Influenciador Bruno Thierry, 35, faz sucesso ao mostrar seu dia a dia na comunidade da RocinhaReprodução / Rede Social
Morador da Rocinha faz sucesso nas redes sociais ao compartilhar dia a dia da comunidade
Irreverente e com uma linguagem própria, Bruno Thierry, 35, busca levar uma visão positiva da região: 'Rocinha não é um morango, mas é um lugar que se você souber viver, vence na vida'
Rio - "Chega de cantinho, sem muito rá rá rá, pra não ganhar um casaco de madeira", é com essa irreverência que o paraibano Bruno Thierry, de 35 anos, faz sucesso nas redes sociais ao mostrar o dia a dia da comunidade da Rocinha, na Zona Sul do Rio, uma das maiores da América Latina. Morador do local há 25 anos, Rocky Cria, como é conhecido, busca levar uma visão positiva da favela, compartilhando um pouco de sua vida no lugar. Com linguagem própria, ele mostra as facilidades e dificuldades de quem vive na comunidade a seus quase 4 milhões de seguidores.
Nascido na Paraíba, Bruno foi morar na Rocinha após sua mãe, já separada do pai, se casar com um pastor. Ao DIA, ele contou que o religioso se mudava com frequência e isso atrapalhava sua vida escolar. Aos 10 anos de idade, o influenciador decidiu morar com seu pai, que estava no Rio.
"Achei que ele morava em Copacabana, mas na verdade vivia na Rocinha. Mas foi muito legal vir morar com ele, tive uma criação muito boa. Meu pai era muito rígido. Fazia eu ir para a escola todos os dias e me incentivava a praticar esportes, tanto que sou grau preto de Muay Thai e fui até a faixa marrom de Jiu-Jítsu. Aqui na Rocinha o esporte respira muito forte e foi o que me salvou", contou Bruno.
Pioneiro em criar conteúdo mostrando o dia a dia da comunidade, Bruno começou a gravar vídeos durante a pandemia da covid-19, em 2020. Na época, ele publicava seus conteúdos em uma outra página e não se filmava, apenas mostrava as ruas da Rocinha durante suas saídas. Segundo o influencer, os seguidores sempre questionavam de quem era a voz que narrava os vídeos. Como resposta, Bruno decidiu criar o perfil Rocky Cria e começou a se filmar.
"Eu via que as pessoas tinham muitas informações erradas sobre a favela. Quando eu falava que morava na Rocinha, elas já pensavam que era perigoso e tal. Então eu passei a fazer vídeos levando informações da Rocinha, mostrando o dia a dia da favela, que era a curiosidade da galera. Como eu sempre digo: a Rocinha não é um morango, mas é um lugar que se você souber viver, vence na vida", explicou.
Impacto positivo na Rocinha
Com o sucesso de seus vídeos, Bruno passou a ganhar cada vez mais seguidores em suas redes sociais e a admiração dos moradores da comunidade, dado o impacto positivo das postagens na Rocinha.
"O impacto dos meus vídeos foi enorme, graças a eles o turismo na Rocinha triplicou. Vem gente de todos os lugares do Brasil pra cá. Tem muita gente de Portugal que assiste meus vídeos e quando vem para o Brasil, querem visitar a Rocinha. O que me deixa mais feliz é ver que vários amigos, que assim como eu, não tinham um caminho por onde seguir, hoje estão ganhando um dinheiro com o turismo", disse o influenciador.
O vice-presidente da associação de moradores da Rocinha, Marcondy Ximenes, de 47 anos, reforçou a importância do trabalho do Bruno para a comunidade. Segundo ele, o turismo na Rocinha alavancou com as postagens e se tornou um dos pontos mais visitados no Rio. O comércio local também foi beneficiado, já que Bruno divulga as lojas da comunidade, que acabam sendo procuradas pelos visitantes.
"Rocky, como é conhecido, faz um trabalho fantástico. É uma quebra de paradigma. Há uns 10 anos, tudo relacionado à Rocinha era vinculado a algo negativo. O que despertava a atenção eram as guerras, as mortes, algo que distorcia a nossa imagem. O trabalho dele é importante para desmistificar a visão externa que as pessoas têm da favela, especialmente da Rocinha", ressaltou.
Para Marcondy, os vídeos feitos por Bruno levam muito mais que entretenimento, ressaltando a importância do engajamento social. A forma positiva com que ele aborda os problemas da comunidade faz com que os moradores o admirem.
"É muito maneiro o carinho da galera. Quando eu ando por aqui, o pessoal buzina, querem tirar fotos, fazer vídeos, pedem para mandar salve... eu nunca imaginei, nem nos meu melhores sonhos, que iria viver algo parecido. É muito legal esse carinho, muito gratificante", agradeceu Thierry.
Criada na comunidade, a técnica de enfermagem Lilian Vieira, de 45 anos, é fã do trabalho do Bruno e assiste os vídeos todos os dias. Segundo ela, a falta de saneamento básico é a principal dificuldade dos moradores e Bruno sabe abordar o tema de forma leve.
"Ele faz um trabalhado importantíssimo na comunidade, divulgando o lado bom e ruim. Ele mostra realmente o que nós temos e como vivemos nesse mundo chamado Rocinha. Acredito que, com os vídeos dele, as autoridades passem a olhar por nós e melhorar essa situação", disse.
Apesar de sempre buscar levar um olhar positivo da comunidade, o influenciador não esconde as dificuldades de quem vive no local. Com bom humor, Bruno aborda alguns problemas estruturais da favela — que passam pelas construções improvisadas às "gambiarras" que os moradores fazem para ter acesso a água.
"Meus vídeos com certeza ajudam a trazer melhorias. Hoje em dia a gente tem voz, a gente consegue gritar. Se faltar luz aqui, a gente faz um vídeo, faz um mutirão, e rapidinho as autoridades aparecem e consertam. Isso já é uma melhoria. Hoje a gente pode gritar que queremos saneamento básico, que estamos sem luz... nós temos voz", reforçou Bruno.
Marcondy Ximenes também reconhece a importância do trabalho realizado pelo influencer. Para o vice-presidente da associação de moradores da Rocinha, os vídeos ajudam a despertar o poder público para a necessidade de melhorias na comunidade.
"A gente sempre ostentou o status de ser, por muito tempo, a maior favela da América Latina. Mas a nossa briga não é para ser a maior e, sim, a melhor. A gente ainda briga por pautas como saneamento básico, que pra mim é uma utopia, e uma melhor distribuição de energia. Hoje, ele é uma personalidade que é vista até pelos órgãos públicos. Então, acredito que, mesmo indiretamente, ele ajuda a despertar um olhar para essa favela que é lúdica, porém tem problemas da década de 80", ressaltou.
A maior favela do Brasil
Originada de uma divisão de terras de uma antiga fazenda de café, a região entre os morros da Gávea e São Conrado tornou-se, por volta da década de 1930, um centro fornecedor de hortaliças para a feira da Praça Santos Dumont, na Gávea. Esta feira abastecia toda a Zona Sul do Rio e quando os comerciantes eram questionados sobre a origem dos produtos, respondiam que vinha de uma "rocinha" no alto da Gávea.
O processo de ocupação da Rocinha acelerou à partir dos anos 1940, depois que a Estrada da Gávea foi asfaltada, em 1938. Com o aumento da migração de nordestinos para o Rio, na década de 1950, e após a inauguração dos túneis Rebouças (1967) e Dois Irmãos (1971) - hoje chamado de Zuzu Angel - a expansão da comunidade foi ainda maior. Devido ao seu tamanho e sua grande densidade populacional, a Rocinha foi legalmente reconhecida como bairro em 1993.
De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022, a Rocinha tem a maior concentração de moradores por quilômetros quadrados no Brasil, com uma densidade de 48,3 mil pessoas por km².
Por muitos anos considerada a maior favela do país, a Rocinha perdeu esse posto para a comunidade Sol Nascente, em Ceilândia, no Distrito Federal. Atualmente, segundo números do IBGE, a comunidade carioca conta com 70.894 habitantes, contra 101.866 da favela brasiliense.
O vice-presidente da associação de moradores da Rocinha Marcondy Ximenes, no entanto, contesta esses dados. Segundo ele, o IBGE não consegue fazer um estudo 100% conclusivo sobre a população da comunidade.
"O IBGE vem aqui e faz estudos que sempre apontam em torno de 70 mil habitantes. Na última pesquisa deles, que ainda não saiu o resultado, a estimativa é que seja na casa dos 80 mil. Mas a gente sabe que a nossa realidade é muito maior, nós estimamos que temos cerca de 200 mil moradores", explicou.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Thiago Antunes
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