dia 7 pela Editora Intrínseca, no selo História Real. O livro-reportagem revela bastidores da ferramenta de segurança pública mais duradoura do Rio de Janeiro, além de oferecer um panorama sobre o combate à criminalidade na cidade e no Brasil nos últimos 30 anos.

"Selecionei casos com repercussão grande, impactantes, que o Disque Denúncia efetivamente tivesse contribuindo para a solução, e que também fossem ocorrências que mostrassem os bastidores de um serviço marcado pelo sigilo e anonimato dos denunciantes e das pessoas que lá trabalham, e as várias facetas do Disque Denúncia, para o leitor saber de fato como o serviço é. As pessoas veem o resultado final, mas não têm ideia do esforço que foi feito para isso acontecer. A ideia do livro é colocar o leitor dentro do Disque Denúncia e descortinar como aqueles casos foram solucionados através do programa. Como a denúncia foi recebida, para onde foi encaminhada, como a polícia foi atrás e solucionou o evento", afirma Mauro.
Pela primeira vez, os profissionais do Disque Denúncia, que trabalham sob anonimato, foram ouvidos e puderam compartilhar com o público as histórias por trás desses seis casos emblemáticos.
Além dos casos, a publicação, com 368 páginas, conta ainda com nove apêndices para o interessado se aprofundar mais sobre o Disque Denúncia, com assuntos como o que levou à criação do programa e como funciona o setor de atendimento.
Idealizado por um grupo de empresários, com o apoio do então governador do estado do Rio de Janeiro Marcello Alencar (1995-1999), o serviço do Disque Denúncia funcionava, sob outros moldes, desde 11 novembro de 1994 no Comando Militar do Leste (CML). Criado para auxiliar a Operação Rio, executada para atuar, principalmente, nas favelas, e que tinha como prazo final o dia 31 de dezembro daquele ano, o DD, à época, tinha militares no atendimento das ligações (seis pessoas da Escola de Comunicações do Exército, entre cabos e sargentos), e a ideia central era colher apenas informações da população para ajudar nas ações da Operação Rio, especialmente aquelas ligadas ao crime organizado. Naquele ano de 1994, os índices de criminalidade do estado tinham atingido números ainda inéditos. A taxa de homicídio no estado chegou a 64,8 mortes por 100 mil habitantes, e as favelas tinham se tornado redutos de facções do tráfico de drogas.
Com o encerramento da operação, o serviço migrou para o Centro de Inteligência de Segurança Pública (Cisp), com o objetivo de ter um órgão de inteligência na então Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, atual Secretaria de Estado de Segurança. A dinâmica foi mantida: uma equipe atendia as ligações, filtrava as denúncias e as encaminhava para os órgãos competentes, como batalhões e delegacias, para darem início às investigações.
Foi em 1º de agosto de 1995 que o Disque Denúncia deixou de ser um serviço governamental para ser um parceiro estratégico da Secretaria de Segurança Pública, um serviço tocado por uma instituição sem fins lucrativos. O pontapé para a mudança foi a preocupação de empresários com a onda de sequestros que vinha aterrorizando o Rio de Janeiro. Em reuniões mensais com o governador, eles cogitavam fechar suas empresas e até mesmo mudar de estado, trazendo prejuízos financeiros para o Rio. Enquanto parte do grupo exigia ações truculentas dos policiais, outra parte defendia o uso de inteligência e informações sigilosas. Um dos empresários, o engenheiro Sérgio Quintella, que havia sofrido com o sequestro de seu filho em 1992, havia pesquisado programas estrangeiros de combate à criminalidade e encontrado o projeto estadunidense Crime Stoppers (Bloqueadores de Crimes, em português), cujas ideias principais eram o anonimato do informante, o pagamento de recompensa e a fundação de uma empresa sem fins lucrativos para gerenciar o programa. O fato de ser independente permitiria credibilidade e continuidade. Além disso, policiais não deveriam ser admitidos no atendimento.
Para tocar a iniciativa, os empresários convidaram o publicitário Zeca Borges, que ajudou a desenhar o projeto de uma central telefônica e posteriormente fez a mediação com o governador, o secretário de segurança e o procurador-geral de Justiça para colocá-lo em prática. Zeca ficou à frente da coordenação do serviço por 26 anos, até morrer, em 2021, de infarto, aos 78 anos.
"O Disque Denúncia é a mais eficiente ferramenta de combate ao crime no Brasil. Conseguiu se manter com uma reputação inabalável por quase esses 30 anos. Os crimes no Brasil são midiáticos e violentos, e o Zeca se orgulhava pela baixa letalidade do DD. O criminoso é preso sem o uso da violência. Isso era motivo de orgulho para ele, combater o crime sem morte de policiais e suspeitos. Fora que a equipe é altamente comprometida, sendo o combustível dela salvar vidas. O DD superou muito sua expectativa em termos de efetividade, e o Zeca está por trás disso", diz Mauro.
Mauro e Zeca se conheceram em 1997, quando o jornalista era repórter especial de um jornal carioca e se dedicava à segurança pública e foi escalado para fazer a cobertura jornalística da onda de sequestros que ainda assolava a cidade. Borges tinha o hábito de sugerir pautas aos repórteres: "Era uma troca justa, nós recebíamos informações privilegiadas, que serviam de base para matérias que interessavam aos leitores, e ele comemorava o destaque que o Disque Denúncia ganhava na mídia (...). Com a exposição na mídia, o DD ganha visibilidade, conquista a confiança da população e estimula as autoridades a investigar", conta Mauro, no livro.
Este círculo é ideal para mais empresas se sintam incentivadas a apoiar financeiramente o programa. Porém, nos últimos anos, o Disque Denúncia perdeu 50% do total de delações, porque está trabalhando em um serviço que não é mais 24h, a exemplo do WhatsApp do DD e do aplicativo Disque Denúncia RJ. Segundo Renato Almeida, de 52 anos, coordenador-geral do DD, a redução no horário de funcionamento do serviço aconteceu por conta do corte do apoio financeiro do Estado, em 2016: "Houve um corte de 70% do pessoal que trabalha no Disque (como é carinhosamente chamado pelos funcionários). Até 2016, não tinha esse problema, o Governo do Estado apoiava com recursos. O que recebíamos das empresas era direcionado para melhorias e ações. Precisamos voltar ao serviço de 24h, principalmente para combater os casos de violência contra a mulher, que geralmente acontecem à noite. Estamos com dificuldades de conseguir patrocínios, por isso, precisamos ficar o ano todo mostrando o trabalho do DD para que empresários apoiem, mas sempre temos receio de que cortem", desabafa Renato. O Disque Denúncia custa, anualmente, R$ 3,3 milhões.
Apesar de não ter apoio financeiro do Estado, o Disque Denúncia tem um contato muito estreito com os órgãos de segurança pública. Os próprios analistas de atendimento são treinados por estes órgãos, para que consigam extrair, de maneira efetiva, a melhor denúncia possível em um curto período de tempo e sem coletar nenhum dado que coloque a vida do informante em risco.
Um exemplo do bom relacionamento entre a polícia e o Disque Denúncia foi o recente episódio envolvendo uma jovem chamada Janaína (nome completo em sigilo para preservar a identidade da moça) e o 'tribunal do tráfico', como são conhecidos os tribunais paralelos conduzidos por facções criminosas. Nestes eventos, as execuções são violentas, para atemorizar quem não cumpre as regras das organizações.
De acordo com Renato, Janaína estava vendada entre pneus, em Madureira, bairro da Zona Norte, pronta para ser queimada viva, quando o Disque Denúncia recebeu uma ligação denunciando o crime. O analista que atendeu a chamada, enquanto ainda anotava as informações, levantou a mão para chamar a atenção (protocolo do serviço para casos urgentes), o difusor (pessoa que entra em contato com os órgãos de segurança) foi imediatamente até ele, colheu os dados e ligou diretamente para o coronel do 9º BPM (Rocha Miranda). Pouco tempo depois, um blindado chegou ao endereço a tempo de resgatar Janaína. "Ficamos muito emocionados com este caso dentro do DD. Foi comemorado como se fosse um gol da Copa do Mundo!", lembra, animado, o coordenador-geral. "Seis meses depois, Janaína enviou uma foto em que estava bem, e pediu para agradecer ao denunciante. Mas explicamos a ela que não sabemos quem ele é", completa.
A garantia do anonimato é um dos trunfos do serviço: "Quando a pessoa se sente segura, ela se sente à vontade para dar detalhes, pois sabe que terá o anonimato. Isso também contribui muito para a credibilidade do programa", diz Renato. Uma maneira encontrada pelo DD para manter o informante é dar feedback das investigações. No momento da denúncia, ele recebe um número de protocolo e pode, posteriormente, entrar em contato para saber o que foi feito das informações prestadas por ele, se a investigação está em andamento ou já foi finalizada: "O feedback é um ótimo segredo para a população se sentir satisfeita com o pós denúncia, fomenta novos denunciantes e incentiva os mesmos a continuarem colaborando", acredita o coordenador-geral.
Em termos de resultado, Renato estima que 35 a 42% dos casos registrados são solucionados. Casos como roubo de cargas são resolvidos de forma imediata, mas casos de investigação precisam ser direcionados para a Polícia Civil, então levam mais tempo para serem finalizados.
Quando tem alguma operação policial em andamento, como a última do Complexo da Maré, Zona Norte, que contou com agentes de operações especiais do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Ações com Cães (BAC), tendo alvo as organizações criminosas que dominam a região, o poder público solicita ao Disque Denúncia estatísticas do lugar. Eles avisam quando as operações vão acontecer, para o DD poder reunir as informações. Segundo Renato, o serviço nunca teve nenhum problema com órgãos do Estado, seja com as polícias ou com o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União: "Nunca houve nenhum empecilho em investigações e nem mesmo receio dos órgãos em tratar alguma denúncia", garante Renato.
Nos dias de hoje, os programas do Disque Denúncia são divididos em Desaparecidos, Procurados, Linha Verde, Cidades e Direitos Humanos, legado deixado por Zeca Borges.
"Zeca é a cara do Disque Denúncia. Ele trabalhava no mercado financeiro quando foi convidado para 'tocar' por três meses o Disque Denúncia, na época de sua formação, mas depois comunicou que ficaria. Zeca foi responsável por tudo, ele começou os treinamentos do zero. Ele formou os analistas de atendimento, foi aos poucos profissionalizando as pessoas, as preparando para prosseguissem os trabalhos. Hoje, por exemplo, a gerente de publicidade é uma antiga analista, assim como o gerente atual do Disque Denúncia, que se formou em advocacia. No decorrer do Disque Denúncia, Zeca foi percebendo que a melhor forma de fazer era dessa forma, manter os funcionários orgulhosos do trabalho e com vontade de ficar. Ele também criou programas, viu que o 'Procurados' era uma boa saída e criou junto ao Ministério Público o 'Desaparecidos'. Por fim, criou o 'Linha Verde', voltada para o Meio Ambiente. Não tem como lembrar do Disque Denúncia sem lembrar da figura de Zeca Borges", diz Renato.

A sessão de autógrafos de Os grandes casos do Disque Denúncia está marcada para o dia 7 de novembro, a partir das 19h, na Livraria Travessa do Shopping Leblon, no bairro de mesmo nome, na Zona Sul.


O Disque Denúncia em números até hoje:
- 17 analistas de atendimento;
- Quase 3 milhões de ligações recebidas;
- Mais de 20 mil criminosos presos;
- Mais de 33 toneladas de drogas apreendidas;
- Mais de 42 mil armas apreendidas;
- Mais de 62 mil munições apreendidas;
- Quase 80 mil cargas recuperadas;
- 12 mil animais silvestres resgatados;
- R$ 5 mil é a recompensa máxima, e elas são oferecidas somente para crimes contra integrantes de órgãos da segurança pública.