Alexsandro Pohlnann em seu comércioDivulgação

Ainda em 2024, existem muitos estigmas e preconceitos perpetuados pela sociedade patriarcal, em que homens são vistos como infalíveis, fortes e seguros. Isso pode explicar a grande diferença na procura por tratamentos de saúde entre homens e mulheres. Segundo relatório da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 69,4% dos homens passaram por consulta no ano de 2018, enquanto esse número é de 82,3% entre as mulheres. Quando se trata da saúde emocional, a segunda edição do “Panorama da Saúde Mental”, realizado pelo Instituto Cactus e AtlasIntel, mostra que apenas 5% dos brasileiros fazem terapia. Além disso, 56% dos deles afirmaram nunca ter procurado um profissional da saúde para lidar com transtornos de ansiedade. Entre homens, a situação é pior e o índice chega a 65%.

A psicóloga Bárbara Couto, mestre em Psicologia Clínica e Saúde, explica que normas culturais e sociais incentivam os homens a internalizar as dificuldades e a nunca demonstrar fraqueza. Essa socialização masculina tradicional valoriza algumas características, como auto suficiência, controle emocional, força, e gera culpa e vergonha quando se tem algum tipo de sofrimento. “As pesquisas indicam que esses fatores são reforçados pelos ambientes sociais, familiares e profissionais. Desde que a criança nasce, o homem tem que engolir o choro para virar homem e nunca pode demonstrar nenhum tipo de sentimento. É como se o sentimento afetasse a masculinidade. Nesse contexto, a saúde mental é totalmente ignorada, porque é vista como fraqueza”, explica Bárbara.


Muitas vezes, os pais também foram educados dessa forma e perpetuam essa condição, fazendo o mesmo com os filhos. Além disso, na maioria das escolas não há o ensino da inteligência emocional, que poderia ajudar a mostrar que homens têm sentimentos assim como mulheres. Para Bárbara Couto, seria de suma importância que esse tema também fosse abordado em escolas para quebrar esse ciclo e da orientação sexual. E acaba tendo uma lacuna muito importante no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais nos meninos e nos homens. Não temos, culturalmente, muitos modelos masculinos positivos que validem essa busca por ajuda, o que agrava o problema”, alerta ela.

Emoções reprimidas mudam o funcionamento cerebral dos homens

Os estudos em neurociência mostram que os homens, quando estão sob estresse emocional, ativam menos as regiões dos cérebros, que são ligadas à percepção e a expressão emocional. Com isso, a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial vão sendo reprimidos. “Para parte da sociedade, a única emoção que o homem pode ter é raiva, se tornando pessoas mais agressivas e mais difíceis de lidar. Essa educação, que muitos de nós temos, acabam perpetuando o ciclo de masculinidade tóxica e reforça o silêncio em relação à saúde mental. Poucos homens Conseguem reconhecer suas fragilidades e dificuldades em lidar sozinhos com suas emoções”, declara Bárbara Couto.

Os homens, que geralmente, já têm mais dificuldade na comunicação, quando não tratam da saúde emocional, têm essa dificuldade aumentada. E isso afeta negativamente os relacionamentos familiares, conjugais, sociais, e até a produtividade no trabalho. “Nos relacionamentos, eles são aqueles homens que explodem, ou que se distanciam emocionalmente, ou que não conseguem conversar, ou que, em qualquer conflito querem terminar a relação. E aí podem se tornar pessoas dependentes emocionais ou solitárias”, explica ela.
O comerciante Alexsandro Pohlnann é um exemplo claro disso. Ele conta que, por insistência da esposa, fez um plano de saúde e foi a uma única uma consulta. “Se não fosse por ela, eu nem teria feito o plano, mas, na consulta, foi detectado que sou pré-diabético. Parei de ingerir açúcar e cancelei o plano”, relatou o comerciante.

Ele disse ainda que tem certeza de que está muito bem de saúde e que, caso sinta algo relacionado à pré-diabetes, procurará um médico.

Já o funcionário público Lucian Grillo decidiu buscar ajuda psicológica depois de perceber que questões pendentes do passado estavam influenciando diretamente seu dia a dia. “Eu sentia dificuldade em reconhecer e lidar com meus próprios sentimentos, além de enfrentar uma ansiedade que ia além do normal. Foi um passo importante para entender melhor a mim mesmo e buscar equilíbrio emocional”, relata.

Preconceito em relação à terapia

Lucian afirma que tinha um certo preconceito em relação à terapia e que, na verdade, o que faltava era mais informação sobre sua importância e o trabalho do profissional de psicologia. “Sobre ter sido criado para ser forte, posso dizer que sim. Fui educado dentro daquele modelo tradicional, em que ‘homem não chora’ e não demonstra seus sentimentos. Esse tipo de pensamento, sem dúvida, afeta profundamente a saúde mental dos homens, porque cria uma barreira para que reconheçamos nossas vulnerabilidades e busquemos ajuda.”

Ele reconhece que a terapia trouxe mudanças profundas para sua vida. Afirma que, com o tratamento, conseguiu se acalmar em situações que antes o deixavam desconfortável e entender que muitas coisas, principalmente em relação aos pais, não são responsabilidade dele. “Aprendi que algumas crenças com as quais cresci não são definitivas e que, na verdade, meu cérebro adoecido me fazia acreditar que eu era insuficiente ou não merecedor. Hoje, confio muito mais em mim e no meu potencial. Também aprendi a regular minhas emoções e sentimentos, o que me permitiu viver de forma mais leve e equilibrada”, afirma Lucian.
Homens da Geração Z buscam mais ajuda

De acordo com Bárbara, homens mais jovens têm mais abertura para buscar tratamento psicológico. A masculinidade tradicional vem sendo desconstruída e há maior conscientização sobre saúde mental na Geração Z. Além de ser uma geração de pais mais esclarecidos, os homens dessa geração são mais influenciados por campanhas nas redes sociais e por figuras públicas. “Na clínica, a maioria dos pacientes são mulheres.
É o reflexo do nosso padrão cultural, onde as mulheres têm uma aceitação maior em discutir problemas, em sentir e em buscar apoio. E os homens que chegam ao consultório são os mais jovens ou que estão numa crise emocional muito grande, ou quando é pedido por familiar, principalmente esposa. Aqueles que superam as barreiras culturais e iniciam o processo terapêutico, têm um progresso significativo”, finaliza a psicóloga Bárbara Couto.