Todas as terças e quintas-feiras o compromisso é com o futuro. O projeto Um Novo Amanhã (UNA) dá oportunidade a adolescentes e jovens de 13 a 29 anos de vislumbrarem uma realidade mais promissora na vida pessoa e profissional. Empresa de impacto social no Rio de Janeiro, a Leoninna, usa a arte para transformar vidas e implementa projetos em três eixos: geração de renda e formação profissional, educação e cultura, diversidade, equidade e inclusão.
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No programa são oferecidas aulas que integram teatro, inteligência emocional e o curso Jovem Youtuber. Com um total de 14 aulas ao longo de três meses, sempre às terças e quintas-feiras, o UNA visa inserir esses jovens no mercado de trabalho. No total, o programa já formou oito turmas e agora caminha para a nona.
Na terça-feira (4), houve a formatura da primeira turma do curso Jovem Youtuber na Escola Municipal Monte Castelo, em Coelho Neto, Zona Norte do Rio. O evento foi movimentado: Eram 53 estudantes que se formaram e fizeram questão de levar seus parentes e amigos para festejar mais uma etapa vencida. Houve banda, bolo com o nome do curso, salgadinhos e muita alegria, além da palhaçona Bastilha que agitou a comemoração. Na quinta-feira (14) outra turma começa, também em Coelho Neto.
Um dos coordenadores do projeto, Jeff Quirino, de 37 anos, explica porque optaram por continuar a fazer esse trabalho no mesmo bairro: "Existe a articulação com o nosso parceiro, o Metrô, e a gente identifica o local que também tem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixo, então é estratégico desenvolvermos ações como essa em territórios como Coelho Neto. Além de ser cercado de favelas, que são considerados territórios marginalizados, entendemos que por conta dessa vulnerabilidade, tanto social, econômica e pedagógica, é importante e pertinente continuarmos com o projeto aqui".
Para Quirino, são novas oportunidades que se abrem. "O UNA vem dessa nossa crença no processo de transformação, é uma ferramenta que contribui para um processo de formação técnica e de aderência a processos e espaços que vão, de fato, mudar a vida desses adolescentes. Atendemos a 53 pessoas, a maioria da Escola Monte Castelo, mas têm aulas também na Associação de Moradores de Coelho Neto. Essa potência do trabalho em rede entre instituições sociais, iniciativa privada, instituições locais se fortalece e causa esse impacto positivo".
O próprio Jeff é um exemplo dessa transformação. Se no passado, teve uma história com o Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) e uma passagem pelo sistema carcerário, ele hoje luta para que adolescentes e jovens não passem por essa triste situação que assola muitas pessoas com menos chances de crescer na vida. O programa inclusive já esteve no Degase para dar oportunidade de recuperação aos internos quando saírem.
"A minha história é ligada ao Degase. Estive no sistema de medidas sócioeducativas. E quando eu já estava de maior, uma passagem pelo sistema carcerário. Retornar agora com uma forma e estratégias que possam evitar que histórias como a minha se repitam e que pessoas como eu possam surgir a partir dessa provocação é motivador".
Para Jeff trabalhar com esse projeto é muito bom. "Acho que no meu caso especificamente, isso é o retorno e a contribuição por toda a crença que tiveram em mim, por tudo que investiram em mim, por tudo que acreditaram nesse processo de transformação de vida. E hoje eu tenho como objetivo de que não é preciso mais um adolescente sair da favela e ter tido problema com drogas, com a criminalidade, problemas financeiros, porque simplesmente a gente está criando essa cesta de oportunidades para que eles consigam usufruir desses benefícios, tendo qualificação educacional e profissional", diz Jeff, acrescentando que seu propósito de vida é utópico: "Acredito que instituições como UNA são feitas para morrer. Porque se a gente morrer, significa que o problema foi solucionado".
Idealizadora do projeto, Lau Mollica conta como tudo começou. "Eu e uma médica chamada Luisa Plantier trabalhávamos numa organização sem fim lucrativos, atendendo a pessoas em situação de rua. A ideia foi de fazer um projeto que atendesse de uma forma mais holística, com assistente social, ajuda de empregabilidade, ajuda de psicólogos, tudo isso de forma integral na capacitação profissional. Então começamos a desenhar um projeto e a montar uma equipe que a gente pudesse ter todos esses personagens". Lau, que tem formação em jornalismo e artes e faz curso de MBA em gestão em educação afirma que foi se formando uma grande rede de profissionais para um bem comum. "Nosso objetivo é usar a arte para transformar".
De aluna a monitora
A jovem Mirely de Jesus, de 22 anos, é tão articulada que em pouco tempo passou de aluna para monitora. "Faço parte do projeto desde o começo com o Favela Radical, no Turano. Entrei como aluna e quando o programa foi para o Degase, passei a ser monitora do UNA. Essa experiência é muito gratificante porque vejo os estudantes evoluindo. Chegaram tímidos e depois se soltam", diz ela, moradora da comunidade Pavão-Pavãozinho, em Copacabana.
Quanto ao Curso Jovem Youtuber, ela só tem elogios. "Muito bom abrir essa porta para internet. Eu fiz o curso com 18 anos e eu tinha pouco acesso a celular, a wifi porque sou de comunidade também, sou de favela. Para ir ao Turano, eu só tinha o dinheiro da passagem", relembra ela, que agora tem o seu próprio salário. Ela conta que no Jovem Youtuber têm vários professores e que os ensinamentos são muitos.
"A professora de teatro Cheila Oliveira dá aula de improvisação teatral, como se portar frente à câmera, para que os alunos consigam controlar melhores emoções e mostrar o que eles querem no vídeo deles. Muitos queriam fazer o canal de youtube, mas tinham medo da câmera, de gravar. Com as aulas de roteiro, o aluno já se sente mais seguro para escrever e gravar".
Para a monitora, o jovem youtuber muda a percepção de mundo. "Vai além de ser só o youtuber, ou de só abrir um canal, ou de começar a entrar em alguma carreira. Eles têm a percepção mesmo de mundo, de vida, durante as aulas. Percebi nessa edição que tiveram muitos depoimentos falando sobre a importância de se conversar com outras pessoas. Hoje em dia os adolescentes estão muito na rede social".
Mirely afirma que curso abre muitas portas porque os estudantes aprendem a editar, a gravar melhor, e tem uma outra visão internet, de sair de vídeos amadores para tentar buscar um caminho profissional. Também atriz e assistente de produção, ela pretende ir longe. "Quero fazer faculdade de cenografia de indumentária voltada para o teatro".
Música como propósito de vida
Davi de Oliveira, de 15 anos, não queria de jeito algum participar do projeto. "De começo foi por obrigação. Não sabia como era. Eu tinha que fazer provas, mas meu irmão falou que seria bom para o meu futuro. Depois passei a gostar porque tinha a parte do teatro. E passei a ficar menos inibido. Eu tinha muita vergonha.
Estudante de piano e guitarra, Davi é monitor de música do UNA e agora adora o projeto. "Vai me ajudar muito porque eu gravo vídeo para o YouTube, para o Instagram. Eu tenho muita dúvida com esse negócio de filmagem, roteiro, essas coisas. Eu sei que eu quero gravar música, mas o que eu quero gravar de música? Se eu quero ensinar, se eu quero mostrar outro canto", diz ele que sonha em ser músico da Marinha e no ano que vem pretende estudar na Escola Pedro II, em Realengo.
Pablo L., 17 anos, aluno da capacitação Jovem Youtuber conta: "Antigamente tinha muita vergonha de aparecer. Agora eu me gravo, posto e a vergonha foi embora. E esse negócio de ser Youtuber é uma boa, ganha dinheiro, influencia as pessoas. Também me ajudou a fazer trabalho em equipe e me expressar mais. Em equipe é melhor, um por todos e todos por um".
"Aqui eu aprendo muito, aprendo coisas novas, a me autoconhecer e a lidar com meus próprios erros através das aulas de roteiro e de falar na frente da câmera", pontua Mylena Oliveira, outra aluna da capacitação Jovem Youtuber.
Profissionais da educação aprovam o UNA
Diretora da Escola Municipal Monte Castelo, Tatiana Saldanha, de 42 anos, acredita que o projeto trouxe muitos benefícios para os alunos. "Acho que deu aquele gás que estavam precisando. E na vida profissional a gente acredita que isso vai abrir muitas portas, porque muitos desses alunos são desacreditados da sociedade até pelos locais onde residem. Para muitos deles, a escola é o porto seguro. Então, quando chega uma oportunidade dessa, dentro da escola, que ele não precisa se locomover, abrindo portas para poder estar trabalhando, para ele estar aprendendo coisas novas, a gente abraça e os deixa serem felizes", diz Tatiana, que está na direção há menos de um ano. "Eu cheguei e o youtuber chegou junto. Estamos sempre abertos a esses projetos para melhorar a vida deles".
Coordenadora pedagógica da escola municipal Monte Castelo, Roberta Costa do Nascimento aprova o UNA. "É maravilhoso. Incentiva a coletividade e não a competitividade. Na coletividade a gente aprende muito porque um depende do outro e isso nos prepara para o mundo, para a família, para o trabalho, para a sociedade. A coletividade trabalha isso".
Para Roberta, o projeto melhora o comportamento porque contribui com a identidade. "O aluno começa a se conhecer melhor e passa a conhece melhor o outro, isso facilita a convivência dele dentro e fora da escola. Sem falar que eles acompanharam os professores que ministraram curso, viram as dificuldades deles para chegar aqui quando estava calor excessivo, em dias de muita chuva e de violência no entorno. Os alunos ficavam aqui e isso também trabalhou a resiliência, a paciência e a persistência. É um ganho".
A profissional acha que quando você passa a dificuldade junto você fica mais unido. "Hoje é um prêmio e a formatura uma coroação. Eles vivem um histórico familiar de muita desistência. Então concluir é extremamente importante, principalmente com a formatura. Estão aqui a família, os professores, os amigos, a imprensa. Toda essa rede dá protagonismo, tem a questão da identidade, trabalha a autoestima e valorização desse aluno", finaliza.
Histórico do programa
Desde sua concepção, o UNA passou por diversos marcos importantes:
• 2022: primeiro edital do Instituto Localiza. Aulas no Ambulatório da Providência e Instituto Favela Radical com capacitações em Estética Afro e Jovem Youtuber. Total de 4 turmas e 120 formandos.
• 2023: segunda edição com apoio do Instituto Localiza. Aulas no DEGASE com capacitação em Jovem Youtuber. Total de 5 turmas e 43 formandos.
• 2024: projeto em andamento com patrocínio do Metrô Rio e apoio do Instituto Localiza e do Favela Radical para formar mais 90 alunos.
• 2025: planejamento para transformar o UNA em um programa completo, rodando a Jornada UNA de Empregabilidade.
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