Rio - A Comissão de Higiene, Saúde e Bem-Estar Social da Câmara do Rio realizou, na manhã desta quinta-feira (7), uma audiência pública para discutir a proposta do prefeito Eduardo Paes (PSD) de se criar um plano que contemple a possibilidade da internação compulsória de dependentes químicos em situação de rua.
Presidido pelo vereador Paulo Pinheiro (PSOL), o encontro teve como objetivo compreender a legalidade da ação e as suas consequências para o município. "Queremos uma visão dos órgãos públicos de Direito do que pode ou não ser feito pelo Executivo, e o que pode vir a acontecer futuramente", disse o parlamentar.
Na visão do representante da Segunda Promotoria de Tutela Coletiva de Saúde do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Tiago Joffily, a ação planejada pelo Executivo vai em desacordo com a legislação. "A prefeitura diz que ainda não existe uma proposta definida, então o que temos são reflexões em cima de mensagens do prefeito que trazem uma série de inconsistências técnicas tanto do ponto de vista jurídico quanto do sanitário", afirmou.
O promotor pontuou que a Lei Federal 11.343/2006 — a Lei Antidrogas — não admite internação compulsória de dependentes de álcool ou outras drogas, e só prevê a internação voluntária ou involuntária por decisões de profissionais de saúde em situações de crise ou de necessidade de desintoxicação, essa feita em um hospital geral.
O vereador Paulo Pinheiro destacou que é necessária a ampliação da estrutura de saúde mental do município para melhorar o atendimento a dependentes químicos. Segundo ele, a cidade deveria ter um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) para cada 100 mil habitantes, ou cerca de 60 unidades, mas dispõe de apenas 35. "Temos hoje uma inferioridade enorme em relação a outras áreas de equipamentos para saúde mental, e é necessário que isso avance", pontuou.
Em sua fala, a vereadora Luciana Boiteux (PSOL) também cobrou o cumprimento da legislação. Para a parlamentar, a Lei 6350/2018, aprovada pela Casa na legislatura passada, que institui a Política Municipal para a População em Situação de Rua, não está sendo respeitada. "A lei veda a internação em comunidades terapêuticas, algo defendido pelo Executivo. O cuidado e a liberdade são pilares da nossa democracia e quem fere esses princípios deve ser responsabilidade pelo abuso de autoridade".
Coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública, Thaísa Guerreiro chamou atenção para um problema de nomenclatura. Segundo ela, o termo mais adequado ao anunciado pelo prefeito seria "internação involuntária". "Compulsória é quando uma pessoa que comete um crime fora de consciência é absolvida e deve se submeter a um tratamento obrigatório e involuntária é apenas quando a rede de atenção psicossocial não consegue criar um vínculo de tratamento ou um projeto terapêutico para atender quem precisa", explicou.
Para a defensora, é preciso haver maior investimento em saúde, educação e assistência social, "para que as crianças tenham chance de crescer e não ficarem em situação de rua, perpetuando o problema. A internação como saída para um projeto complexo é ineficaz, as pessoas vão sair das clínicas e logo voltarão às ruas", completou.
Censo da população de rua
Representando a Comissão dos Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ, Luiz Octávio Mendonça levantou dados do Censo da População de Rua 2022 da prefeitura, que identificou 7.865 pessoas em situação de rua, das quais 1.227 — cerca de 15,6% — estavam em cenas de uso de drogas.
"É preciso distinguir quem é usuário de quem está na rua por outras questões. A própria prefeitura tem dados consistentes para produzir políticas públicas direcionadas para esses problemas, mas essa me parece mais uma política higienista de uma elite que não quer olhar para essa população. A OAB defende o direito à vida, ao tratamento humanitário e principalmente à saúde", afirmou.
Presente no encontro, o deputado estadual Flavio Serafini (PSOL) ressaltou a necessidade de políticas de abrigamento mais eficazes para a população em situação de rua, principalmente com a implementação de mais Centros de Atenção Psicossocial com atendimento 24 horas.
"Temos visto ações que afastam as pessoas do acolhimento. Não podemos nos deixar levar por matérias que fazem pouco caso da violência sofrida por quem é mais vulnerável. Precisamos nos atentar às ações, para que não se confunda controle com cuidado", alertou.
Também participaram do encontro os vereadores Dr. Carlos Eduardo (PDT), Dr. João Ricardo (PSC) — vice-presidente e vogal da comissão, respectivamente — e Mônica Cunha (PSOL).
Proposta de Paes
O prefeito Eduardo Paes anunciou, no dia 21 de novembro, que determinou ao secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, que prepare uma proposta para internação compulsória de usuários de drogas. De acordo com Paes, a medida é necessária para aqueles que "não aceitam qualquer tipo de acolhimento" e que "mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabam cometendo crimes".
A medida foi apresentada após a morte de Gabriel Mongenot Santana Milhomem, fã da cantora Taylor Swift, na madrugada do dia 19 de novembro, em Copacabana, na Zona Sul da cidade. O jovem, vítima de um latrocínio, foi morto com 23 facadas.
O relato de Paes foi publicado em uma rede social. "Não é mais admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes. Não podemos generalizar mas as amarras impostas às autoridades públicas para combater o caos que vemos nas ruas da cidade, demanda instrumentos efetivos para se evitar que essa rotina prossiga", escreveu o prefeito.
Ao DIA, Soranz informou que a decisão foi tomada após um jovem de 20 anos, em situação de rua, morrer por overdose. “Ele era usuário de drogas e já tinha passado por vários serviços de atenção ambulatorial. Infelizmente, a gente não dispõe desse serviço na prefeitura e no SUS, o prefeito preocupado com o aumento de casos de usuários de drogas morrendo na cidade, pediu para que a gente elaborasse um plano para casos específicos onde há claras indicações médicas para isso”.
A ideia é que as internações sejam de pouco tempo e começando por pacientes em situações mais graves, aqueles que não têm condições de responder pelos próprios atos. O secretário estima que cerca de 130 pessoas vivem nessas condições.
De acordo com ele, o objetivo é diminuir a mortalidade dessa população. "São situações específicas onde o desfecho negativo do óbito acontece muito rápido. Infelizmente, esses pacientes não sobrevivem muito tempo", explicou.
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