Mães denunciam discriminação com alunos autistas em escola particular na Taquara, Zona OesteReprodução/Google Maps

Rio - Após as denúncias sobre a suspensão de descontos a alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e com TDAH, o Colégio Aplicação Taquara, na Zona Oeste, reviu a medida, mas apresentou aos responsáveis destas crianças um termo que isenta a escola de oferecer mediação escolar e/ou adaptação. O documento emitido pela escola chega a sublinhar 'mediação escolar', como um dos serviços que não está incluso no contrato escolar. O texto foi apresentado a algumas mães, na segunda-feira (13), chamadas pela escola para retomar o desconto de 40% da mensalidade dos filhos.

O parágrafo 5º do termo descreve os serviços que não são prestados pelo contrato. Estão entre eles estão declarações, reforço pedagógico, mediação escolar e adaptação. Confira imagem abaixo.
Termo enviado a responsáveis exime escola de responsabilidade em oferecer mediação e adaptação a alunos - Reprodução
Termo enviado a responsáveis exime escola de responsabilidade em oferecer mediação e adaptação a alunosReprodução


Para professoras em Direito e Educação ouvidas pelo DIA a conduta é ilegal. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 2015, e a Lei Municipal Nº 7.517, de 2022, garantem o acesso à educação nas escolas privadas.

"Art. 3º As escolas particulares devem garantir no seu projeto político e pedagógico a educação inclusiva, especificando em sua proposta flexibilização curricular, metodologias de ensino, recursos didáticos e processos avaliativos diferenciados para atender as necessidades específicas dos alunos, promovendo as adaptações necessárias para o bom desenvolvimento das atividades propostas", determina a legislação municipal carioca.

A professora da FGV Direito Rio e defensora pública Elisa Cruz explica que crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) também têm os direitos garantidos pela Lei Nº 12.764, de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

"Já existe a previsão que pessoas com espectro autista têm direito a acompanhante especializado na Educação. Esse direito foi confirmado em 2015 quando o Brasil aprovou o Estatuto da Pessoa com Deficiência. A gente tem de fato leis que asseguram mediador e acompanhante especializado para que as crianças sejam colocadas em situações mais igualitárias", explica a professora Elisa Cruz.

A especialista da FGV acrescenta que a garantia foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após uma confederação de escolas particulares entrar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5357, que questionava a obrigação na rede privada. "Desde 2016, o Supremo decidiu que as escolas particulares têm que oferecer mediador e não podem cobrar taxas adicionais", reforça.

A decisão do STF foi unânime ao considerar improcedente a ação. "À luz da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e da Constituição da República, somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", diz parte do acórdão do relator ministro Edson Fachin.
A professora Cibele Carneiro, do Departamento de Direito da UFF, destacou que o direito ao acesso à educação também é garantido por uma lei municipal . "A mediação e adaptação fazem parte da inclusão. A educação tem que ser oferecida de forma ampla. Não se justifica uma cobrança extra por algo que é ordinário. Esse tipo de cláusula estar no contrato dos estudantes é absolutamente irregular e ilegal", analisa a professora Cibele.
Para a professora de Direito da FGV Rio Elisa Cruz a suspensão do desconto das crianças com autismo corresponde a uma ação discriminatória. "Suprimindo direito que já existia por conta da condição da pessoa. Isso é altamente discriminatório". O termo em que a escola também se exime de oferecer mediação está em desacordo com a legislação, avalia a professora.

"Se a gente olhar a partir do Direito do Consumidor essa é uma exigência inválida e uma prática abusiva. A escola está querendo se eximir da sua responsabilidade e transferi-la integralmente para os pais", analisa. "Assegurar a permanência do aluno na escola também é importante porque a criança cria vínculos com as pessoas e lugares. Retirá-los pode provocar regressões. Lidar com crianças com autismo requer profundo cuidado", completa Elisa Cruz.

Já a professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Uerj Annie Redig pontuou que a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva contempla o espectro do autismo.

"A legislação garante que a pessoa com deficiência, com TEA, tenha todo suporte. A escola não pode cobrar a mais pelo que é de direito e precisa garantir planos individualizados de ensino. Tudo que for necessário para garantir o aprendizado. Esse aluno tem que ter direito a ter acesso à educação como qualquer outra criança", explicou Annie Redig.

"As crianças que têm dislexia ou TDAH, por exemplo, também têm direito às adaptações pedagógicas necessárias. O acesso à educação está na Constituição", acrescentou. "Nem todas as crianças precisam de mediador. Às vezes, um plano individualizado já é o suficiente. A escola precisa avaliar qual a necessidade de cada criança", finalizou Annie.

Uma comunicação foi feita ao Ministério Público sobre o caso. A Defensoria Pública do Rio também foi acionada: "No momento, aguardamos o envio da documentação para que possamos prosseguir com o atendimento do caso e encaminhamento da denúncia", informa.

O DIA questionou se a escola gostaria de se pronunciar a respeito do termo em que, no parágrafo 5º, a unidade se exime de oferecer adaptação e mediação escolar, e se o termo foi apresentado a todas as matrículas, ou apenas aos alunos atípicos. O colégio respondeu que a mediação pedagógica faz parte de seu processo ensino-aprendizagem e das atribuições de seus educadores e reforçou que não cobra, nem nunca cobrou por nenhum serviço de mediação e nem cobrará no futuro.
Confira a nota completa:
"O Colégio e Curso Aplicação Taquara sempre se preocupou em oferecer um ambiente acolhedor e de excelência no processo ensino-aprendizagem. Nossa equipe técnico-pedagógica conta, atualmente, com três coordenadores (para cada um dos segmentos) e uma orientadora que atuam na mediação pedagógica de nossos alunos. Além disso, contamos também com estagiários, supervisionados pela orientação pedagógica, reforçando o suporte nas salas de aula com nossos alunos e professores.
O bem-estar e o desenvolvimento de nossos alunos é a essência de nosso trabalho e não medimos esforços para isso. Ressaltamos que a mediação pedagógica faz parte do processo ensino-aprendizagem e das atribuições de nossos educadores, portanto reforçamos que o colégio não cobra, nem nunca cobrou por nenhum serviço de mediação e nem cobrará no futuro também."